Lei trabalhista no espaço: marítimos

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26 de Maio de 2021

A Lei do Pavilhão ou da Bandeira, albergada na Convenção de Havana – também conhecida como Código de Bustamante e que foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 18.871/1929 –, dispõe que as relações de trabalho da tripulação de navios regem-se pelas leis do local da matrícula da embarcação: “As obrigações dos oficiais e gente do mar e a ordem interna do navio subordinam-se à lei do pavilhão” (artigo 281 do Código de Bustamante).

Não obstante, em certos casos, a Lei do Pavilhão ou da Bandeira não será aplicada, como nos casos de bandeira de favor e/ou quando houver a aplicação da teoria do centro jurídico de gravidade, mas elas serão explicadas no tópico seguinte. Por enquanto, penas perceba que elas são exceções à regra do Pavilhão ou da Bandeira.

Sobre o tema, importa dizer ainda que foi internalizado ao ordenamento jurídico brasileiro a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Decreto nº 99.165, de 12 de março de 1990) que disciplina, em seus artigos 90 a 92, o direito de navegação, a nacionalidade e o estatuto dos navios.

Segundo a Convenção, no que tange ao direito de navegação, “todos os Estados, quer costeiros, quer sem litoral, têm o direito de fazer navegar no alto mar navios que arvorem a sua bandeira” (art. 90).

Em relação à nacionalidade dos navios, prevê o artigo 91, item 1, que “todo estado deve estabelecer os requisitos necessários para a atribuição da sua nacionalidade a navios, para o registro de navios no seu território e para o direito de arvorar a sua bandeira. Os navios possuem a nacionalidade do Estado cujas bandeira estejam autorizadas a arvorar. Deve existir um vínculo substancial entre o Estado e o navio”. Já o item 2, do mesmo artigo, que “Todo estado deve fornecer aos navios a que tenha concedido o direito de arvorar a sua bandeira os documentos pertinentes”.

Já sobre o estatuto dos navios, o artigo 92, item 1, da Convenção prevê que “os navios devem navegar sob a bandeira de um só Estado e, salvo nos casos excepcionais previstos expressamente em tratados internacionais ou na presente Convenção, devem submeter-se, no alto mar, à jurisdição exclusiva desse Estado. Durante uma viagem ou em porto de escala, um navio não pode mudar de bandeira, a não ser no caso de transferência efetiva da propriedade ou de mudança de registro”.

Ainda sobre o estatuto dos navios, o artigo 92, item 2, afirma que “um navio que navegue sob a bandeira de dois ou mais Estados, utilizando-as segundo as suas conveniências, não pode reivindicar qualquer dessas nacionalidades perante um terceiro Estado e pode ser considerado como um navio sem nacionalidade”.

Por fim, relevante saber que o Brasil ratificou a Convenção da OIT nº 186, sobre o trabalho marítimo, que se aplica a toda gente do mar, assim entendida “qualquer pessoa empregada ou contratada ou que trabalha a bordo de um navio ao qual a Convenção se aplica” (art. 2º, item 1, f e item 2). Mas, até a data de fechamento do presente material, a Convenção ainda não estava em vigor no plano interno, pois ainda não editado o decreto executivo pelo Presidente da República.

Bandeira de Favor ou de Conveniência ou Pavilhão Facilitatório ou de Conveniência

A primeira exceção à Lei do Pavilhão se dá face à hipótese denominada pela doutrina e pela jurisprudência de “bandeira de favor”. Em tais situações, o país onde está matriculado o navio não guarda qualquer relação com o armador, isto é, aquele que é o proprietário e explora a atividade econômica atrelada à embarcação.

Trata-se de artifício levado a efeito pelas empresas para redução de direitos trabalhistas. Também conhecido como “pavilhão de conveniência ou facilitatório”, o fenômeno se caracteriza mais claramente quando a propriedade e controle efetivos do navio se encontram num Estado diferente do Estado da bandeira do navio, geralmente com legislação trabalhista com patamar inferior de direitos. Assim, a regra do Pavilhão ou da Bandeira será afastada caso evidenciada a fraude por meio dos pavilhões facilitários.

O Tribunal Superior do Trabalho nunca enfrentou a questão da bandeira de favor, mas alguns Tribunais Regionais já o fizeram:

TRABALHO EM NAVIO DE BANDEIRA ESTRANGEIRA – LEI DO PAVILHÃO OU DA BANDEIRA – NÃO APLICABILIDADE – A lei do Pavilhão ou da Bandeira (constante da Convenção de Direito Internacional Privado de Havana ratificada através do Decreto n° 18.871/1929 – Código de Bustamante) dispõe que as relações de trabalho da tripulação de navios regem-se pelas leis do local da matrícula da embarcação, todavia, conclui-se que no presente caso tal norma não tem aplicação porque configurada a hipótese denominada pela doutrina e pela jurisprudência de “bandeira de favor”. Em tais situações, o país onde está matriculado o navio não guarda qualquer relação com o ‘armador’, isto é, aquele que explora a atividade econômica atrelada à embarcação. Resta demonstrado nos autos que a relação jurídica se estabeleceu entre a reclamante (brasileira) e a segunda reclamada (empresa sediada no Brasil, que explora roteiros da costa brasileira), não havendo que se cogitar de aplicação da lei da bandeira da embarcação. Recurso ordinário da parte reclamada a que se nega provimento, a esse respeito. (TRT da 9ª Região, Autos nº 18296-2012-008-09-00-9-RO, Relator Archimedes Castro Campos Júnior, publicado em 08/04/2014).

Por fim, importante dizer que o art. 14, §7º, da Lei 13.445/2017 (Lei de Migração), não exige do marítimo que ingressa no Brasil em viagem de longo curso ou em cruzeiros marítimos o visto temporário de trabalho. A mesma regra se aplica aos tripulantes das aeronaves.

Teoria da sede do fato e Centro jurídico da gravidade

Ainda que não se identifique a fraude acima, a jurisprudência tem afastado a Lei do Pavilhão nos casos de aplicação da teoria da sede do fato (Savigny) ou do centro jurídico da gravidade (most significant relationship, do direito norte-americano). Tais teorias apontam o direito material a ser aplicado ao problema subjacente ao fato misto, ou seja, aquele que ocorre em diversos países.

Pela teoria da sede do fato, o direito material a ser aplicado é aquele do local que mais teve relação com o conjunto dos fatos. Assim, deve-se buscar em qual ordem jurídicas o fato provocou maiores efeitos, sendo esse o direito material a ser aplicado.

Por exemplo, se uma empregada é contratada no Brasil e a prestação de serviço se dá não só em águas internacionais, mas também em águas brasileiras, pode-se determinar a aplicação da lei brasileira, pois há uma relação mais próxima com o direito brasileiro, já que a maioria dos fatos aqui ocorreram.

Assim, se um fato gera efeitos em vários países ao mesmo tempo, em diversas ordens jurídicas, está-se diante de um fato misto ou multinacional, e qualquer juiz será competente desde que, no país em que ele se situe, o fato gere efeitos. Ocorre que, apesar de tal fato gerar efeitos em várias ordens jurídicas, Savigny sustenta que ele só tem uma sede jurídica (um único centro de gravidade, “para qual o pêndulo pende”). Isso se dá porque apenas em um país o fato gera mais efeitos, ainda que isso seja difícil de perceber.

Logo, no exemplo dado, se em determinados momentos houve prestação de serviços também em águas nacionais, pode-se aplicar a lei brasileira. O centro de gravidade é onde acontece a maior irradiação de efeitos e o juiz deste local é mais competente que os outros; ele aplicará o seu direito na sede do fato. E, pela lógica do sistema, em qualquer lugar que se ajuizar a ação, o juiz aplicará o direito da sede do fato. Portanto, afasta-se, ainda, a Lei do Pavilhão nos casos da chamada Bandeira de Favor.

Como dito, as relações de trabalho da tripulação de navios regem-se pelas leis do local da matrícula da embarcação (Lei do Pavilhão). Se, entretanto, o registro do navio traduzir fraude, caracterizada pela “bandeira de favor” ou “pavilhão facilitatório”, isto é, viaja sob determinada bandeira, mas a empresa que o explora pertence a nacionalidade diversa, a relação de emprego se estabelece entre o marítimo e este último.

A jurisprudência do TST já acolheu tal teoria em diversas ocasiões. A título exemplificativo, colaciona-se a seguinte ementa:

EMPREGADO CONTRATADO NO BRASIL. LABOR EM NAVIO DE CRUZEIRO INTERNACIONAL. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. 1 – Há transcendência política quando se verifica em exame preliminar o desrespeito à jurisprudência majoritária do TST quanto ao tema decidido no acordão recorrido. 2 – Aconselhável o provimento do agravo de instrumento para melhor exame do recurso de revista quanto à provável divergência jurisprudencial. 3 – Agravo de instrumento a que se dá provimento. II- RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.467/2017. IN Nº 40 DO TST EMPREGADO CONTRATADO NO BRASIL. LABOR EM NAVIO DE CRUZEIRO INTERNACIONAL. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. 1 – A tese vinculante do STF no julgamento do RE 636.331/RJ (Repercussão Geral – Tema 2010) não tratou de Direito do Trabalho, e sim de extravio de bagagem de passageiro: “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”. 2 – A jurisprudência majoritária do TST (sete das oito Turmas), quanto à hipótese de trabalhador brasileiro contratado para desenvolver suas atividades em navios estrangeiros em percursos em águas nacionais e internacionais, é de que nos termos do art. 3º, II, da Lei nº 7.064/82, aos trabalhadores nacionais contratados no País ou transferidos do País para trabalhar no exterior, aplica-se a legislação brasileira de proteção ao trabalho naquilo que não for incompatível com o diploma normativo especial, quando for mais favorável do que a legislação territorial estrangeira. 3 – O Pleno do TST cancelou a Súmula nº 207 porque a tese de que “A relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação” não espelhava a evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial sobre a matéria. E após o cancelamento da Súmula nº 207 do TST, a jurisprudência majoritária se encaminhou para a conclusão de que somente em princípio, à luz do Código de Bustamante, também conhecido como “Lei do Pavilhão” (Convenção de Direito Internacional Privado em vigor no Brasil desde a promulgação do Decreto nº 18.871/29), aplica-se às relações de trabalho desenvolvidas em alto mar a legislação do país de inscrição da embarcação. Isso porque, em decorrência da Teoria do Centro de Gravidade, (most significant relationship), as normas de Direito Internacional Privado deixam de ser aplicadas quando, observadas as circunstâncias do caso, verificar-se que a relação de trabalho apresenta uma ligação substancialmente mais forte com outro ordenamento jurídico. Trata-se da denominada “válvula de escape”, segundo a qual impende ao juiz, para fins de aplicação da legislação brasileira, a análise de elementos tais como o local das etapas do recrutamento e da contratação e a ocorrência ou não de labor também em águas nacionais. 4 – Nos termos do art. 3º da Lei n° 7.064/1982, a antinomia aparente de normas de direito privado voltadas à aplicação do direito trabalhista deve ser resolvida pelo princípio da norma mais favorável, considerando o conjunto de princípios, regras e disposições que dizem respeito a cada matéria (teoria do conglobamento mitigado). 5 – Não se ignora a importância das normas de Direito Internacional oriundas da ONU e da OIT sobre os trabalhadores marítimos (a exemplo da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n° 4.361/2002, e da Convenção n° 186 da OIT sobre Direito Marítimo – MLC, não ratificada pelo Brasil). Contudo, deve-se aplicar a legislação brasileira em observância a Teoria do Centro de Gravidade e ao princípio da norma mais favorável, que norteiam a solução jurídica quanto há concorrência entre normas no Direito Internacional Privado, na área trabalhista. Doutrina. 6 – Cumpre registrar que o próprio texto da Convenção n° 186 da OIT sobre Direito Marítimo – MLC, não ratificada pelo Brasil, esclarece que sua edição levou em conta “o parágrafo 8º do Artigo 19 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, que determina que, de modo algum a adoção de qualquer Convenção ou Recomendação pela Conferência ou a ratificação de qualquer Convenção por qualquer Membro poderá afetar lei, decisão, costume ou acordo que assegure condições mais favoráveis aos trabalhadores do que as condições previstas pela Convenção ou Recomendação”. 7 – Não afronta o princípio da isonomia a aplicação da legislação brasileira mais favorável aos trabalhadores brasileiros e a aplicação de outra legislação aos trabalhadores estrangeiros no mesmo navio. Nesse caso há diferenciação entre trabalhadores baseada em critérios objetivos (regência legislativa distinta), e não discriminação fundada em critérios subjetivos oriundos de condições e/ou características pessoais dos trabalhadores. 8 – Desde a petição inicial a pretensão do reclamante é de aplicação da legislação brasileira mais favorável. Desde a defesa a reclamada sustentou que deveriam ser aplicadas Lei do Pavilhão (Código de Bustamante) e a MLC (Convenção do Trabalho Marítimo) utilizada no País da bandeira da embarcação (Malta) e no País sede da empregadora (Bahamas). 9 – Deve ser provido o recurso de revista do reclamante para determinar a aplicação da legislação brasileira mais favorável e determinar o retorno dos autos para que o TRT prossiga no exame do feito como entender de direito. 10 – Recurso de revista a que se dá provimento” (ARR-11800-08.2016.5.09.0028, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 12/04/2019).

Em sentido contrário caminha a 4ª Turma do C. Tribunal Superior do Trabalho, que aplica a Lei do Pavilhão:

[…] TRABALHO EM NAVIO DE CRUZEIRO SOB BANDEIRA ESTRANGEIRA. PRÉ-CONTRATAÇÃO NO BRASIL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NA COSTA BRASILEIRA E EM ÁGUAS DE OUTROS PAÍSES. GENTE DO MAR. CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. LEI DO PAVILHÃO (CÓDIGO DE BUSTAMANTE). I) A indústria do transporte marítimo internacional, inclusive de cruzeiros turísticos, tem caráter global, seja quanto à nacionalidade dos navios (pavilhão), seja quanto à diversidade de nacionalidades da tripulação, impondo-se que a gente do mar tenha proteção especial e uniforme numa mesma embarcação. A concepção de aplicação da legislação brasileira aos tripulantes brasileiros contratados por navios estrangeiros não se sustenta diante da realidade da atividade econômica desenvolvida pelas empresas estrangeiras de cruzeiros marítimos, pois, se assim fosse, em cada navio haveria tantas legislações de regência quanto o número de nacionalidades dos tripulantes. Num mesmo navio de cruzeiro marítimo, todos os tripulantes devem ter o mesmo tratamento contratual, seja no padrão salarial, seja no conjunto de direitos. Reconhecer ao tripulante brasileiro – contratado para receber em dólar – direitos não previstos no contrato firmado, conduziria à quebra da isonomia e subversão da ordem e da autoridade marítima, uma vez que os próprios oficiais poderiam questionar suas obrigações à luz da legislação de sua nacionalidade, em desrespeito à lei do pavilhão. Daí porque ser imperativo a aplicação, para todos os tripulantes, da lei do pavilhão, como expressamente prescreve o art. 281 da Convenção de Direito Internacional Privado (Código de Bustamante, ratificado pelo Brasil e promulgado pelo Decreto 18.791/1929): ” As obrigações dos oficiais e gente do mar e a ordem interna do navio subordinam-se à lei do pavilhão “. II) As tratativas preliminares para a contratação de trabalhador, iniciadas em território brasileiro por empresa de agenciamento e arregimentação de trabalhadores para prestar serviço a bordo de embarcação estrangeira com trânsito pela costa brasileira e em águas internacionais, não permitem concluir que a contratação se deu em solo brasileiro, pois a efetivação do contrato somente ocorre com a convergência de vontades das partes envolvidas. Agência de recrutamento atua na aproximação das partes contratantes, sem que se torne parte nas relações de trabalho daí decorrentes (Convenção 181 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, Art. 1º, 1, a. III) Inaplicável a Lei nº 7.064/82, cujo pressuposto é a contratação de trabalhadores no Brasil ou transferidos por seus empregadores para prestar serviço no exterior, hipótese não revelada pelas premissas fáticas constantes no Acórdão Regional, de forma que a legislação brasileira não pode ser invocada sob o fundamento de ser mais benéfica ao trabalhador brasileiro que atua no exterior. O art. 3º da referida Lei se aplica na situação de empregado transferido para o exterior, hipótese que não se ajusta ao caso dos autos. A própria Lei nº 7.064/82 prevê a inaplicabilidade da legislação brasileira para o empregado contratado por empresa estrangeira (artigos 12 e seguintes). IV) Assim, a legislação brasileira não é aplicável ao trabalhador brasileiro contratado para trabalhar em navio de cruzeiro, (1) por tratar-se de trabalho marítimo, com prestação de serviços em embarcação com registro em outro país; (2) porque não se cuida de empregado contratado no Brasil e transferido para trabalhar no exterior. O fato de a seleção e atos preparatórios terem ocorrido no Brasil não significa, por si só, que o local da contração ocorreu em solo brasileiro; (3) o princípio da norma mais favorável tem aplicação quando há antinomia normativa pelo concurso de mais de uma norma jurídica validamente aplicável a mesma situação fática, o que não é a hipótese do caso concreto, pois não há concorrência entre regras a serem aplicáveis, mas sim conflito de sistemas. V) Ademais, independentemente do local da contratação ou do país no qual se executam os serviços, é inafastável a regra geral de que a ativação envolvendo tripulante de embarcação é regida pela lei do pavilhão ou da bandeira, e não pela legislação brasileira (Código de Bustamante, ratificado pelo Brasil e promulgado pelo Decreto 18.791/1929). VI) Demonstrado que a prestação de trabalho ocorreu em embarcação estrangeira, independentemente de ter navegado em todo ou em parte em águas brasileiras, não há falar em aplicação da lei brasileira. Assim, não há incidência do princípio do centro de gravidade (most significant relationship), o que levaria a situações limítrofes da prevalência do tempo de navegação em águas nacionais, internacionais ou estrangeiras, com risco de tratamento diferenciado da tripulação, em flagrante violação das normas de direito internacional privado e do art. 178 da Constituição Federal. VII) O Supremo Tribunal Federal firmou tese em repercussão geral (Tema 210) no sentido de prevalência, com arrimo no art. 178 da Constituição Federal, de tratados internacionais sobre a legislação brasileira, especificamente no caso de indenização por danos materiais por extravio de bagagens em voos internacionais, caso em que devem ser aplicadas as convenções de Varsóvia e Montreal em detrimento do Código de Defesa do Consumidor. A tese firmada restou assim editada: “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.” A ratio desta tese de repercussão geral deve ser aplica ao presente caso, pois diz respeito a conflito de legislação nacional com aquelas previstas em acordos internacionais, essencialmente a discussão ora travada. VIII) Recurso de revista provido para afastar a condenação com base na legislação trabalhista nacional e, consequentemente, julgar improcedentes os pedidos formulados na reclamação trabalhista. (RR-1829-57.2016.5.13.0005, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 01/02/2019).

Como ainda há divergência entre as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho, contra a decisão proferida pela 4ª Turma, acima transcrita, foi interposto o recurso de embargos de divergência para SbDI-1 do TST, distribuídos ao Ministro Cláudio Brandão e ainda pendentes de julgamento até a data de fechamento do presente material.

Por fim, vale lembrar que a questão de se saber qual a lei aplicável a determinada relação de emprego (a lei da bandeira, a lei do foro do contrato, a lei da nacionalidade do marítimo) não tem como consequência a fixação da competência de foro para a apreciação do litígio entre empregado e empregador.

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