Nulidades no Direito Processual Penal Militar e o princípio da instrumentalidade das formas

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No estudo das nulidades, podem ser enumerados vetores de aplicação, os quais informam um sistema (de nulidades) e que devem ser conhecidos para a escorreita aplicação da lei adjetiva castrense.

Um dos princípios mais importantes é o da instrumentalidade das formas –  também conhecido como princípio do prejuízo –, segundo o qual não há que se falar em nulidade sem que haja prejuízo para a parte  (pas de nulitté sans grief), conforme se extrai do art. 499 do CPPM, comando normativo que se aplica, para alguns, apenas às nulidades relativas.

Parte, naturalmente, de uma premissa, uma viga mestra do sistema, segundo a qual as formas processuais são apenas um instrumento para a aplicação do Direito, não se configurando em fim em si mesmas.

Assim, por exemplo, caso uma testemunha seja ouvida após as 18 horas, sem que o motivo relevante para tanto seja consignado na ata da sessão, estando presentes a acusação e a defesa, não restará prejuízo às partes, mesmo havendo contrariedade ao disposto no art. 424 do CPPM, não havendo, pois, falar em nulidade, mas em mera irregularidade.

No que concerne às nulidades absolutas, presume-se jure et de jure que o prejuízo é inerente à inobservância da norma posta, existindo, todavia, posicionamento em sentido oposto, segundo o qual nas nulidades absolutas também há necessidade de demonstração de prejuízo. Nessa linha, Alexandre Cebrian e Victor Gonçalves (2012, p. 584), inclusive após evidenciar visão do Supremo Tribunal Federal:

De fato, a lei não faz qualquer distinção, em relação ao tema, entre as nulidades absolutas e as relativas, motivo pelo qual se mostra imprescindível para a decretação de ineficácia do ato atípico, em ambas as hipóteses, a comprovação de efetivo prejuízo para a acusação ou para a defesa. Admite-se, no entanto, quando for impossível a comprovação, pelos meios ordinários de prova, da ocorrência de prejuízo concreto, que a demonstração do dano ocorra por meio de emprego de raciocínio lógico, ou seja, pela consideração de argumentos que evidenciem ser manifesta ou bastante provável a existência do prejuízo.

Dessa maneira, não há unicidade de entendimento sobre a necessidade de demonstração de prejuízo no caso de nulidade absoluta, embora sejamos pela presunção do prejuízo nessas nulidade.

Seja como for, em verdade, parece assistir razão a Nucci (2009, p. 826-7) ao postular que o que de fato ocorre não é uma compreensão de que as nulidades absolutas carecem de demonstração de prejuízo para serem reconhecidas, mas uma tendência de reclassificação em que se amplia o campo de abrangência de nulidades relativas – portanto carecedoras de demonstração de prejuízo – em detrimento do âmbito de alcance das nulidades absolutas. Em outros termos, o que no passado se considerou nulidade absoluta, pela evolução do estudo do processo penal, passa a ser nulidade relativa.

Prosseguindo no torneamento do princípio, seu reconhecimento na jurisprudência dos Tribunais Militares é evidente. Nesse sentido, vide no Superior Tribunal Militar a Correição Parcial n. 13-02.2002.7.11.0011(2008.01.001990-4)/DF, julgada em 1º de julho de 2008, sob relatoria do Ministro José Américo dos Santos, cuja ementa se transcreve:

EMENTA. CORREIÇÃO PARCIAL. TEMPESTIVIDADE. JUÍZO DE RETRATABILIDADE. Se o Advogado, por qualquer razão, dá entrada no pedido na instância superior, não parece razoável desconhecer o pleito, por mero excesso de rigor e formalismo. Nosso ordenamento jurídico, de há muito, vem agasalhando o princípio da instrumentalidade das formas, onde o fundo ou a essência material se sobrepõe à forma. A petição de fls. 02/06, requerendo a presente Correição Parcial, deu entrada no serviço de protocolo desta Corte no dia 02 de maio de 2008, isto é, no quinquídio a que alude o art. 498, § 1º, do CPPM. A regra esculpida no artigo 498, § 2º, da Lei Adjetiva Castrense estabelece que a Correição Parcial será processada e julgada no rito estabelecido para o Recurso em Sentido Estrito. Preliminar de ausência de juízo de retratabilidade arguida pelo Órgão Ministerial acolhida, para determinar a baixa dos autos à instância de origem. Decisão unânime.

Mais recentemente:

EMENTA. HABEAS CORPUS. AMEAÇA E TENTATIVA DE HOMICÍDIO (ARTS. 223 E 205, C/C O ART. 30, II, TODOS DO CPM). NULIDADE DE ATOS DE INQUÉRITO POLICIAL MILITAR. INEXISTÊNCIA. PROCEDIMENTO MERAMENTE INFORMATIVO. DECRETAÇÃO DE NULIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE DA INCIDÊNCIA DO PREJUÍZO (PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF). DENEGAÇÃO DA ORDEM. DECISÃO UNÂNIME. 1. Trata-se de Habeas Corpus impetrado em favor de militar da Reserva do Exército em prestação de tarefa certa que é investigado em Inquérito Policial Militar (IPM) por cometimento, em tese, dos crimes de ameaça e tentativa de homicídio, sob a alegação de constrangimento ilegal e abuso de autoridade. 2. O presente writ é impetrado em face de Decisão do Juiz Federal Substituto da Justiça Militar da Auditoria da 10ª CJM que não acolheu, em sede de habeas corpus, o pleito de suspensão e nulidade de atos do referido IPM. 3. O Paciente, com o seu agir, deu ensejo ao referido IPM, regularmente instaurado sem sobressaltos de ilegalidade. O Inquérito Policial é peça meramente informativa para propositura da ação penal, de modo que eventual irregularidade na fase inquisitorial não contamina o processo. PrecedenteS deste Tribunal. 4. Para a decretação de nulidade da investigação, necessária, além da devida caracterização do suposto vício de legalidade insanável, a demonstração do prejuízo (pas de nullité sans grief), o que não ocorre no caso em tela. 5. Ordem denegada. Decisão unânime (STM, Habeas Corpus n. 7000648-67.2020.7.00.0000, rel. Min. Lúcio Mário de Barros Góes, j. de 16 a 19/11/2020)

Também é possível verificar a aceitação desse princípio nas Justiças Militares Estaduais, a exemplo do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, como se verifica no Habeas Corpus n. 2250/11 (Feito n. 52.741/08 – 3ª Auditoria), julgado em 12 de abril de 2011, sob relatoria do Juiz Evanir Ferreira Castilho:

POLICIAIS MILITARES – “Habeas Corpus” – Processual Penal – Carta Precatória – Interrogatório dos réus pelo sistema audiovisual – Nulidade processual – Ofensa às garantias constitucionais do acusado – Não ocorrência – Inaplicabilidade do princípio da identidade física do juiz – Pleno exercício da ampla defesa – Observância ao princípio “pas de nullité sans grief” – Ausência de efetivo prejuízo à parte – Ordem denegada.

Não deixe, em seus estudos, de dar especial atenção a este vetor/princípio.

 

Referências:

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal esquematizado. São Paulo: Saraiva: 2012.

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