(Des)Necessidade de delimitação temporal no acesso a dados telemáticos com finalidade investigatória criminal.

Atenção à decisão do STJ!

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15 de dezembro3 min. de leitura

Olá pessoal, tudo certo?

Vamos falar um pouco sobre o impacto das normas estampadas da Lei do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) no âmbito das investigações criminais, especificamente daquilo que foi objeto – recentemente – de apreciação pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no HC 587.732/RJ[1].

O artigo 10 do Marco Civil da Internet prevê a imprescindibilidade de tutela da privacidade dos dados pessoais e do conteúdo das comunicações privadas[2]. No entanto, isso não significa que as exigências para eventual acesso judicial são similares àquelas observadas nas interceptações das comunicações telefônicas.

Segundo o dispositivo acima mencionado, aguarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. O § 2° desse mesmo dispositivo legal determina que o conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, e o art. 22 prevê quais são os requisitos do pedido para o acesso a aplicações de internet. Vejamos:

Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet. Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob pena de inadmissibilidade: I – fundados indícios da ocorrência do ilícito; II – justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e III – período ao qual se referem os registros.

 

Nesse contexto, não obstante a orientação normativa do Marco Civil da Internet no sentido de ser necessário observar a tutela da privacidade de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas (art. 10), ao tratar do acesso judicial somente exige limitação temporal no acesso aos registros de “aplicações de internet”, termo legal usado para definir o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet(art. 5°, VII). Ou seja, não há limitação de tempo para acesso aos dados pessoais, em sentido amplo, mas apenas ao acesso à internet.

É importante registrar que não se deve confundir as “comunicações privadas armazenadas” (art. 7°, III, da Lei 12.965/2014) com o “fluxo de comunicações pela internet” (art. 7°, II) e “aplicações de internet” (art. 5°, VII), sobretudo porque somente ao fluxo de comunicações é que se determinar limitação temporal para a interceptação (art. 15, § 1°).

Não há ilegalidade na decisão que determina o acesso aos dados constantes nos bens que vierem a ser apreendidos, a fim de que sejam submetidos à perícia, sem a determinação de limite temporal, porque se trata de dados já salvos nos dispositivos eletrônicos, em que os pacientes tiveram a liberdade de apagarem ou acrescentarem informações, não sendo “fluxo de comunicações” mantidos ou armazenados por provedores de internet.

De acordo com a doutrina especializada, em relação ao conteúdo dos registros a serem guardados, este não abrange as comunicações em si mesmas estabelecidas a partir do acesso a aplicações. Então, o § 2° do art. 10 do Marco Civil da Internet informa que o conteúdo das comunicações somente poderá ser fornecido pelos provedores mediante ordem judicial, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7°. Contudo, não existe previsão de guarda do conteúdo das comunicações nem prazo legal para tanto, de forma que se conclui que somente ordem judicial poderá obrigar os provedores a assim agirem[3].

Em um caso apreciado pela 6ª Turma do STJ, a Corte asseverou que em se tratando de equipamento (computador, pen drive, HD externo etc) apreendido em busca e apreensão domiciliar, o próprio mandado judicial pode facultar o acesso às informações que nele constem. Por isso, não há óbice para que a autoridade policial ou o Ministério Público solicite, em sua representação pela autorização de busca e apreensão, que seja deferido o acesso aos dados estáticos contidos no material coletado. As Leis n. 12.965/2014 e 9.296/1996 possuem dispositivos legais que objetivam tutelar o fluxo das comunicações em sistemas de informática e telemática, isto é, proteger a fluência da comunicação em andamento, diversamente do que ocorre quando são recolhidos aparelhos informáticos em decorrência de busca e apreensão domiciliar, nos quais os dados são estáticos. Em virtude disso, é incorreta a avaliação dos requisitos necessários para a interceptação do fluxo de comunicações, a fim de aferir a possibilidade de acesso as informações estáticas que estão armazenadas em aparelhos recolhidos em busca e apreensão domiciliar[4].

Com base nessas orientações, diferentemente do que ocorre quando se está almejando o acesso a fluxo de comunicações, não há necessidade de a ordem judicial estabelecer limitação temporal específica para os acessos requeridos pelo Ministério Público, por se tratar de dados estáticos, constantes nas plataformas de dados[5].

Tema extremamente complexo! Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

 

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 

 

[1] HC 587.732-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020.

[2] Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.

[3] BRAUN, Caroline; MARTINS, Rafael D’Errico. O marco civil da internet, a guarda e fornecimento de registros por provedores de conexão e de acesso a aplicações de internet: limites legais e questões probatórias relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 130.

[4] HC 444.024/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/04/2019.

[5] Segundo o STJ, no caso, não se tratava de guarda e disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet, e, acaso fosse, a autoridade policial ou o Ministério Público poderia requerer cautelarmente que o provedor de aplicações de internet, por ordem judicial, guardasse os registros de acesso à aplicação de internet, para finalidades de investigação criminal.

 

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