Importantíssima decisão do STJ acerca da (in)existência de corrupção passiva envolvendo médicos.

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30 de setembro2 min. de leitura

Olá pessoal, tudo certo?

Hoje falaremos sobre uma importantíssima decisão exarada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, exarada à unanimidade no dia 14 de setembro de 2021, quando do julgamento da ordem de habeas corpus 541.447/SP.

Segundo a conclusão do órgão colegiado, para tipificação do art. 317 do Código Penal – corrupção passiva -, deve ser demonstrada a solicitação ou recebimento de vantagem indevida pelo agente público, não configurada quando há mero ressarcimento ou reembolso de despesa.

De acordo com a inicial acusatória, o acusado é um médico com atuação em hospital conveniado ao SUS, foi acusado de ter recebido indevidamente a quantia de R$ 2.500,00 de paciente submetido a colecistectomia, cirurgia já custeada pelo sistema público de saúde. Por consequência, teria infringido os deveres para com a administração pública e incorrido no crime de corrupção passiva (art. 317, § 1º, CP[1]).

Ao analisarmos comentários da doutrina pátria acerca do crime de corrupção passiva, verifica-se abalizada posição no sentido de que a
vantagem indevida é elementar normativa do tipo penal, sendo definida como aquilo que é injusto, ilegal, contra lege, não amparado pelo ordenamento jurídico. Anota ainda Cézar Roberto Bitencourt que “a indiferença sobre a licitude ou ilicitude do ato objeto da conduta ativa ou omissiva do funcionário venal (…) reside na gravidade do tráfico do comércio da função, que acarreta o descrédito e a degradação da administração pública perante a coletividade”[2].

Como muito bem registrado no voto condutor do Ministro Relator, João Otávio de Noronha, sabe-se que a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (Lei n. 8.080/1990) e a Portaria n. 113/1997 do Ministério da Saúde vedam a cobrança de valores do paciente ou familiares a título de complementação, dado o caráter universal e gratuito do sistema público de saúde, entendimento reforçado pelo STF no julgamento do RE n. 581.488/RS, com repercussão geral, em que se afastou  a possibilidade de “diferença de classe” em internações hospitalares pelo SUS (relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, DJe de 8/4/2016).

Ou seja, sob o aspecto administrativo, acaso eventualmente comprovada a exigência de complementação de honorários médicos ou a dupla cobrança por ato médico realizado, estaria configurada afronta à legislação citada, bem como ao Código de Ética Médica, arts. 65 e 66, segundo os quais:

Art. 65. Cobrar honorários de paciente assistido em instituição que se destina à prestação de
serviços públicos, ou receber remuneração de paciente como complemento de salário ou de
honorários.
Art. 66. Praticar dupla cobrança por ato médico realizada.

Entretanto, para fins de verificação do crime de corrupção passiva no mundo concreto, demanda-se a comprovação inabalável de recebimento de vantagem indevida pelo médico, não configurada quando há mero ressarcimento ou reembolso de despesas, conquanto desatendidas as normas administrativas.

Na obra retromencionada, o professor Bitencourt anota, em sentido semelhante, que “ressarcir despesas realizadas jamais representará vantagem, e sem a presença dessa elementar normativa não se pode falar em corrupção, ativa ou passiva; reembolso além de não configurar vantagem, é devido, mesmo que o procedimento adotado possa, eventualmente, ser equivocado, podendo, no máximo, caracterizar simples irregularidade administrativa, sem qualquer conotação penal“.

Destarte, considerando que o uso da aparelhagem de videolaparoscopia importa custos de manutenção e reposição de peças, não se revela razoável que se obrigue o médico a suportar tais gastos, especialmente quando houver aquiescência da vítima à adoção da técnica cirúrgica por lhe ser notoriamente mais benéfica em relação à cirurgia tradicional ou “aberta”. Assim, o reembolso dos gastos pelo uso do equipamento não representa o recebimento de vantagem pelo acusado, não demonstrada a elementar normativa do art. 317 do Código Penal.

Ótimo tema para provas objetivas e, especialmente, questões discursivas ou prático-processuais.

 

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 

 

 

[1] Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º – A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

[2] Tratado de Direito Penal: Parte Especial: crimes contra a administração pública e crimes praticados por prefeitos – arts. 312 a 359-H e Lei n. 10.028/2000 [e-book]. v. 5. 15ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 58

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