Jurisprudência Comentada: A conduta de desacatar funcionário público continua sendo crime no Brasil?

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desacatar funcionário públicoPor: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
Devido a um assunto que gerou grande repercussão no cenário Jurídico ultimamente, a  Série Jurisprudência Comentada terá uma edição extra nesta semana que abordará a complexa discussão que se deu sobre a conduta de desacatar funcionário público no Brasil.
No final do ano passado houve grande discussão sobre se essa prática seria ou não uma conduta criminosa, pois a 5ª  Turma do STJ havia descriminalizado a conduta tipificada como crime de desacato, por entender que a tipificação é incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Porém o Colegiado do Tribunal modificou o entendimento da Turma e reestabeleceu a conduta como criminosa.
Confira abaixo o artigo do professor e especialista em Direito Penal, José Carlos, que esclarece a decisão proferida no dia 24 de maio de 2017:
 

A conduta de desacatar funcionário público continua sendo crime no Brasil? 

Primeiramente, cabe destacar que o crime de desacato encontra-se atualmente tipificado no artigo art. 331 do CP.
O referido dispositivo prevê que: “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Pena: Detenção, de 6 meses a 2 anos, ou multa.”
O elemento objetivo do tipo é “desacatar”, que significa humilhar, desrespeitar, ofender funcionário público. Por óbvio, a ofensa deve ser feita, então, em razão da função.
O tipo penal admite qualquer meio de execução, ou seja, poderão ser palavras, gestos, ameaças, vias de fato, ou qualquer outro meio que evidencie a intenção de desrespeitar o funcionário público.
Assim, para a caracterização do crime, independe se o funcionário público se julga ofendido ou não. Se a conduta é objetivamente ofensiva, há o crime.
A celeuma a respeito da conduta ser ou não criminosa começou em 15 de dezembro de 2016, uma vez que a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Resp n. 1.640.084/SP, descriminalizou a conduta tipificada como crime de desacato, por entender que a tipificação é incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
No caso submetido a julgamento, um homem havia sido condenado a cinco anos e cinco meses de reclusão por roubar uma garrafa de bebida avaliada em R$ 9,00, por desacatar os policiais que o prenderam e por resistir à prisão. Os ministros afastaram a condenação por desacato.
No julgamento no STJ, o ministro-relator do recurso, Ribeiro Dantas, ratificou os argumentos apresentados pelo Ministério Público Federal (MPF) de que os funcionários públicos estão mais sujeitos ao escrutínio da sociedade, e que as “leis de desacato” existentes em países como o Brasil atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação.
A decisão, unânime na Quinta Turma, ressaltou que o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil têm natureza supralegal.
Para a turma, a condenação por desacato, baseada em lei federal, seria incompatível com o tratado do qual o Brasil é signatário.
Ao apresentar seu voto, o ministro-relator Ribeiro Dantas destacou que a decisão não invade o controle de constitucionalidade reservado ao STF, já que se trata de adequação de norma legal brasileira a um tratado internacional, o que pode ser feito na análise de um recurso especial, a exemplo do que ocorreu no julgamento da Quinta Turma.
Fundamentou o ministro que:
“O controle de convencionalidade não se confunde com o controle de constitucionalidade, uma vez que a posição supralegal do tratado de direitos humanos é bastante para superar a lei ou ato normativo interno que lhe for contrária, abrindo ensejo a recurso especial, como, aliás, já fez esta Corte Superior ao entender pela inconvencionalidade da prisão civil do depositário infiel”.
Assim, o ministro-relator mencionou que, no controle de convencionalidade, a finalidade é compatibilizar as normas internas com os tratados e convenções de direitos humanos.
O ministro ainda lembrou que o objetivo das leis de desacato seria o de dar uma proteção maior aos agentes públicos frente à crítica, em comparação com os demais, algo contrário aos princípios democráticos e igualitários que regem o país.
Para o ministro Ribeiro Dantas:
“A criminalização do desacato estaria na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo”.
No julgamento de 2016, Ribeiro Dantas apontou que a descriminalização da conduta não significa liberdade para as agressões verbais ilimitadas, já que o agente pode ser responsabilizado de outras formas pela agressão.
A Quinta Turma do STJ estabeleceu que não se poderia condenar alguém, em âmbito de ação penal, por desacato no Brasil.
Todavia, em 24 de maio de 2017, por maioria, os ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sentido contrário ao exposto acima, decidiram que desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela continua sendo crime em solo pátrio, conforme previsto no artigo 331 do Código Penal.
O colegiado afetou um habeas corpus para que a seção (que reúne as duas turmas de direito penal do STJ) pacificasse definitivamente a questão.
No julgamento, o ministro Antonio Saldanha Palheiro, autor do voto vencedor, fundamentou que:
“A tipificação do desacato como crime é uma proteção adicional ao agente público contra possíveis ofensas sem limites”.
No julgamento o ministro destacou que a figura penal do desacato não prejudica a liberdade de expressão, pois não impede o cidadão de se manifestar, “desde que o faça com civilidade e educação”.
O magistrado esclareceu que a responsabilização penal por desacato existe para inibir excessos e constitui uma salvaguarda para os agentes públicos, expostos a todo tipo de ofensa no exercício de suas funções.
Com outros fundamentos, Rogério Schietti Cruz acompanhou o voto vencedor e disse que a exclusão do desacato como tipo penal não traria benefício concreto para o julgamento dos casos de ofensas dirigidas a agentes públicos.
Ainda explicou que, com o fim do crime de desacato, as ofensas a agentes públicos passariam a ser tratadas pelos tribunais como injúria, crime para o qual a lei já prevê um acréscimo de pena quando a vítima é servidor público.
O ministro Schietti lembrou que, apesar de a posição da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ser contrária à criminalização do desacato, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão que efetivamente julga os casos envolvendo indivíduos e Estados, já deixou claro em mais de um julgamento que o direito penal pode responder a eventuais excessos na liberdade de expressão.
Acrescentou, por outro lado, que:
“O Poder Judiciário brasileiro deve continuar a repudiar reações arbitrárias eventualmente adotadas por agentes públicos, punindo pelo crime de abuso de autoridade quem, no exercício de sua função, reagir de modo autoritário a críticas e opiniões que não constituam excesso intolerável do direito de livre manifestação do pensamento”.
O relator do caso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que ficou vencido no julgamento, votou pela concessão do habeas corpus para afastar a imputação penal por desacato. O magistrado destacou que o Brasil assinou em 1992 a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José) e que a tipificação do desacato como tipo penal seria contrária ao pacto por afrontar a liberdade de expressão.
Para o ministro, eventuais abusos gestuais ou verbais contra agentes públicos poderiam ser penalmente responsabilizados de outra forma, e a descriminalização do desacato não significaria impunidade.
Ao acompanhar o relator, o ministro Ribeiro Dantas (que foi relator do caso julgado em dezembro pela Quinta Turma) afirmou que não se deve impor uma blindagem aos agentes públicos no trato com os particulares. Ele disse que o Judiciário gasta muito tempo e dinheiro para julgar ações por desacato, muitas vezes decorrentes do abuso do agente público que considera como ofensa a opinião negativa do cidadão.
Por fim, percebe-se que o Superior Tribunal de Justiça, por meio de seu colegiado, modificou o entendimento anterior (decisão da Quinta Turma) e voltou a estabelecer que a conduta de desacato continua sendo criminosa, no moldes do artigo 331 do Código Penal brasileiro.
 


José-CarlosJosé Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.
 
 


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