Dumping social: ganância sem limites

TST admite condenação substancial por essa prática ilícita

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24 de janeiro3 min. de leitura

    O dumping é uma prática que envolve a venda de produtos abaixo do seu valor normal no mercado, causando prejuízo à indústria local ou ao seu desenvolvimento. Essa lógica, nitidamente de caráter comercial, derivou do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT). A aplicação desse acordo geral foi permitida no Brasil por meio da Lei 313/48, conforme art. 1º, caput:

“Art. 1º É o Poder Executivo autorizado a aplicar, provisòriamente, o Acôrdo Geral sôbre Tarifas Aduaneiras e Comércio, cujo texto consta da Ata Final da Segunda Reunião da Comissão Preparatória da Conferência das Nações Unidas sôbre Comércio e Emprêgo, assinada pelo Brasil e outros países, em Genebra, a 30 de outubro de 1947.”

    O dumping pode ser intencional ou não intencional, ou seja, pode ser uma ocorrência ocasional no curso do capitalismo ou ser provocado. A prática comporta diversas modalidades: dumping predatório, tecnológico, ecológico, estrutural, por excedente e social.

    Claro que o dumping social se encontra dentre as modalidades de dumping intencional. Nele, esse ganho de vantagem competitiva é indevidamente suportado pelas violações reiteradas de direitos trabalhistas.

    Assim, o empregador, descumprindo obrigações diversas (de ordem pecuniária ou regras de segurança e medicina), torna sua atividade menos onerosa em detrimento da dignidade e dos direitos sociais e humanos, incrementando ganhos indevidos em relação aos concorrentes.

    Neste contexto, revela-se comum verificar que empregadores deixam de pagar verbas trabalhistas de maneira reiterada, promovem terceirizações ilícitas, suprimem intervalos intrajornadas etc.

    Uma das maneiras mais efetivas de combater o dumping social é a condenação pecuniária dos responsáveis. As condenações baseiam-se em diversos dispositivos, como os arts. 186 e 187, 927, caput, e 404, parágrafo único, do Código Civil:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

“Art. 404. (…)
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.”

    No campo processual, as decisões costumam invocar o art. 652, “d”, da CLT:

“Art. 652. Compete às Varas do Trabalho:
d) impor multas e demais penalidades relativas aos atos de sua competência;”

    O Tribunal Superior do Trabalho reconhece essa possibilidade de indenização:

“A prática do dumping social tem sido definida como modalidade de concorrência desleal pela possibilidade de seu agente ofertar – por meio do desrespeito à legislação trabalhista – produtos a preços mais baixos do que as demais empresas do mesmo ramo de negócio e gerar profundos prejuízos ao funcionamento eficiente do mercado, podendo, inclusive, obstar a viabilidade da continuidade de atuação dos concorrentes comerciais, em claro desrespeito aos valores sociais do trabalho e à livre iniciativa, fundamentos da ordem econômica nos exatos termos da Constituição Federal (art. 170). O descumprimento deliberado do Direito do Trabalho tem um alto custo social, na medida em que representa um acréscimo significativo no adoecimento dos trabalhadores e na ocorrência de acidentes de trabalho, em prejuízo à finalidade de a ordem econômica assegurar a todos existência digna, conforme os ditames de justiça social. A meu sentir, portanto, a aplicação de indenização suplementar, nas hipóteses em que houver a caracterização da prática de dumping social, trata-se do reconhecimento da função punitiva e dissuasória que a responsabilidade civil pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua tradicional função reparatória , e decorre do reconhecimento da prática de ato ilícito, por exercício abusivo do direito, pois extrapola limites econômicos e sociais nos exatos termos dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, paragrafo único , do Código Civil o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz o dever de indenizar.” (RR-1087-74.2010.5.15.0138, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 23/03/2018).

    A matéria possui tanta relevância que foi editado o enunciado 4 na 1ª Jornada de Direito e Processo do Trabalho do TST, em que se admite a condenação em indenização:

“DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, `d`, e 832, § 1º, da CLT.

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