A atribuição para o exercício da polícia judiciária militar está vinculada ao cargo/função desempenhada pelos integrantes da Instituição Militar em que a apuração ocorre. Assim, por exemplo, se a infração ocorrer no âmbito do Exército, a atribuição recairá sobre oficial – praça (soldado a aspirante-a-oficial) não possui atribuição de polícia judiciária militar – do Exército Brasileiro.
Ademais, é possível mencionar a existência de autoridade de polícia judiciária militar originária e delegada, o que se extrai do disposto no art. 7º e seu § 1º do Código de Processo Penal Militar (CPPM):
Exercício da polícia judiciária militar
Art. 7º A polícia judiciária militar é exercida nos termos do art. 8º, pelas seguintes autoridades, conforme as respectivas jurisdições:
a) pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, em todo o território nacional e fora dele, em relação às forças e órgãos que constituem seus Ministérios, bem como a militares que, neste caráter, desempenhem missão oficial, permanente ou transitória, em país estrangeiro;
b) pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, em relação a entidades que, por disposição legal, estejam sob sua jurisdição;
c) pelos chefes de Estado-Maior e pelo secretário-geral da Marinha, nos órgãos, forças e unidades que lhes são subordinados;
d) pelos comandantes de Exército e pelo comandante-chefe da Esquadra, nos órgãos, forças e unidades compreendidos no âmbito da respectiva ação de comando;
e) pelos comandantes de Região Militar, Distrito Naval ou Zona Aérea, nos órgãos e unidades dos respectivos territórios;
f) pelo secretário do Ministério do Exército e pelo chefe de Gabinete do Ministério da Aeronáutica, nos órgãos e serviços que lhes são subordinados;
g) pelos diretores e chefes de órgãos, repartições, estabelecimentos ou serviços previstos nas leis de organização básica da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;
h) pelos comandantes de forças, unidades ou navios;
Delegação do exercício
1º Obedecidas as normas regulamentares de jurisdição, hierarquia e comando, as atribuições enumeradas neste artigo poderão ser delegadas a oficiais da ativa, para fins especificados e por tempo limitado.
Verifica-se, assim, que se um fato típico previsto como crime militar ocorrer no interior de um quartel, por exemplo, a apuração poderá se dar pelo Comandante da Unidade em que ocorreu o fato (autoridade originária), nos termos da alínea “h” do art. 7º do CPPM, mas também poderá haver uma delegação para um oficial da ativa (autoridade delegada), conforme § 1º do art. 7º do mesmo Código.
Um outro ponto importante é que as autoridades previstas no art. 7º, que remontam a data de entrada em vigor do CPPM – 1º de janeiro de 1970 –, podem ser alteradas no curso do tempo, por lei ou atos administrativos das Forças. Exemplo claro está nos Ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica, não mais existentes, já que pela Lei Complementar n. 97/1999 tem-se a realidade de Comandantes das Forças (art. 5° da Lei), subordinados ao Ministro da Defesa (art. 3º da Lei).
Também há que se fazer adaptação dessas autoridades em âmbito estadual. Assim, ao tratar de Ministro do Exército, hoje Comandante do Exército, naturalmente, em âmbito estadual haverá a compreensão como sendo o Comandante Geral da Polícia Militar. Acerca da matéria Reinaldo Zychan de Moraes (2003, p. 69-70) postula:
As disposições sobre o assunto se iniciam com a preocupação em se definir quais são as autoridades de Polícia Judiciária Militar. Assim, o artigo 7º do CPPM passou a enumerar uma série de autoridades, abrangendo diversos escalões da estrutura das Forças Armadas. Adaptando-se tais disposições para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, temos que as autoridades de polícia judiciária são: os Comandantes Gerais, os Subcomandantes Gerais (ou Chefes do Estado-Maior PM, conforme a designação particular de cada instituição) e os diversos Comandantes de Unidade.
Assim, tais autoridades podem instaurar Inquéritos Policiais Militares (IPM) presidindo diretamente a coleta das provas. Por outro lado, tais autoridades podem delegar a instauração e/ou a instrução do IPM a outros Oficiais da ativa […].
Repita-se, em sequência, que a polícia judiciária militar não pode ser exercida por praças, especiais ou não, mas tão somente por oficiais específicos detentores de atribuição originária ou os demais, por força de delegação. Ademais, tais Oficiais devem integrar o serviço ativo.
Acerca da delegação do exercício da polícia judiciária militar, deve-se ter em foco, ainda, algumas outras regras dispostas nos parágrafos do art. 7º do CPPM:
§ 2º Em se tratando de delegação para instauração de inquérito policial militar, deverá aquela recair em oficial de posto superior ao do indiciado, seja este oficial da ativa, da reserva, remunerada ou não, ou reformado.
§ 3º Não sendo possível a designação de oficial de posto superior ao do indiciado, poderá ser feita a de oficial do mesmo posto, desde que mais antigo.
§ 4º Se o indiciado é oficial da reserva ou reformado, não prevalece, para a delegação, a antiguidade de posto.
Designação de delegado e avocamento de inquérito pelo ministro
§ 5º Se o posto e a antiguidade de oficial da ativa excluírem, de modo absoluto, a existência de outro oficial da ativa nas condições do § 3º, caberá ao ministro competente a designação de oficial da reserva de posto mais elevado para a instauração do inquérito policial militar; e, se este estiver iniciado, avocá-lo, para tomar essa providência.
Em se tratando de delegação para instauração de inquérito policial militar, deverá aquela recair em oficial de posto superior ao do indiciado, seja este oficial da ativa, da reserva, remunerada ou não, ou reformado (art. 7º, § 2º, CPPM). Dessa maneira, se o possível indiciado for um capitão, exige a norma processual penal militar que o responsável pelas investigações seja de posto superior, por exemplo, um major, sobre quem a delegação deve recair.
Mas e se não houver oficial de posto superior, por exemplo, em um inquérito policial militar que apure conduta de um coronel da Polícia Militar, último posto da instituição? A resposta está no art. 7º, § 3º, do CPPM, definindo-se que, não sendo possível a designação de oficial de posto superior ao do indiciado, poderá ser feita a de oficial do mesmo posto, desde que mais antigo. A antiguidade, regra geral, é aferida pelo tempo no posto em análise, ou seja, quem estiver a mais tempo no posto, será o mais antigo. Assim, um coronel promovido a este posto em 2019 poderá ser encarregado de investigar possível crime militar praticado por um coronel promovido em 2020.
Nessa aferição de antiguidade, nos termos da lei processual penal militar, tem-se que se o indiciado é oficial da reserva ou reformado, não prevalece, para a delegação, a antiguidade de posto (art. 7º, § 4º, CPPM). Exemplificativamente, se o fato foi praticado por um coronel da reserva remunerada (ou praticado quando ele estava na ativa e, em seguida, foi alcançado pela reserva remunerada), promovido a coronel em 2016, qualquer coronel da ativa, ainda que promovido em 2020, poderá conduzir as investigações.
Pode ocorrer, no entanto, que o fato seja cometido pelo oficial mais antigo da instituição, de maneira que o seu posto e antiguidade excluam, de modo absoluto, a existência de outro oficial da ativa em condições de conduzir as investigações. Claro, nesta situação, sempre é possível que o próprio comandante da Força ou comandante geral conduza a inquisa, mas pode haver, por exemplo, uma causa de suspeição por ele alegada, de maneira que a atribuição deva recair sobre outro oficial, como dito, inexistente no serviço ativo. Nestes casos, o CPPM (art. 7º, § 5º) dispõe que caberá ao ministro competente a designação de oficial da reserva de posto mais elevado (entenda-se, antiguidade) para a instauração do inquérito policial militar. Caso o inquérito já esteja iniciado, deverá avocá-lo, para tomar essa providência. Trata-se da possibilidade de designação ou de reversão ao serviço ativo.
Aqui começa a resposta à nossa indagação do título.
Para ambientar o leitor, tomemos, inicialmente, um exemplo de Polícia Militar.
Imaginemos que um coronel da ativa pratique um fato típico previsto no Código Penal Militar, sendo ele o mais antigo de toda a Polícia Militar. O Comandante Geral, em adição, por qualquer razão, dá-se por suspeito nos termos do art. 142 do CPPM. Neste caso, no Estado de São Paulo, também em exemplo, o Governador do Estado poderá reverter um militar da reserva remunerada para o serviço ativo, com o fim de presidir inquérito policial militar (art. 26, III, do Decreto-lei n. 260/1970, daquele Estado).
Embora não se utiliza a palavra “reversão”, o mesmo ocorre em âmbito federal.
Neste caso, o mencionado § 5º do art. 7º do CPPM deve ser analisado em consonância com os parágrafos anteriores, ou seja, há a imposição para que o encarregado de inquérito seja oficial da ativa (§ 1º), havendo a possibilidade de um oficial da reserva assumir esta função desde que designado.
O sentido de “designado” na norma processual penal militar não é apenas de incumbido de conduzir um inquérito, mas deve buscar a compreensão técnica, que significa verdadeira volta ao serviço ativo.
O art. 3º da Lei n. 6.880/1980 (Estatuto dos Militares) dispõe que consideram na ativa os “os componentes da reserva das Forças Armadas quando convocados, reincluídos, designados ou mobilizados” (inciso III). Claramente, no âmbito das Forças Armadas militar designado coincide com uma das formas pelas quais o militar da reserva retorna ao serviço ativo.
Complementa essa visão o art. 12 do mesmo Estatuto ao dispor:
Art. 12. A convocação em tempo de paz é regulada pela legislação que trata do serviço militar.
§ 1° Em tempo de paz e independentemente de convocação, os integrantes da reserva poderão ser designados para o serviço ativo, em caráter transitório e mediante aceitação voluntária.,
§2º O disposto no parágrafo anterior será regulamentado pelo Poder Executivo.
Frise-se, designação para o serviço ativo!
Assim, em verdade, também no âmbito do Direito Processual Penal Militar afeto às Forças Armadas, a compreensão do § 5º do art. 7º é a de que o militar da reserva deverá, primeiro, ser designado a retornar ao serviço ativo e, depois, assumir a condução de inquérito policial militar.
Os pormenores da designação estão no Decreto n. 88.455, de 4 de julho de 1983. Comentando o diploma, Péricles Aurélio Lima de Queiroz e Paula Coutinho Bahia de Souza (2019, p. 50) dispõem com muita agudeza:
A designação para o serviço ativo, por sua vez, é regulamentada pelo Decreto 88.455, de 04.07.1983, e traduz a situação do militar da reserva remunerada que, em tempo de paz e independente de convocação, retorna à condição de atividade em caráter transitório, quando for necessário o seu aproveitamento, seja em razão de conhecimentos técnicos e especializados, seja no caso em que não haja no momento outro militar no serviço ativo habilitado a exercer a função vaga existente em Organização Militar.
Idealizando um exemplo nas Forças Armadas, claro, não haverá a situação tipo quando o fato pretensamente delituoso for praticado por oficial que não seja general do último posto. Melhor esclarecendo, o fato praticado por um coronel poderá ser apurado em inquérito conduzido por general-de-brigada; se cometido por um general-de-brigada, poderá ser encarregado do inquérito um general-de-divisão etc.
Frise-se, novamente, que apenas na impossibilidade de haver algum oficial na ativa que atenda ao critério de superioridade/antiguidade é que se lançará mão do § 5º do art. 7º do CPPM. Assim, o fato, para merecer essa aplicação, deverá ser praticado, por exemplo, por um general-de-Exército que seja o mais antigo da Força na ativa. Neste caso é que poderá vingar, sempre sob os olhos do Procurador-Geral de Justiça Militar e sob competência Superior Tribunal Militar, diante da prerrogativa de foro, a disposição em comento.
Como se infere, muito rara a aplicação do § 5º do art. 7° no âmbito da polícia judiciária militar federal, mas isso não impede que o dispositivo tenha aplicação irregular.
Já ocorreu, embora em diminutas situações, a atribuição para a condução de inquérito policial militar de oficial da reserva remunerada, em prestação de tarefa por tempo certo (PTTC), sob o pretexto de que é possível pelo § 5º do art. 7º do CPPM.
Equivocada a construção!
Primeiro, os militares em PTTC não são da ativa, conforme o art. 3º do Estatuto dos Militares:
Art. 3° Os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares.
1° Os militares encontram-se em uma das seguintes situações:
a) na ativa:
[…]
III – os componentes da reserva das Forças Armadas quando convocados, reincluídos, designados ou mobilizados;
[…].
b) na inatividade:
[…].
III – os da reserva remunerada e, excepcionalmente, os reformados, que estejam executando tarefa por tempo certo, segundo regulamentação para cada Força Armada.
Extrai-se do dispositivo que PTTC não faz com que o militar da reserva remunerada retorne ao serviço ativo – diferentemente do militar designado –, portanto, não são oficiais da ativa aptos a receberem delegação para a condução de inquérito, nos termos do § 1º do art. 7º do CPPM.
Segundo, os militares em PTTC também não se enquadram na disposição do § 5º do mesmo art. 7º porque não são “designados” nos termos do que se constrói nas normas relativas à designação, como acima se demonstrou. Caso um oficial em PTTC seja designado, retornará ao serviço ativo e deixará a PTTC. O termo “designado” trazido pelo CPPM deve ser interpretado em sua acepção técnica, como retorno à ativa, e não coloquial, como a imposição de uma atribuição.
Por fim, em terceiro lugar, mesmo que se compreenda que o termo “designado” previsto no § 5º do art. 7º possui interpretação coloquial – atribuição de uma tarefa – a possibilidade trazida pelo parágrafo só pode ser lançada nos casos em que o posto e a antiguidade de oficial da ativa indiciado excluírem, de modo absoluto, a existência de outro oficial da ativa mais antigo, o que não ocorre nos casos em que houve a designação de militar em PTTC para a condução de inquérito policial militar.
Respondendo, portanto, a indagação proposta, oficial da reserva remunerada em PTTC não pode ser encarregado de inquérito policial militar.
REFERÊNCIAS:
MORAES, Reinaldo Zychan de. Os crimes militares e o inquérito policial militar: uma visão prática. São Paulo: Ernesto Reichmann, 2003.
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de direito processual penal militar. Salvador: Jus Podivm, 2020.
QUEIROZ, Péricles Aurélio Lima de; SOUZA, Paula Coutinho Bahia de et al. In: ASSIS, Jorge César de (Coord.). Estatuto dos Militares comentado. Curitiba: Juruá, 2019.
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