(IM)Prescritibilidade do delito de Injúria Racial: Afinal, como se posicionar em provas de concurso público?

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Olá pessoal, tudo certo?

Hoje trataremos de um tema extremamente importante e – por óbvio – polêmico nas esferas doutrinária e jurisprudencial. Afinal, o crime de injúria racial é ou não imprescritível? Antes de dar a resposta, é preciso fazer algumas considerações. Vamos a elas.

A chamada injúria racial (particularmente, prefiro a utilizo a alcunha de injúria com conteúdo discriminatório) está prevista no art. 140, parágrafo 3º do Código Penal Brasileiro[1], materializado quando o comportamento injurioso consistir “na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência“, tutelando a honra SUBJETIVA (autoestima). Diferente do crime de Racismo (Lei 7716/89), cujo bem jurídico tutelado é a igualdade (“crime de discriminação ou preconceito”).

Vale organizarmos as diferenças básicas trazidas de maneira uniforme pela doutrina entre o crime de racismo, previsto na lei específica acima indicada, e o de injúria racial:

 


[1] Art. 140, § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) Pena – reclusão de um a três anos e multa.  

 

Ademais, sabemos que a CF/88 prevê que o RACISMO é crime inafiançável e IMPRESCRITÍVEL[1], o que, de acordo com a maior parte da doutrina, não inclui no seu espectro o crime de injúria racial, certo? Só que aqui a coisa começa a complicar…

É que de acordo com o STJ, em julgados pontuais (AgRg no AREsp 686.965/DF[2]), seria possível adotar a tese do Guilherme de Souza Nucci no sentido de que a injúria racial seria mais um delito no cenário do racismo, devendo ser considerada (i) imprescritível e (ii) inafiançável.

Anteriormente entendida como isolada, essa posição ganhou musculatura especialmente dentro da Corte Superior. Tanto que, em 2018, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça endossou o entendimento de que o tipo de injúria racial seria “mais um delito no cenário do racismo” e, portanto, imprescritível e inafiançável, afinal o constituinte originário estabeleceu um mandado de criminalização precipuamente dirigido ao legislador ordinário para tutela de bens jurídicos pelo Direito Penal – para o racismo.

Ao fazê-lo, demanda o constituinte derivado (e também do legislador ordinário) que assegurem máxima efetividade à proteção do bem jurídico tutelado nos crimes de racismo[4].

 


[2] Art. 5º, XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

[3] PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INJÚRIA RACIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE CERTIDÃO EMITIDA POR SERVENTUÁRIO DA JUSTIÇA ABRINDO PRAZO PARA A RESPOSTA AO REFERIDO RECURSO. TEMPESTIVIDADE DO AGRAVO AFERIDA EM CONFORMIDADE COM A SÚMULA N.448 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF. DECISÃO EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DE ARTIGOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INVIABILIDADE EM RECURSO ESPECIAL. IMPRESCRITIBILIDADE DO DELITO DE INJÚRIA RACIAL. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA, IN CASU. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não há que se falar em cerceamento de defesa, porquanto consta dos autos documento assinado por serventuário da justiça certificando que, em 22.1.2015, as partes foram intimadas para responderem, no prazo de 5 (cinco) dias, o recurso de agravo em recurso especial. 2. O agravo é tempestivo, pois consoante a Súmula n.448 do Supremo Tribunal Federal: “O prazo para o assistente recorrer, supletivamente, começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do Ministério Público.” In casu, sequer consta nos autos a informação de que o Ministério Público tenha sido intimado pessoalmente da decisão que inadmitiu o recurso especial. 3. O recurso da parte adversa traz tópico específico acerca da prescrição, não havendo que se falar em decisão extra petita, no ponto. 4. Não cabe, na via do recurso especial, a análise de suposta violação de artigos da Constituição Federal. De acordo com o magistério de Guilherme de Souza Nucci, com o advento da Lei n.9.459/97, introduzindo a denominada injúria racial, criou-se mais um delito no cenário do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão. 5. A injúria racial é crime instantâneo, que se consuma no momento em que a vítima toma conhecimento do teor da ofensa. No presente caso a matéria ofensivo foi postada e permaneceu disponível na internet por largo tempo, não sendo possível descartar a veracidade do que alegou a vítima, vale dizer, que dela se inteirou tempos após a postagem (elidindo-se a decadência). O ônus de provar o contrário é do ofensor.6. A dúvida sobre o termo inicial da contagem do prazo decadencial, na hipótese, deve ser resolvida em favor do processo. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no AREsp 686.965/DF, Rel. Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 31/08/2015).

[4] AgRg no AREsp 734.236/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 27/02/2018.

Em minha ótica, apesar dos pontos relevantes que estão sendo considerados pelo STJ, o maior óbice a essa posição ampliativa é que ela se revela potencialmente como uma verdadeira analogia in malam partem, que é vedada na seara criminal brasileira. Basta lembrar, inclusive, que a injúria qualificada é crime de ação pública condicionada à representação e, se essa não for feita no prazo de 06 meses, teríamos decadência.

De toda sorte, o tema vem sendo enfrentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ordem de habeas corpus 154.248, na expectativa de se colocar um ponto final na controvérsia. Entretanto, o fato é que, até o presente momento, o julgamento não fora concluído. Houve pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes, no dia 02 de dezembro de 2020, não existindo prazo previsto para a retomada do julgamento.

Na mencionada Corte, foram colhidos até o momento dois votos. Vejamos:

(i) Edson Fachin[1] – relator: injúria racial se equipara ao racismo e, por isso, é imprescritível;

(ii) Nunes Marques[2]: crime de injúria racial não se equipara juridicamente ao racismo.

É preciso monitorar o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Até lá, grassará a incerteza. Entretanto, podemos afirmar que, atualmente, a compreensão majoritária no STJ se inclina pela ampliação do alcance do conceito de racismo, conferindo tratamento mais severo aos crimes de injúria racial.

Tema denso e de extrema importância para a prática e, claro, para a sua prova!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 

 

 


[5] De acordo com o Ministro, “há racismo no Brasil”, e ele “é uma chaga infame que marca a interface entre o ontem e o amanhã”. O relator retomou dados do IBGE e do IPEA que demonstram a crítica situação dos negros no Brasil e, portanto, “se reconhece de modo inequívoco como algo a ser superado. Homens e Mulheres não são negros apenas pela cor da pele, mas pela atribuição de sentidos que apagam as riquezas de suas ancestralidades e os qualificam a partir de valores negativos e desumanizantes”.

[6] Para o ministro Nunes Marques, a injúria racial atinge a honra subjetiva, já o racismo é atinge a dignidade da pessoa humana que deve ser protegida independentemente de cor, raça, religião etc. O crime de injúria racial não se equipara juridicamente ao racismo. “A gravidade do delito não pode servir para que o poder Judiciário amplie as hipóteses de imprescritibilidade pelo legislador e nem altere o prazo previsto na lei penal”.

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