O Direito da Sociedade: Direito Cultural como Direito Social, Humano e Fundamental: aspectos iniciais

Por
3 min. de leitura

Ressignificação da legalidade

Nesta nova série, apresentaremos um dos principais direitos fundamentais sociais, direito esse que decorre de uma das atividades que nos distingue enquanto seres: a cultura. Cultura que tanto reflete as tradições quanto ajuda a construir novos paradigmas, sendo produto tanto da racionalidade quanto das emoções humanas, em uma de suas expressões mais coletivas.

Abordado geralmente em poucas páginas dos extensos manuais de direito constitucional, o direito humano e fundamental à cultura, em que pese sua relevância social, parece ser tratado como uma categoria de subdireito, como um direito menos importante. Talvez isso seja reflexo de uma teoria individualista do direito, que não se debruça verdadeiramente sobre temáticas que vão além dos indivíduos, além dos chamados “sujeitos de direito”.

Por essa razão, dedicar-nos-emos a essa temática pelas próximas semanas. Mas, antes de começarmos, alguns esclarecimentos devem ser anotados.

Primeiramente, convém esclarecer que partiremos do pressuposto de que a Constituição Federal de 1988 objetiva promover um Estado do Bem-estar Social, ampliando os direitos fundamentais sociais como nenhuma das suas antecessoras o fizeram. Além da previsão na ordem interna, os compromissos assumidos pelo Brasil na ordem internacional também demonstram que toda interpretação dos direitos sociais deve levar à sua máxima eficácia, a qual passa pela adoção de políticas públicas que promovam, concretizem e tutelem tais direitos.

Em segundo lugar, convém ressaltar que, nesta nova série, realizaremos uma breve digressão acerca da construção do Estado Social de Direito e a consequente ampliação da dimensão dos direitos fundamentais, com a inclusão dos direitos sociais, ou direitos de igualdade. Depois demonstraremos que, pela sistemática adotada pela Constituição Federal de 1988, bem como pelos tratados e convenções internacionais assinados pelo Brasil, o direito cultural é um direito social. Por fim, utilizar-nos-emos dos métodos e técnicas da hermenêutica constitucional para construir um sentido de direito cultural que contribua para a máxima eficácia dos direitos fundamentais e reforce a normatividade da Constituição, defendendo a legitimidade das políticas públicas que promovam a cultura como expressão da própria dignidade da pessoa humana.

Dito isso, passemos a falar um pouco sobre o contexto de formação histórica desses direitos.

O ultraindividualismo proposto pelo liberalismo clássico, decorrente das revoluções burguesas, foi posto à prova pela própria complexidade da realidade social. A Revolução Industrial, em meados do século XIX, permitiu o fortalecimento de uma nova classe social, o proletariado, que possuía demandas específicas não resguardadas pela garantia de liberdade formal do Estado Burguês. Além disso, o próprio liberalismo econômico de Adam Smith foi derrotado pela “mão invisível do mercado”, como demonstrou a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929.

Nessa conjuntura, a figura da soberania do Estado volta a ser fortalecida pela necessidade de intervenção social, política e econômica. Eis o apogeu do monismo jurídico, no qual o Estado Social de Direito assume importante papel na prestação de serviços básicos à população, por meio do reconhecimento dos direitos fundamentais de segunda dimensão, que são os direitos sociais e econômicos. Os direitos de igualdade somam-se, portanto, aos direitos individuais (de liberdade), nascendo o Estado Positivo, que efetiva políticas públicas para assegurar o bem-estar do seu povo.

As Constituições do México de 1917 e a da República de Weimar de 1919 foram as primeiras a inaugurarem textualmente o Constitucionalismo Social, seguidas por diversas outras, a exemplo da Constituição brasileira de 1934. Em comum, todas possuem um caráter de dirigismo social, de “Constituição Programa”, impondo ao Estado alguns objetivos fundamentais a serem alcançados, fazendo renascer consigo a promessa de vida boa da modernidade.

Nesse diapasão, a Constituição passa a ser caracterizada norma jurídica fundamental, produzida pelo Estado no exercício da sua soberania, prevendo, para a sua modificação, um processo mais exigente, com um quórum mais elevado, diferente do processo legislativo comum (Constituição Rígida), tendo papel precípuo de dirigir a vida social e política do Estado.

Em que pese a atual crise do Estado Social, em razão das dificuldades materiais (orçamentárias) enfrentadas por muitos países, os direitos humanos/fundamentais conquistados não devem ser interpretados restritivamente, sob pena de violarmos o princípio da vedação do retrocesso, postulado básico do constitucionalismo contemporâneo. Dessa forma, as políticas públicas que promovam os direitos sociais, que, por sua natureza, são prestacionais (dependentes de um agir do Estado), devem ser fomentadas e ampliadas, jamais restringidas.

 

Bem, por hoje é só, pessoas.

Na próxima semana, trataremos dos direitos culturais como direito humano.

Lembrem-se: andem com fé, que a fé não costuma falhar.

Até breve.

Chiara Ramos


Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.

 


Estudando para concursos públicos? Prepare-se com quem tem tradição de aprovação em concursos públicos.

Cursos online com início imediato, visualizações ilimitadas e parcelamento em até 12x sem juros!

[su_button url=”https://www.grancursosonline.com.br/” target=”blank” style=”flat” background=”#0404bb” color=”#ffffff” size=”7″ center=”yes” icon=”icon: shopping-cart”]Matricule-se[/su_button]

garantia-de-satisfacao-30

Por
3 min. de leitura