O crime de violação de recato sobreviveu ao novo art. 10-A da Lei n. 9.296/1996, trazido pelo “Pacote Anticrime”?

Abaixo você confere as principais alterações na Lei n. 9.299/1996 decorrentes do "Pacote Anticrime" e se prepara para os principais concursos!

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09 de agosto11 min. de leitura

Como sabemos, a Lei n. 10.964/2019, conhecida por “Pacote Anticrime”, trouxe inúmeras inovações ao Direito Penal e Processual Penal brasileiro, mas sem se preocupar com o Direito Castrense.

Nessas alterações, a Lei n. 9.299/1996 foi presenteada com, entre outras mudanças, um novo delito, o do art. 10-A, que trata da criminalização da captação ambiental sem a devida autorização judicial, nos seguintes termos:

Art. 10-A. Realizar captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos para investigação ou instrução criminal sem autorização judicial, quando esta for exigida:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º Não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores.

§ 2º A pena será aplicada em dobro ao funcionário público que descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a captação ambiental ou revelar o conteúdo das gravações enquanto mantido o sigilo judicial.

Assim, por exemplo, a captação de imagens em um procedimento investigatório, sem a devida autorização judicial, configurará, em tese, o delito acima.

Ocorre que, complicando a análise, a captação de imagem, também em exemplo, sem autorização judicial, pode ser subsumida no tipo penal do art. 229 do Código Penal Militar (violação de recato), que possui o seguinte teor:

Art. 229. Violar, mediante processo técnico, o direito ao recato pessoal ou o direito ao resguardo das palavras que não forem pronunciadas publicamente:

Pena – detenção, até um ano.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem divulga os fatos captados.

Urge, então, verificar se o delito militar sobreviveu ao “Pacote Anticrime”, solvendo, se se sustentar sua sobrevivência, eventual conflito aparente de normas.

Comecemos traçando alguns comentários sobre a violação de recato.

O crime militar tutela a liberdade individual da pessoa natural, buscando preservar sua intimidade e vida privada pelo reconhecimento da inviolabilidade do recato pessoal. A tutela em questão é arrimada no inciso X do art. 5º da Constituição Federal e, eventualmente, no inciso XI do mesmo artigo, se considerado o ingresso na casa para que haja, por exemplo, a instalação de dispositivos de captação.

Ter acesso a imagens ou voz por processo técnico, desautorizadamente, seja pela lei, seja pelo destinatário, o agente estará expondo a vida privada e a intimidade do sujeito passivo, daí a necessidade da previsão típica em estudo.

Os sujeitos ativo e passivo são os militares, federal ou dos Estados, em face da previsão do art. 231 do CPM, que determina que este delito só será militar se autor e vítima forem militares da ativa.

Em breve incursão nos elementos objetivos, o tipo penal do art. 229 possui como conduta nuclear “violar”, que significa macular, turbar o direito ao recato pessoal, à intimidade, pela sondagem, cognição desautorizada do comportamento do sujeito passivo. Em segundo aporte, o tipo penal militar em estudo também prevê a violação do direito ao resguardo das palavras que o sujeito passivo não disser publicamente, e que não queira que sejam públicas.

A violação do recato, portanto, poderá incidir sobre o comportamento, geralmente com a captação de imagens do sujeito passivo na prática de uma conduta, ou incidir sobre as palavras, em regra, palavras proferidas na linguagem oral, porquanto se forem proferidas na linguagem escrita, outro delito se configurará, como a divulgação de segredo do art. 228 do CPM.

Não é necessário que o sujeito ativo produza a gravação do comportamento ou das palavras pronunciadas; basta que tenha acesso por processo técnico, ou seja, com a utilização de meio artificial, por exemplo, um microfone, uma filmadora escondida, um binóculo, ou seja, qualquer forma artificial de que o autor lance mão para chegar a informações a que não teria acesso sem a utilização desses meios. Dessa maneira, condutas que não se realizem mediante processo técnico, como o ato de auscultar uma conversa por detrás da porta, estarão fora do âmbito típico deste delito.

Obviamente, o ato de, em decorrência da violação, produzir gravação de imagens ou de palavras (voz) não afasta a tipicidade, não sendo, apenas, necessária essa produção. Aliás, a gravação produzida servirá como prova de que a violação ocorreu.

É imprescindível que o sujeito passivo tenha buscado o recato ou o resguardo de suas palavras e que não tenha anuído na violação, tornando-a indevida, injusta.

Recato significa o que há de mais recôndito da vida do ser humano, caracterizando-se por um ato que se oculta à vista e ao conhecimento de todos, geralmente buscando para a prática comportamental um lugar retirado e oculto. Assim a observação, com a produção ou não de gravação, de comportamento praticado em público – inclusive em áreas públicas dos quartéis, como salas, elevadores, corredores etc., e também no interior de veículos utilizados no serviço da Instituição Militar – não constitui violação, nos termos do tipo penal em estudo, porquanto o sujeito passivo não buscou o recato. Por outro lado, configura violação de recato o ato de instalar clandestinamente aparelhamento de filmagem, próprio (câmera) ou impróprio (telefone celular), em áreas onde as pessoas praticam atos lícitos que não praticariam em público – como um vestiário, um alojamento, ainda que no interior de quartéis –, captando e gravando imagens (p. ex., policiais militares do sexo feminino se trocando).

Resguardo (das palavras) tem significado muito próximo de recato, porquanto traduz-se pela emissão de palavras, pela forma oral, de maneira abrigada, defesa, de sorte que não se queira que elas cheguem ao conhecimento público. Nem é preciso que as palavras sejam dirigidas a alguém; pode ocorrer a violação do resguardo, por exemplo, de palavras que o sujeito ativo proferiu ao vento, para ninguém, desde que tenha ele buscado ambiente que garantisse o resguardo. Entendemos que aquele que profere palavras no interior das dependências públicas do quartel (salas, corredores etc.) não tentou resguardar suas palavras, não havendo, portanto, violação, em regra.

O elemento subjetivo é o dolo, não havendo modalidade culposa. O crime se consuma com a efetiva violação, admitindo a tentativa, por exemplo, quando o aparato é montado para a captação de imagem, que não ocorre por motivos alheios à vontade do agente.

Pois bem, enfrentemos, agora, o conflito com a Lei n. 9.296/1996, o que não se pode fazer sem compreender as diferentes espécies de captação de voz ou de imagem. Nesse propósito, foi muito feliz André Vinicius de Almeida (ALMEIDA, André Vinicius de. Interceptação das comunicações telefônicas no direito penal militar cit.):

Distinguem-se, inicialmente, as interceptações telefônicas das interceptações ambientais, entendido o termo interceptação no sentido amplo. As primeiras são objeto da Lei n. 9.296/96; as segundas estão disciplinadas pela Lei n. 9.034/95, com a redação da Lei n. 10.217/2001. Em poucas palavras, interceptação de comunicação telefônica tem por objeto aquela comunicação (de voz, dados, imagens etc.) havida por meio de rede de telefonia, enquanto interceptação ambiental tem por alvo as imagens e áudios surpreendidos no encontro presencial de uma ou mais pessoas, trate-se de local público ou privado.

Cada uma dessas possibilidades desdobra-se em três outras, tendo por consideração o fator terzitá referido pela doutrina italiana (participação de terceiro, com ou sem ciência de um dos interlocutores). Assim, diz-se interceptação quando a comunicação é acompanhada por um terceiro sem o conhecimento dos interlocutores; escuta, quando um deles tem o conhecimento do monitoramento; e gravação clandestina, quando feita diretamente por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro ou dos demais.

Diverge a doutrina pátria, uma vez mais, acerca do âmbito de aplicação da Lei n. 9.296/96. De forma geral, o consenso estabelece-se apenas acerca da exclusão da gravação clandestina da disciplina ali imposta; a conduta da escuta em si seria lícita, mas o uso do material como prova normalmente é reputado ilícito.

No demais, há duas orientações: a que parece predominar, no sentido de que também a escuta telefônica estaria ali incluída (inclusive para os fins do art. 10 da Lei n. 9.296/96), e a de sua exclusão do âmbito de aplicação, entendendo-se lícita porque se o titular da comunicação pode gravá-la, também pode autorizar sua gravação por outra pessoa; nesse caso, contudo, ainda haveria restrições ao seu uso como prova.

O texto do autor deve ser atualizado, porquanto a captação ambiental, como acima suscitado, está prevista também na Lei n. 12.850/2013 e na Lei n. 9.296/1996, neste caso fruto de alteração legislativa trazida pela Lei n. 13.964/2019. Mas a concepção de primeira divisão entre captação de conversa telefônica e captação ambiental, com consequente tripartição de cada uma delas em interceptação, gravação clandestina e escuta, é ainda atual.

Sobre a reserva de jurisdição, afiliamo-nos à licitude da gravação clandestina de conversação telefônica ou ambiental e da escuta de conversação telefônica ou ambiental, pois, embora a polêmica, em ambos os casos há a anuência de um dos interlocutores, seja pedindo a um terceiro que grave a conversa ou a imagem (escuta), seja ele próprio gravando (gravação clandestina).

Por serem lícitas, essas condutas não configuram delito. Como exemplo, não vemos ilicitude gravação telefônica de uma conversa de um subordinado com seu superior, pois a gravação clandestina, em visão uníssona, prescinde de autorização judicial, mesmo porque isso seria inviável no exemplo, posto não haver investigação ou processo em curso. Não há, assim, crime de violação de recato e nem crime específico trazido pela Lei n. 9.299/1996.

A propósito, essa posição pode ser encontrada no Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 402.717/PR, em que a Segunda Turma do Pretório Excelso, em 2 de dezembro de 2008, sob relatoria do Ministro Cezar Peluso, decidiu:

PROVA. Criminal. Conversa telefônica. Gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro. Juntada da transcrição em inquérito policial, onde o interlocutor requerente era investigado ou tido por suspeito. Admissibilidade. Fonte lícita de prova. Inexistência de interceptação, objeto de vedação constitucional. Ausência de causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. Meio, ademais, de prova da alegada inocência de quem a gravou. Improvimento ao recurso. Inexistência de ofensa ao art. 5º, incs. X, XII e LVI, da CF. Precedentes. Como gravação meramente clandestina, que se não confunde com interceptação, objeto de vedação constitucional, é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou.

Também não enxergamos conduta ilícita se essa conversa for captada por um terceiro, com o conhecimento de um dos interlocutores, na chamada escuta, mas, alerte-se, que, neste caso, ao contrário do que postulamos, predomina o entendimento de que ela está abrangida pela mesma reserva de jurisdição da interceptação telefônica, sob regramento dos arts. 1º e 2º da Lei n. 9.296/1996 (LIMA, 2020, p. 814).

Frise-se que ao nos referirmos a comunicação telefônica abrangemos

não apenas a conversa por telefone, mas também a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia, estática, ou móvel (celular). Por conseguinte, é possível a interceptação de qualquer comunicação via telefone, conjugada ou não com a informática, o que compreende aquelas realizadas direta (fax, modens) e indiretamente (internet, e-mail, correios eletrônicos (LIMA, 2020, p. 812).

A visão aplicada à captação de conversação telefônica pode muito bem ser trasladada para a captação de conversa ou de imagem ambiental, ou seja, a escuta ambiental e a gravação clandestina ambiental são perfeitamente lícitas, na nossa visão, não se configurando conduta criminosa. Mas, também, há que se alertar sobre a predominância da visão da necessidade de autorização judicial no caso da escuta ambiental.

Sobre a licitude da gravação clandestina ambiental, no Supremo Tribunal Federal, veja-se o Recurso Extraordinário n. 583.937/RJ, na questão de ordem discutindo a repercussão geral, decidida em 19 de novembro de 2009, sob relatoria do Ministro Cezar Peluso, cuja ementa registra:

AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.

Vencidas as questões relativas à escuta e à gravação clandestina, ambiental ou sobre conversações telefônicas, resta-nos verificar as interceptações, propriamente meios de obtenção de prova quando no seio de uma investigação que conhece regramento próprio e estrito da Lei n. 9.296/1996.

No que concerne à interceptação ambiental, seja na captação de voz, seja na captação de imagem, em local público, não há ilicitude, não se configurando o delito em estudo, já que, frise-se, o sujeito passivo não buscou o recato. Essa, ao menos, é a regra que, óbvio, pode ser excepcionada em situações específicas.

Melhor explicando, a comunicação ambiental poder ser desenvolvida em ambiente público ou privado, o que muda a tonalidade de análise, que se dará não propriamente em relação à vida privada e a intimidade, mas em relação a um direito de reserva (LIMA, 2020, p. 853).

Sob esta divisão, tem-se que a captação executada em locais públicos (ruas, praças etc.) ou privados mas abertos ao público (bares, cinemas etc.), ainda que sob a forma de interceptação (ou de escuta, para os entendem haver reserva de jurisdição) ambiental, não carece de autorização judicial, pois os seus protagonistas não buscaram a reserva, o ambiente fechado, sem acesso público. Imagine-se, por exemplo, a captação de imagens de policiais militares que, não conhecendo a captação, em um bloqueio feito na madrugada, em via pública, pratiquem ilícitos penais militares, como lesões corporais, tortura etc. Neste caso, a captação por terceiro sem o conhecimento dos atores (espécie de interceptação) e sem autorização judicial, mostra-se proceder lícito, gerando também prova lícita, perfeitamente possível de ser utilizada como elemento a respaldar a acusação.

Mas, como dissemos, esta é a regra geral, que pode ser contrariada naquelas situações em que os interlocutores, embora em espaço aberto ao público, busquem a reserva, a intimidade, por exemplo, por uma conversa próxima, sob a pretensão de que ninguém a escute. Em resumo, adequada a visão de Renato Brasileiro de Lima (2020, p. 854) sobre o tema:

b) captação de conversa alheia (ou de imagens) em locais abertos ao público, porém em caráter sigiloso, expressamente admitido pelos interlocutores: constitui invasão de privacidade, pois o interceptador não pode imiscuir-se em segredo de terceiros sem permissão legal. Por não afrontarem o art. 5º, X, da Constituição Federal, interceptações ambientais lato sensu devem ser considerada válidas, salvo quando realizadas em ambiente no qual haja expectativa de privacidade ou quando praticadas com violação de confiança decorrente de relações interpessoais ou profissionais.

Exemplificativamente, será ilícita a captação de conversa pelo aparato de polícia judiciária militar, uma interceptação (sem conhecimento dos interlocutores) da conversa entre o indiciado e seu advogado, ainda que executada fora do parlatório propício, em ambiente aberto ao público, por violar imposição do sigilo dessa comunicação, não importando o ambiente, quebrando uma expectativa de confiança.

No que concerne ao ambiente privado, obviamente, a questão ainda encontra outro amparo constitucional, a saber a inviolabilidade do domicílio, na acepção penal e processual penal do termo “casa” (art. 226, § 4º, do CPM e art. 173 do CPPM). Assim, além, claro, de uma violação da intimidade e da vida privada, a captação de comunicação ambiental no ambiente privado, sem a autorização judicial ou, mesmo com ela, sendo executada por um ingresso a noite, adjetivará a conduta como ilícita e, claro, também o resultado obtido.

Pois bem, firme na análise das questões colocadas sob o regramento da Lei n. 9.296/1996, surge a necessidade, enfim, de se averiguar se nas ocasiões de interceptação (e de escuta, para quem assim entende) sem autorização judicial, haveria configuração do art. 229 (quando praticadas de militar da ativa contra militar na mesma situação) ou crimes específicos da referida Lei.

Além do já transcrito art. 10-A, a Lei n. 9.296/1996 traz o art. 10, com  seguinte descrição típica:

Art. 10.  Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena a autoridade judicial que determina a execução de conduta prevista no caput deste artigo com objetivo não autorizado em lei.

A solução do conflito parece ter encontrado André Vinícius de Almeida (ALMEIDA, André Vinicius de. Interceptação das comunicações telefônicas no direito penal militar cit.), em primorosa construção com a qual concordamos e transcrevemos:

Na esfera do Direito Penal Militar, estabelece-se concurso aparente de normas, de não simples resolução, entre a norma em questão e o tipo consubstanciado no artigo 229 do Código Penal Militar. Esta última norma sanciona a conduta de quem, por processo técnico, viola o direito ao resguardo das palavras que ‘não foram pronunciadas publicamente’ ou daquele que divulga os fatos captados.

Se se limita a análise do artigo 10 da Lei n. 9.296/96 ao concernente à interceptação da comunicação telefônica, utilizando-se o mesmo critério para o artigo 229 do CPM, tem-se que ambas as normas teriam o mesmo objeto, qual seja, a vedação da captação indevida (ou a divulgação) do conteúdo de uma conversa reservada entre duas ou mais pessoas, como é a que se passa por meio da telefonia.

Todavia, o artigo 229 tem âmbito mais dilatado, porquanto qualquer comunicação não destinada ao público é objeto de sua proteção – incluída, pois, a proibição de interceptação ambiental, que no âmbito do Direito Penal Comum segue como conduta penalmente indiferente – e, nesse contexto, apresentar-se-ia geral em relação àquela outra, tida por especial (porque somente a interceptação telefônica não autorizada é criminalizada).

Assim, crê-se que o tipo penal do artigo 10 da Lei n. 9.296/96 tem precedência sobre aquele do artigo 229 do CPM, sendo este aplicável subsidiariamente quando, nas hipóteses do artigo 9º, inciso II, letra ‘a’, do estatuto repressivo militar, houver violação, mediante processo técnico, do ‘direito ao resguardo das palavras que não forem pronunciadas publicamente’ em situação outra que a de uma conversa havida por meio de telefone ou similar.

Em uma breve atualização do texto do autor, construído há algum tempo, a interceptação ambiental desautorizada não é mais conduta penalmente indiferente, hoje trazida, como já referido, como crime no art. 10-A da Lei n. 9.296/1996.

Mas a construção ainda é eficaz a solver o aparente conflito, de maneira que a interceptação telefônica desautorizada configurará, ainda que praticadas de militar da ativa contra militar na mesma situação, crime capitulado no art. 10 da Lei n. 9.296/96, que hoje pode ser caracterizado como crime militar extravagante. Nos demais casos, à exceção das hipóteses lícitas já discutidas, poderá ocorrer o delito militar de violação de recato (art. 229 do CPM).

Igualmente, no caso da interceptação ambiental (ou escuta) desautorizada, tem-se a prevalência do art. 10-A da lei n. 9.296/1996 – que também pode ser crime militar extravagante, se presente uma das hipóteses do inciso II do art. 9º do CPM – sendo esta, assim nos parece, a solução mais adequada para o conflito.

Em resumo, portanto, o crime de violação de recato ainda vige, abarcando as situações não subsumidas pelos arts. 10 e 10-A da Lei n. 9.296/1996. Assim, em exemplo, o encarregado de inquérito policial militar que, durante as investigações, promova a interceptação ambiental ou telefônica sem a autorização judicial, cometerá crime militar extravagante com arrimo na Lei n. 9.299/1996; já o militar da ativa, fora do contexto de investigação criminal, que, “usando a câmera do seu aparelho celular, viola a intimidade de outro militar, em local sujeito à Administração Militar”, estará em prática do crime de violação de recato, em estudo(STM, Apelação n. 7000441-39.2018.7.00.0000, rel. Min. Artur Vidigal de Oliveira, j. 21/11/2018).

O crime de violação de recato, embora combalido, não está morto!

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, André Vinicius de. Interceptação das comunicações telefônicas no direito penal militar. Disponível em: <http://www.tjmsp.jus.br/exposicoes/art012.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2010.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Salvador: Jus Podivm, 2020.

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