Importação de pequena quantidade de semente de maconha na visão dos Tribunais Superiores.

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06 de abril3 min. de leitura

Olá pessoal, tudo certo?

Vamos tratar hoje de um tema polêmico, mas que vem recebendo entendimento mais uniforme atualmente nos Tribunais Superiores. Refiro-me aqui à importação de pequena quantidade de frutos aquênios ou, como normalmente são conhecidos, de sementes de maconha. Será que essa conduta é típica?

A primeira questão a ser respondida é se a semente de maconha é considerada DROGA. É que a Lei 11.343/2006 não define o que são drogas, mas remete a uma norma complementar essa indicação. Trata-se, pois, de uma clássica norma penal em branco.

Atualmente, ela é complementada pela Portaria 344/98 da Anvisa. Não basta, pois, que uma substância ou produto seja capaz de causar dependência para se inserir no contexto criminal de drogas, sendo imprescindível que esteja no rol definido pelo Poder Executivo, periodicamente atualizado.

Ao contrário do que muita gente pensa, a referida Portaria não traz a maconha propriamente como substância considerada droga, mas sim o tetrahidrocanabinol (THC), que é a substância psicoativa presente da maconha (cannabis sativa). Ocorre que a semente de maconha NÃO possui em sua estrutura o THC. Ou seja, ao contrário da planta da maconha – que ostenta THC – a semente dela não pode ser considerada droga, de acordo com os critérios legais.

Como não se enquadra no conceito de droga, importar a semente de maconha não pode ser considerado tráfico de drogas. Mas será que poderia ser matéria-prima ou insumo voltado para a preparação de drogas?

A resposta é negativa, visto que não se prepara ou produz droga com a semente de maconha. Como bem assinalou o Ministro Gilmar Mendes, “na doutrina, afirma-se que a matéria-prima, conforme Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi, é a substância de que podem ser extraídos ou produzidos os entorpecentes que causem dependência física ou psíquica (GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. Lei de drogas anotada.3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 99). Ou seja, a matéria-prima ou insumo devem ter condições e qualidades químicas para, mediante transformação ou adição, por exemplo, produzirem a droga ilícita, o que não é o caso das sementes da planta Cannabis sativa, que não possuem a substância psicoativa (THC)”[1].

Tecnicamente, parece-me que – do ponto de vista formal – a conduta se adéqua ao crime de contrabando, tipificando no art. 334-A do CPB, uma vez que é possível considerar os frutos aquênios como mercadoria proibida. É que a importação de sementes sem inscrição no Registro Nacional de Cultivares é considerada vedada pelo ordenamento pátrio, justamente o caso das sementes de maconha (art. 34 da Lei 10.711/2003[2]).

Nesse contexto, a importação de pequena quantidade de sementes de maconha é considerada criminosa?

Na visão da maior parte dos julgados do STF[3], não! E nesse sentido também – não sem antes alguma controvérsia – se solidificou a posição do STJ, tendo a 3ª Seção da Corte assim consagrado:

 

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO DE 16 SEMENTES DE MACONHA (CANNABIS SATIVUM). DENÚNCIA POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. REJEIÇÃO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RECLASSIFICAÇÃO PARA CONTRABANDO, COM APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AFASTAMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. PRETENDIDO TRANCAMENTO DA AÇÃO POR ATIPICIDADE. ACATAMENTO DO ENTENDIMENTO DO STF. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS. 1. O conceito de “droga”, para fins penais, é aquele estabelecido no art. 1.º, parágrafo único, c.c. o art. 66, ambos da Lei n.º 11.343/2006, norma penal em branco complementada pela Portaria SVS/MS n.º 344, de 12 de maio de 1998. Compulsando a lista do referido ato administrativo, do que se pode denominar “droga”, vê-se que dela não consta referência a sementes da planta Cannabis Sativum. 2. O Tetrahidrocanabinol – THC é a substância psicoativa encontrada na planta Cannabis Sativum, mas ausente na semente, razão pela qual esta não pode ser considerada “droga”, para fins penais, o que afasta a subsunção do caso a qualquer uma das hipóteses do art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006. 3. Dos incisos I e II do § 1.º do art. 33 da mesma Lei, infere-se que “matéria-prima” ou “insumo” é a substância utilizada “para a preparação de drogas”. A semente não se presta a tal finalidade, porque não possui o princípio ativo (THC), tampouco serve de reagente para a produção de droga. 4. No mais, a Lei de regência prevê como conduta delituosa o semeio, o cultivo ou a colheita da planta proibida (art. 33, § 1.º, inciso II; e art. 28, § 1.º). Embora a semente seja um pressuposto necessário para a primeira ação, e a planta para as demais, a importação (ou qualquer dos demais núcleos verbais) da semente não está descrita como conduta típica na Lei de Drogas.

 

5. A CONDUTA DE IMPORTAR PEQUENA QUANTIDADE DE SEMENTES DE MACONHA É ATÍPICA, CONSOANTE PRECEDENTES DO STF: HC 144161, REL. MINISTRO GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-268 DIVULG 13-12-2018 PUBLIC 14-12-2018; HC 142987, Relator Min. GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-256 DIVULG 29-11-2018 PUBLIC 30-11-2018; no mesmo sentido, a decisão monocrática nos autos do HC 143.798/SP, Relator Min. ROBERTO BARROSO, publicada no DJe de 03/02/2020, concedendo a ordem “para determinar o trancamento da ação penal, em razão da ausência de justa causa”.

 

6. Embargos de divergência acolhidos, para determinar o trancamento da ação penal em tela, em razão da atipicidade da conduta (EREsp 1624564/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/10/2020).

Ou seja, atualmente, o entendimento das Cortes Superiores brasileiras milita no sentido de que a importação de sementes de maconha se amolda ao crime de contrabando, ao passo que se o objeto da conduta for uma pequena quantidade, deve-se incidir o postulado da insignificância, afastando-se por consequência a tipicidade material.

Tema riquíssimo e, com toda certeza, aparecerá em provas vindouras!

 

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 

[1] http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752291888

[2] Art. 34. Somente poderão ser importadas sementes ou mudas de cultivares inscritas no Registro Nacional de Cultivares.

[3] Habeas corpus. 2. Importação de sementes de maconha. 3. Sementes não possuem a substância psicoativa (THC). 4. 26 (vinte e seis) sementes: reduzida quantidade de substâncias apreendidas. 5. Ausência de justa causa para autorizar a persecução penal . 6. Denúncia rejeitada. 7. Ordem concedida para determinar a manutenção da decisão do Juízo de primeiro grau. (HC 144161, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/09/2018).

 

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