Habeas Corpus em primeira instância na Justiça Militar! Alterações trazidas pela Lei 3.774/18!

Habeas Corpus e as alterações trazidas pela Lei 13.774/18: Qual o recurso cabível diante da decisão do Juiz Federal da Justiça Militar?

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O Direito Processual Penal Militar, no ano de 2018, sofreu considerável alteração com implicações muito interessantes para o ator do Direito Castrense.

Refere-se à Lei n. 13.774, de 19 de dezembro de 2018, que promoveu alterações na Lei n. 8.457, de 4 de setembro de 1992, que traz a organização e define algumas competências dos órgãos da Justiça Militar da União.

Muito embora não tenha havido expressa alteração no Código Penal Militar (CPM) e no Código de Processo Penal Militar (CPPM), é evidente que, no caso deste, a leitura deve ser feita de maneira conjunta, com as necessárias adaptações. Exemplificando, para o âmbito da Justiça Militar da União, toda vez que o CPPM mencionar a figura do Juiz-auditor (v.g., art. 23), deve-se compreender como Juiz Federal da Justiça Militar, nova designação do cargo. Da mesma maneira, toda vez que o CPPM se reportar a alguma providência, competência etc. do Presidente do Conselho de Justiça (v.g., art. 385), embora pretenda se referir ao Oficial de maior posto ou mais antigo do colegiado, com a alteração promovida está, agora, a se referir ao Juiz Federal da Justiça Militar.

Mas quais foram as principais alterações trazidas pela Lei n. 13.774/18?

Reputa-se que as alterações mais relevantes sejam a reformulação da atividade de correição, agora capitaneada por um Ministro-Corregedor, a alteração de alguns critérios para o sorteio dos Conselhos de Justiça, a mudança da sua presidência, a inauguração do juízo monocrático, no curso da ação penal militar, em tempo de paz, e, ao que interessa a esta discussão, a nova competência de primeira instância para apreciar habeas corpus e habeas data.

Pelo art. 469 do CPPM, compete – o texto não foi alterado pela Lei n. 13.774/18 – apenas ao Superior Tribunal Militar o conhecimento do pedido de habeas corpus. Assim, ainda que a autoridade coatora fosse a autoridade de polícia judiciária militar, na condução de um inquérito policial militar, por exemplo, a impetração deveria se dar perante a maior Corte Castrense.

Adequadamente, a Lei n. 13.774/18 alterou essa situação, dando ao Juiz Federal da Justiça Militar a competência para julgar os habeas corpushabeas data e mandados de segurança contra ato de autoridade militar praticado em razão da ocorrência de crime militar, exceto o praticado por oficial-general (inciso I-C do art. 30 da LOJMU). Compete ainda ao Superior Tribunal Militar processar e julgar originariamente os pedidos de habeas corpus e habeas data contra ato de juiz federal da Justiça Militar, de juiz federal substituto da Justiça Militar, do Conselho de Justiça e de oficial-general (alínea “c” do art. 6º da LOJMU).

Exemplificativamente, caberá a impetração de habeas corpus perante o juiz federal da Justiça Militar no caso da discutível prisão do art. 18 do Código de Processo Penal Militar, em que o encarregado de um inquérito policial militar pode, sem ordem judicial e independentemente de flagrante delito, deter o indiciado por 30 dias, desde que, na nova leitura constitucional, trate-se de crime propriamente militar (art. 5º, LXI, CF).

Essa nova realidade traz uma questão prática a ser enfrentada, especificamente sobre a indagação de qual seria o recurso cabível diante de decisão denegatória de habeas corpus em primeira instância. Denegatória, aqui, utilizada em sentido amplo, abarcando o não conhecimento e também a improcedência do pedido.

No caso das decisões do Superior Tribunal Militar, como já ocorria, será cabível, perante o Supremo Tribunal Federal, o recurso ordinário constitucional, nos termos do inciso II do art. 102 da Constituição Federal.

Mas e no caso da decisão de primeira instância, qual o recurso cabível?

Na justiça comum, com a aplicação do Código de Processo Penal comum, a questão é expressamente resolvida pelo inciso X do art. 581, cabendo recurso em sentido estrito diante da decisão que conceder ou negar a ordem de habeas corpus, hipótese pro et contra, como se percebe.

Para a Justiça Militar, no entanto, o art. 516 do CPPM não prestigia essa hipótese para o recurso em sentido estrito, justamente porque na lógica do Código o habeas corpus sempre teria curso no Superior Tribunal Militar.

Em se tratando de Justiça Militar Estadual (ou do Distrito Federal), a título de comparação, pode-se, perfeitamente, aplicar o inciso X do art. 581 do CPP, por analogia, ou, ainda, por aplicação direta do Código de Processo Penal comum no que concerne aos recursos, pois não se pode esquecer que, nos termos do art. 6º do próprio CPPM, “Obedecerão às normas processuais previstas neste Código, no que forem aplicáveis, salvo quanto à organização de Justiça, aos recursos e à execução de sentença, os processos da Justiça Militar Estadual, nos crimes previstos na Lei Penal Militar a que responderem os oficiais e praças das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares”.

Já na Justiça Militar da União, resgate-se, não se enxerga problemas na aplicação do Código de Processo Penal comum por analogia, diante da evidente omissão, mas essa compreensão fere a lógica recursal da lei processual penal militar, já muito complexa para que se busque outros recursos por analogia.

Uma saída que se entende viável e adequada ao sistema recursal do CPPM, é admitir a possibilidade de apelação, nos termos da alínea “b” do art. 526 do CPPM, também em uma acepção pro et contra.

A propósito dessa alínea, deve-se ter em conta que a decisão atacável não precisa discutir o mérito – pode ou não discutir o mérito –, bastando ser definitiva ou possuir essa força. Não se restringe, também, a uma sentença em sentido estrito, alcançando as decisões definitivas em sentido amplo. Nesse aspecto, tomem-se lições de Renato Brasileiro, em relação a dispositivo correlato no Código de Processo Penal (comum):

As decisões definitivas a que faz menção o art. 593, II, do CPP, são as chamadas decisões definitivas lato sensu: encerram a relação processual, julgam o mérito, mas não se encaixam na moldura das sentenças absolutórias ou condenatórias de que tratam os arts. 386 e 387 do CPP. Caso não haja previsão legal de RESE contra tais decisões, a apelação será o recurso adequado. A título de exemplo, a decisão que declara extinta a punibilidade é decisão de mérito; no entanto, para essa hipótese, há previsão legal de RESE contra tais decisões (CPP, art. 581, VIII). Se o juiz reconhece a ausência de condição objetiva de punibilidade, tal decisão é definitiva. Como não há previsão legal de RESE contra ela, a apelação será a impugnação correta. Outros exemplos podem ser lembrados: decisão que julga o pedido de restituição, nos termos do art. 120, § 1º, do CPP; decisão que ordena ou não o sequestro, nos termos do art. 127 do CPP; decisão que autoriza (ou não) o levantamento do sequestro (CPP, art. 131); decisão que acolhe (ou não) o pedido de especialização e registro de hipoteca legal ou de arresto (CPP, arts. 134 a 137) etc.

As decisões com força de definitivas, também denominadas decisões interlocutórias mistas, são aquelas que não decidem o mérito, mas põem fim à relação processual (terminativas) ou põem termo a uma etapa do procedimento (não terminativas). A título de exemplo de decisão interlocutória mista terminativa, podemos citar a decisão que acolhe a exceção de coisa julgada, a exceção de litispendência, a que rejeita a denúncia ou queixa etc. Desde que não haja previsão legal de RESE contra tais decisões, será cabível a apelação. Como exemplo de decisões interlocutórias mistas não terminativas, podemos citar a pronúncia, para a qual, todavia, há previsão de RESE (CPP, 581, IV). Caso não haja previsão legal de RESE – por exemplo, no caso da decisão que remete as partes ao juízo civil no pedido de restituição de coisas apreendidas –, a impugnação adequada será a apelação (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 2. ed. Salvador: Jus Podivm, 2014, p. 1638-9).

Ora, dada a natureza jurídica do habeas corpus, uma ação constitucional autônoma de impugnação, evidentemente que a decisão do juiz federal da Justiça Militar terá o condão de ser definitiva na relação processual instalada, adaptando-se perfeitamente à moldura.

A interpretação para a apelação subsidiária deve ser ampla no sentido de não haver óbices à vontade recursal, ou seja, não havendo amparo por recurso em sentido estrito – e nem por recurso Inominado, no caso do Processo Penal Militar –, a Apelação da alínea b do art. 526 do CPPM é recurso cabível.

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