O Código de Processo Penal Militar, Decreto-lei n. 1.002, de 21 de outubro de 1969, está organizado em cinco Livros, com a distribuição dos assuntos por ele tratados. Cada Livro é desmembrado em Capítulos e estes em Seções, tudo com a intenção de fomentar a melhor compreensão dos temas tratados.
O Livro II, que nos interessa neste raciocínio, traz a disciplina do processo em espécie e, no Título disciplina o “Processo Ordinário” – melhor seria “Procedimento Ordinário” – onde delimita o rito para o processo e julgamento dos crimes militares, com exceção dos crimes de deserção e de insubmissão, aos quais se reserva um rito especial ou, como diz o Diploma em comento, “Processos Especiais”.
Na primeira Seção do Capítulo Único do “Processo Ordinário” o CPPM trata da prioridade da instrução, da polícia e ordem das sessões e de algumas disposições gerais e é aqui que causa espécie uma previsão sobre a juntada da ficha individual datiloscópica do réu no processo penal militar, particularmente no art. 391, em seu parágrafo único.
Por imposição do mencionado artigo, juntar-se-á aos autos do processo o extrato da fé de ofício ou dos assentamentos do acusado militar. Se o acusado for civil, será juntada a folha de antecedentes penais e, além desta, a de assentamentos, se servidor de repartição ou estabelecimento militar.
Em outros termos, forte na premissa de que a aplicação da pena passa pela avaliação de circunstâncias próprias do réu que devem averiguar seu comportamento, por exemplo, pela aferição de seus antecedentes, conforme comanda o art. 69 do Código Penal Militar, deve-se juntar aos autos do processo peças como os assentamentos individuais do militar processado, onde esteja evidente sua vida profissional, com as punições, os elogios, o desempenho em cursos etc.
Mas o parágrafo único do art. 391 do CPPM determina que, sempre que possível, também será juntada a individual datiloscópica do acusado, ou seja, uma ficha – na época de edição do CPPM, não se imaginava outra forma – com a impressão digital do réu, para que, obviamente, não haja dúvidas sobre sua identidade.
Na atual ordem jurídica, todavia, há que se compor essa previsão com o disposto na Lei n. Lei n. 12.037, de 1º de outubro de 2009, que disciplina a identificação criminal, disciplinando o inciso LVIII do art. 5º da Constituição Federal, verbis: “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”.
Como compor o parágrafo único do art. 391 do CPPM com a vedação constitucional?
Primeiro que o dispositivo determina que a providência será adotada “sempre que possível” o que abre passagem para sua não observância por vários motivos. Mas, principalmente, a composição passa, necessariamente pelo que dispõe a Lei n. 12.037/2009, especialmente em seus arts. 2º e 3º.
Ecoando o dispositivo constitucional, a Lei parte da premissa de que o identificado civilmente não passará pelo procedimento de identificação criminal, com a colheita das impressões digitais, e, nesse sentido, disciplina em seu art. 2º que a identificação civil de qualquer pessoa se dará pela carteira de identidade, carteira de trabalho, carteira profissional, passaporte, carteira de identificação funcional ou outro documento público que permita a identificação do indiciado.
Por essa previsão, portanto, em havendo alguém preso em flagrante que porte um desses documentos, será afastada a identificação criminal, regra que, claro, deve ser observada também no processo penal militar, de maneira que o preso em flagrante por crime militar – ou indiciado em inquérito policial militar –, seja civil (na esfera da persecução penal militar em âmbito da Justiça Militar da União) ou militar, não será identificado criminalmente ao portar o documento que o identifique civilmente.
Nestes casos, por óbvio, o parágrafo único do art. 391 do CPPM não será aplicado ou, se o for, a “individual datiloscópica” juntada aos autos será aquela precedente ao fato criminoso, produzida no momento pretérito em que a pessoa foi confeccionar o documento de identificação civil. Frise-se que, neste caso de identificação civil, não se pode, por vedação constitucional e legal, proceder a uma identificação criminal apenas para satisfazer o preceito do Código de Processo Penal Militar.
Entretanto, há na Lei de 2009 exceções em que a identificação criminal poderá ser procedida, mesmo com a apresentação de documento de identidade, conforme dispõe seu art. 3º. Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando:
I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;
II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado;
III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si;
IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;
V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;
VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.
Nestas situações, obviamente, em se procedendo a identificação criminal, seu resultado seguirá acompanhando os registros da persecução e, ao final, compondo os autos do processo, satisfazendo o disposto no parágrafo único do art. 391 do CPPM. Exemplificativamente, na prisão em flagrante por crime militar de um civil – repita-se, na persecução penal no âmbito da Justiça Militar da União – que não porte documento de identificação civil ou, se o portar, esteja em uma das condições enumeradas no art. 3º da Lei n. 12.037/2009, supra, deverá ser procedida a identificação criminal e a “individual datiloscópica” ou outro meio mais atual de identificação – mormente diante dos avanços da biometria –, deverá seguir no processo, para que se tenha certeza da identidade do réu.
Como se percebe, ao final e ao cabo, houve uma grande relativização do disposto no parágrafo único do art. 391 do CPPM, que, editado em 1969, merece ser adaptado á nova realidade constitucional, legal e tecnológica.
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