O art. 16-A do Código de Processo Penal Militar após a rejeição do veto presidencial pelo Congresso Nacional

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30 de abril6 min. de leitura

Muito divulgada na imprensa foi a rejeição dos vetos presidenciais pelo Congresso nacional, ocorrida, em último lance, pelo Senado Federal em 19 de abril de 2021.

No caso específico do art. 16-A do Código de Processo Penal, o veto havia atingido os §§ 3º, 4º e 5º, que passaram a viger. O dispositivo, agora, fica com esta redação:

Art. 16-A. Nos casos em que servidores das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares figurarem como investigados em inquéritos policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada, incluindo as situações dispostas nos arts. 42 a 47 do Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), o indiciado poderá constituir defensor.

§ 1º Para os casos previstos no caputdeste artigo, o investigado deverá ser citado da instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da citação.

§ 2º Esgotado o prazo disposto no § 1º com ausência de nomeação de defensor pelo investigado, a autoridade responsável pela investigação deverá intimar a instituição a que estava vinculado o investigado à época da ocorrência dos fatos, para que esta, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, indique defensor para a representação do investigado.

§ 3º Havendo necessidade de indicação de defensor nos termos do § 2º deste artigo, a defesa caberá preferencialmente à Defensoria Pública e, nos locais em que ela não estiver instalada, a União ou a Unidade da Federação correspondente à respectiva competência territorial do procedimento instaurado deverá disponibilizar profissional para acompanhamento e realização de todos os atos relacionados à defesa administrativa do investigado.

§ 4º A indicação do profissional a que se refere o § 3º deste artigo deverá ser precedida de manifestação de que não existe defensor público lotado na área territorial onde tramita o inquérito e com atribuição para nele atuar, hipótese em que poderá ser indicado profissional que não integre os quadros próprios da Administração.

§ 5º Na hipótese de não atuação da Defensoria Pública, os custos com o patrocínio dos interesses do investigado nos procedimentos de que trata esse artigo correrão por conta do orçamento próprio da instituição a que este esteja vinculado à época da ocorrência dos fatos investigados.

§ 6º As disposições constantes deste artigo aplicam-se aos servidores militares vinculados às instituições dispostas no art. 142 da Constituição Federal, desde que os fatos investigados digam respeito a missões para a Garantia da Lei e da Ordem.

O dispositivo em análise, como se extrai da simples leitura, traz um direito ao investigado, qual seja, o de constituir um defensor (advogado).

Tem-se uma faculdade de ele constituir um advogado para acompanhar o feito investigativo, não o processo, que terá regras próprias, mas apenas a inquisa que busca apurar o fato na fase extrajudicial.

Não há, diga-se de início, nenhuma inovação na disposição, exceto por buscar uma maior especificidade para os casos de policiais militares, bombeiros militares e militares federais que, usando de força letal no exercício da profissão, figurem em procedimento investigatório, como o inquérito policial militar.

O direito de ter um defensor (advogado) a acompanhar um procedimento apuratório (extrajudicial) decorre, por exemplo, da concepção de haver a assimilação da ampla defesa, ainda que em fase pré-processual, ou mesmo do direito de peticionar nos autos de inquérito, em homenagem a alínea a do inciso XXXIV do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

Essa compreensão – e disso também decorre o caráter não inovador do “Pacote Anticrime” (Lei n. 13.964/2019) neste ponto – ganha muito mais força da análise da Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994 (“Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil”), mormente com a redação que lhe deu a Lei n. 13.245, de 12 de janeiro de 2016, conforme abaixo se demonstrará.

A verdadeira inovação, prossegue-se na análise, está nos parágrafos do art. 16-A, que têm a pretensão de consagrar uma regra, um opção/dever do Estado em assistir os militares que pratiquem o delito de homicídio – conforme restrição proposta – na atuação funcional, ainda que não tenham constituído defensor, uma verdadeira reprodução do que ocorre no processo penal, agora na fase que o antecede.

O § 1º do novo art. 16-A do CPPM dispõe que para os casos previstos no caput do artigo, o investigado deverá ser citado – entenda-se notificado ou intimado[1] –  da instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da “citação”.

Obviamente, o comando deve ser observado quando houver identificação do autor do fato, lembrando-se que em alguns casos o procedimento chega à autoria muito após a sua instauração.

Mas havendo uma pessoa (ou um grupo) identificada da pretensa prática do delito, ainda que sob uma frágil suspeita e mesmo que não indiciada, a intimação deve ocorrer de maneira que se possibilite o acompanhamento do inquérito desde o início por defensor constituído.

Como o § 1º se refere aos casos do caput do art. 16-A, na intenção da lei, a regra se aplica apenas aos casos de militares do Estado, do Distrito Federal e das Forças Armadas em garantia da lei e da ordem, por força do § 6º, que forem investigados em inquéritos policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, por fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional.

O § 2º  do art. 16-A impõe que, esgotado o prazo disposto no § 1º (48 horas a contar da “citação”) com ausência de nomeação de defensor pelo investigado, a autoridade responsável pela investigação deverá intimar – aqui, sim, utilizou-se a adequada designação – a instituição a que estava vinculado o investigado à época da ocorrência dos fatos, para que esta, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, indique defensor para a representação do investigado.

Há, no entanto, alguns problemas para a implementação desta regra.

A instituição a que estava vinculado o investigado à época da ocorrência do fato será, muito possivelmente, a mesma instituição da autoridade responsável pela investigação, já que se trata, quase sempre, de inquérito policial militar. Excepcionalmente, haverá procedimento extrajudicial que investigue um caso enquadrado no caput do art. 16-A, como na já mencionada situação do Procedimento Investigatório Criminal (PIC) pelo Ministério Público, em que a autoridade responsável será o promotor de justiça, por exemplo.

No primeiro caso – autoridade responsável pela investigação pertencente à mesma instituição do suspeito – a intimação deverá ser dirigida a quem?

Possivelmente, ao comandante da unidade do pretenso autor do fato, que poderá ser também a autoridade instauradora. Nesta situação, óbvio, não caberá a intimação de si próprio, o que leva à necessidade de as instituições militares inovarem sua estrutura para controlar a nova realidade.

Exemplificativamente, uma Polícia Militar pode ter sua Diretoria de Assuntos Jurídicos que poderá, obviamente, ser o órgão gestor dessa situação, o que também, frise-se, pode ser gerido pela Corregedoria da instituição. Assim, transcorridas as 48 horas da intimação do autor para que possa constituir defensor, em não havendo resposta ou em sendo negativa a resposta do investigado – ou ainda, em não sendo ele encontrado, embora omissa a regra estudada[2] –, embora a lei não mencione esta hipótese, a autoridade de polícia judiciária militar, geralmente o Comandante da Unidade do investigado, deverá intimar (comunicar) do Diretor de Assuntos Jurídicos (o Corregedor, ou quem tenha a gestão da questão por norma interna da instituição) para que seja feita a indicação de defensor.

No segundo caso – autoridade responsável pela investigação não pertencente à instituição do suspeito – deverá haver a intimação após as 48 horas sem nomeação de defensor (ou diante da negativa do indiciado, ou ainda não sendo ele localizado). Nesta situação, havendo uma questão interinstitucional, adequado que a intimação da autoridade seja endereçada ao Comandante da Instituição a que pertence o investigado (ou pertencia na época do fato), por exemplo, o Comandante-Geral da Polícia Militar.

Fixa-se, dessa maneira, o dever para a Administração Pública com o encargo da persecução (Forças Armadas, Forças Auxiliares ou Ministério Público) de intimar (citar) o investigado para que traga seu defensor a acompanhar a inquisa, ou de intimar a instituição a que pertence (ou pertencia na época do fato) o investigado – às vezes ela própria, a Polícia Militar, pelo Encarregado, intimando a própria Polícia Militar, na pessoa do Comandante de Unidade a que pertencia o investigado, em um jogo, minimamente curioso, para não dizer absurdo –, para que, não havendo a constituição do defensor, indique um que acompanhe o procedimento.

Alerte-se, de início, que, na moldura do caput, apenas militares terão essa dinâmica, o que significa dizer que a instituição a que ele pertencia na época do fato será uma instituição militar.

As instituições militares, em regra, não possuem corpo de defensores que possam atuar em defesa do suspeito de prática delitiva, sob pena de desvio de finalidade, não havendo possibilidade de indicar defensor para a representação do investigado dos quadros institucionais dessas Forças Militares, salvo se procedida alteração legislativa que crie pretenso quadro.

A solução para essa questão é trazida pelo § 3º que dispõe que, havendo necessidade de indicação de defensor nos termos do § 2º, a defesa caberá preferencialmente à Defensoria Pública e, nos locais em que ela não estiver instalada, a União ou a Unidade da Federação correspondente à respectiva competência territorial do procedimento instaurado deverá disponibilizar profissional para acompanhamento e realização de todos os atos relacionados à defesa administrativa do investigado. Os §§ 4º e 5º também circundam a temática de atuação da Defensoria Pública.

Pelo § 4º, a indicação de outro profissional que não seja da Defensoria Pública deverá ser precedida de manifestação de que não existe defensor público lotado na área territorial onde tramita o inquérito e com atribuição para nele atuar. Neste caso, inclusive, poderá ser indicado profissional que não integre os quadros da Administração Pública, abrindo a possibilidade para a celebração de convênios, onerosos ou não, com núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito e, óbvio, com a Ordem dos Advogados do Brasil.

Necessário frisar, no entanto, que, em caso de haver custos em relação a esta atuação, estes correrão por conta de orçamento próprio da instituição a que o autor do fato estiver vinculado à época da ocorrência dos fatos investigados, o que demanda, obviamente, o planejamento para a inclusão da despesa no orçamento da instituição.

[1] Há quem prefira a notificação, como CUNHA, Rogério Sanches. Pacote anticrime: Lei 13.964/2019 – Comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Jus Podivm, 2020, p. 109.

[2] CUNHA, Rogério Sanches. Pacote anticrime: Lei 13.964/2019 – Comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Jus Podivm, 2020, p. 110.

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