Gestantes ou mães de criança reincidentes criminalmente têm direito à prisão domiciliar? Isso aqui SERÁ questão e pegadinha de prova!

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20 de maio6 min. de leitura

Olá pessoal, tudo certo?

Sem dúvida alguma, dentro do tema prisão cautelar, um aspecto que vem sendo cada vez mais cobrado em provas é o da PRISÃO DOMICILIAR, encapsulada no Capítulo IV do Título IX do Código de Processo Penal (entre os artigos 317 e 318-B).

Dentro desse espectro, vem ganhando ainda maior relevância prática – naturalmente com reflexos nas provas – a prisão domiciliar envolvendo presas cautelares gestantes, puérperas ou de mães de crianças ou deficientes. Isso porque, desde fevereiro de 2018, quando o STF concedeu HC Coletivo através da 2ª Turma (HC 143641/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski – ementa cuja leitura é OBRIGATÓRIA[1]), a conclusão foi de que caberia domiciliar para todas as mulheres presas que fossem (i) gestantes, (ii) puérperas (que deu à luz há pouco tempo); (iii) mães de crianças (isto é, mães de menores até 12 anos incompletos) ou (iv) mães de pessoas com deficiência.

De acordo com o STF, apesar de essa ser a regra, haveria exceções nas quais a domiciliar não estaria autorizada. Não seria cabível quando (i) a mulher tiver praticado crime mediante violência ou grave ameaça; (ii) 2) a mulher tiver praticado crime contra seus descendentes (filhos e/ou netos); ou (iii) em outras situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.

Posteriormente, o legislador fez inserir o art. 318-A no CPP (através da Lei 13.769/2018), segundo o qual a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que (i) não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (ii) não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.

Pedro, o legislador reproduziu as duas hipóteses já previstas pelo STF no HC Coletivo suprarreferido, mas silenciou em relação a outras possibilidades. Isso significa que estamos diante de um rol exaustivo de limitação da prisão domiciliar nesses casos?

Na verdade, apesar de o legislador ter omitido a previsão das situações excepcionais e devidamente justificadas no caso concreto, tal prerrogativa ainda persiste. Nesse sentido, aliás, anotou o Superior Tribunal de Justiça que o fato de o legislador não ter inserido outras exceções na lei, não significa que o magistrado esteja proibido de negar o benefício quando se deparar com casos excepcionais. É dizer, pois, que deve prevalecer a interpretação teleológica da lei, assim como a proteção aos valores mais vulneráveis. Portanto, naquilo que a lei não regulou, o precedente do STF deve continuar sendo aplicado, já que a interpretação restritiva da norma pode representar, em determinados casos, efetivo risco direto e indireto à criança ou ao deficiente, cuja proteção deve ser integral e prioritária[2].

ATENÇÃO! Em relação à presa reincidente, esse fator não está no rol de vedações e tampouco se revela como uma circunstância que, por si só, autoriza o tratamento excepcional. O simples fato de estarmos diante de ré reincidente NÃO afasta o direito consagrado na jurisprudência e na lei acima indicada. Nesse sentido, recentemente, ao julgar o AgRg no HC 169.406[3], o STF concluiu que a circunstância de a reclusa ostentar a condição de reincidente, por si só, NÃO CONSTITUI ÓBICE AO DEFERIMENTO DA PRISÃO DOMICILIAR.

Presume-se a imprescindibilidade da mãe para com os cuidados de filho na idade e condições apontadas no presente caso, notadamente quando em cena criança com apenas 03 anos de idade. Desconstituir essa presunção, para efeitos processuais penais, passa pelas balizas do artigo 318-A do CPP, que, no caso, não se concretizam.

Espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

[1] I – Existência de relações sociais massificadas e burocratizadas, cujos problemas estão a exigir soluções a partir de remédios processuais coletivos, especialmente para coibir ou prevenir lesões a direitos de grupos vulneráveis. II – Conhecimento do writ coletivo homenageia nossa tradição jurídica de conferir a maior amplitude possível ao remédio heroico, conhecida como doutrina brasileira do habeas corpus. III – Entendimento que se amolda ao disposto no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal – CPP, o qual outorga aos juízes e tribunais competência para expedir, de ofício, ordem de habeas corpus, quando no curso de processo, verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal. IV – Compreensão que se harmoniza também com o previsto no art. 580 do CPP, que faculta a extensão da ordem a todos que se encontram na mesma situação processual. V – Tramitação de mais de 100 milhões de processos no Poder Judiciário, a cargo de pouco mais de 16 mil juízes, a qual exige que o STF prestigie remédios processuais de natureza coletiva para emprestar a máxima eficácia ao mandamento constitucional da razoável duração do processo e ao princípio universal da efetividade da prestação jurisdicional VI – A legitimidade ativa do habeas corpus coletivo, a princípio, deve ser reservada àqueles listados no art. 12 da Lei 13.300/2016, por analogia ao que dispõe a legislação referente ao mandado de injunção coletivo. VII – Comprovação nos autos de existência de situação estrutural em que mulheres grávidas e mães de crianças (entendido o vocábulo aqui em seu sentido legal, como a pessoa de até doze anos de idade incompletos, nos termos do art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) estão, de fato, cumprindo prisão preventiva em situação degradante, privadas de cuidados médicos pré-natais e pós-parto, inexistindo, outrossim berçários e creches para seus filhos. VIII – “CULTURA DO ENCARCERAMENTO” que se evidencia pela exagerada e irrazoável imposição de prisões provisórias a mulheres pobres e vulneráveis, em decorrência de excessos na interpretação e aplicação da lei penal, bem assim da processual penal, mesmo diante da existência de outras soluções, de caráter humanitário, abrigadas no ordenamento jurídico vigente. IX – Quadro fático especialmente inquietante que se revela pela incapacidade de o Estado brasileiro garantir cuidados mínimos relativos à maternidade, até mesmo às mulheres que não estão em situação prisional, como comprova o “caso Alyne Pimentel”, julgado pelo Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas. X – Tanto o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio nº 5 (melhorar a saúde materna) quanto o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 (alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas), ambos da Organização das Nações Unidades, ao tutelarem a saúde reprodutiva das pessoas do gênero feminino, corroboram o pleito formulado na impetração. X – Incidência de amplo regramento internacional relativo a Direitos Humanos, em especial das Regras de Bangkok, segundo as quais deve ser priorizada solução judicial que facilite a utilização de alternativas penais ao encarceramento, principalmente para as hipóteses em que ainda não haja decisão condenatória transitada em julgado. XI – Cuidados com a mulher presa que se direcionam não só a ela, mas igualmente aos seus filhos, os quais sofrem injustamente as consequências da prisão, em flagrante contrariedade ao art. 227 da Constituição, cujo teor determina que se dê prioridade absoluta à concretização dos direitos destes. XII – Quadro descrito nos autos que exige o estrito cumprimento do Estatuto da Primeira Infância, em especial da nova redação por ele conferida ao art. 318, IV e V, do Código de Processo Penal. XIII – Acolhimento do writ que se impõe de modo a superar tanto a arbitrariedade judicial quanto a sistemática exclusão de direitos de grupos hipossuficientes, típica de sistemas jurídicos que não dispõem de soluções coletivas para problemas estruturais. XIV – Ordem concedida para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar – sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP – de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício. XV – Extensão da ordem de ofício a todas as demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições acima (HC 143641, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 20/02/2018).

[2] STJ, 5ª Turma, HC 470.549/TO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 12/02/2019.

[3] 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento, em 20.02.2018, do Habeas Corpus nº 143.641/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, concedeu ordem coletiva para determinar a substituição da custódia preventiva por prisão domiciliar “de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes (…), enquanto durar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício”. 2. A Lei 13.469, de 19.12.2018, incluiu o artigo 318-A no Código de Processo Penal, para efeito de impor a substituição da prisão preventiva pelo regime de confinamento domiciliar “à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência”, desde que não seja caso (i) de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa ou (ii) de infração praticada contra o filho ou dependente. 3. O regime instituído no art. 318-A do CPP nada mais reflete senão a projeção, no plano legal, do princípio constitucional que estabelece a garantia de tutela especial e prioritária à criança, assegurando-lhe, com absoluta primazia, o direito à convivência familiar (CF, art. 227), bem como exprime manifestação de fidelidade do Estado brasileiro a compromissos por ele assumidos na arena internacional. 4. A circunstância de a Agravada ostentar a condição de reincidente, por si só, não constitui óbice ao deferimento da prisão domiciliar. Precedentes. 5. Presume-se a imprescindibilidade da mãe para com os cuidados de filho na idade e condições apontadas no presente caso, notadamente quando em cena criança com apenas 03 anos de idade. Desconstituir essa presunção, para efeitos processuais penais, passa pelas balizas do artigo 318-A do CPP, que, no caso, não se concretizam. Precedentes. 6. Agravo regimental conhecido e não provido. (HC 169406 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 19/04/2021).

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