Na última terça-feira, dia 25 de junho de 2024, os ministros do Supremo Tribunal Federal – STF formaram maioria em relação ao entendimento para a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, em um julgamento iniciado em 2015 e que divide a população: “Forma-se, assim, maioria” para decidir que “o porte para consumo pessoal constitui um ato ilícito sem natureza penal”, resumiu o presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso. E, no dia seguinte (26) a Corte Constitucional definiu o parâmetro de 40g cannabis sativa ou 06 plantas fêmeas como critério para diferenciar usuários de traficantes de maconha, até que o Congresso Nacional supra a omissão legislativa quanto ao assunto em apreço (Tema 506 – STF[1]).
Impende registrar que o limite fixado pelo Supremo Tribunal Federal (40g de maconha ou 6 plantas fêmeas) não é um critério absoluto, na medida em que deve ser analisado o caso concreto para afastar práticas de tráfico de drogas de pequena quantidade, pois nesse caso haverá, em tese, a caracterização do crime previsto no art. 33, da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas). Nesse sentido é o art. 28, § 2º, da Lei de Drogas:
[…] § 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
A atuação do STF nesses casos é decorrente da mora legislativa, que pode envolver interpretação da Constituição Federal para decidir sobre a constitucionalidade de leis existentes ou para preencher lacunas deixadas pela inatividade do Legislativo. Por exemplo, em temas como direitos individuais, questões ambientais, e políticas públicas, o STF frequentemente é chamado a decidir sobre questões que demandam ação legislativa, mas que ficaram sem resposta do Congresso.
A “inércia legislativa” é a situação em que o Poder Legislativo, por algum motivo, não age para criar, modificar ou revogar leis necessárias para abordar questões importantes ou mudanças na sociedade. Isso pode ocorrer por diversas razões, como falta de consenso político, priorização de outras agendas, ou até mesmo resistência a mudanças sociais ou culturais.
Quando há omissão dos legisladores em relação a certos temas que são considerados urgentes ou controversos, o Supremo Tribunal Federal, no Brasil, e tribunais superiores em outros sistemas judiciais podem ser chamados a atuar. Isso acontece por meio do processo conhecido como judicialização, onde questões que deveriam ser tratadas pela Casa de Leis acabam sendo decididas judicialmente.
No entanto, a judicialização também é criticada por alguns, pois pode ser vista como uma extrapolação do papel do Judiciário (ativismo do Poder Judiciário), que teoricamente não deveria legislar, mas apenas interpretar a lei. Isso pode levantar questões sobre a separação de poderes e a democracia representativa.
Em resumo, a inércia legislativa pode levar o STF a agir para preencher omissões ou resolver impasses, mas essa intervenção judicial também gera debates sobre os limites do poder judicial em relação seu ativismo.
Para evitarmos atecnias, cabe esclarecer a diferença entre descriminalização e legalização, é importante para entendermos as diferentes abordagens em relação a certas práticas ou substâncias:
a) Descriminalização: Refere-se à remoção de uma conduta típico-penal no ordenamento jurídico-penal. Isso significa que a atividade em questão ainda pode ser ilegal, ou seja, contrária às normas jurídicas (de forma geral), mas as penalidades são reduzidas ou substituídas por medidas não criminais, como multas ou tratamento.
b) Legalização: Envolve a remoção integral das restrições legais (de todo o ordenamento jurídico) de certas condutas, permitindo, assim, que sejam realizadas dentro dos limites estabelecidos pela lei. Isso pode implicar a regulamentação circunstanciada da prática de alguns atos.
Um exemplo prático pode ser a diferença entre a descriminalização e a legalização da maconha: a descriminalização pode significar que o porte de pequenas quantidades de maconha consumo pessoal não resulta mais a prática de crime, mas acarretará, em tese, um ilícito administrativo com aplicação de sanção de caráter administrativa (assim como infrações administrativas de trânsito); enquanto a legalização significa dizer que a pessoa poderá comprar, vender ou usar maconha sem que houvesse qualquer restrição legal, tal como acontece com o cigarro e o tabaco.
Por fim, no mesmo julgamento foi fixada uma norma de transição quanto à atribuição do órgão que lavrará o ilícito (administrativo) do porte de maconha para consumo pessoal. Isso significa dizer que até o legislador estipular o procedimento a ser aplicado, caberá ao policial que verificar a prática da conduta acima encaminhar o usuário de maconha ao Delegado de Polícia, consoante disciplina o art. 48, da Lei de Drogas.
[1] Leading Case: RE 635659 – Rel. Min. Gilmar Mendes. “Recurso extraordinário, em que se discute, à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, a compatibilidade, ou não, do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica o porte de drogas para consumo pessoal, com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada”.
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