O enquadramento como professor e o contrato-realidade

A habilitação legal e o registro são meras exigências formais

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30 de março3 min. de leitura

     O enquadramento de um trabalhador como professor gera significativas controvérsias, sobretudo diante das exigências do art. 317 da CLT:

“Art. 317 – O exercício remunerado do magistério, em estabelecimentos particulares de ensino, exigirá apenas habilitação legal e registro no Ministério da Educação.”

     Assim, considerando que o Direito do Trabalho possui como um dos pilares a primazia da realidade, poder-se-ia considerar professor um instrutor que não possui habilitação legal e tampouco registro junto ao órgão administrativo?

     A resposta é positiva. A questão não se limita à realidade vivenciada pelo obreiro, mas também à própria vontade das partes contratantes, visto que o empregador, ao pactuar o vínculo, possui ciência plena da natureza das atividades desenvolvidas.

   O exame da relação contratual deve ser feita com base na boa-fé objetiva e na probidade. Afastar a verdadeira condição profissional por descumprimento de formalidade administrativa viola o valor social do trabalho.

    A Subseção I de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho entende que o requisito de habilitação legal e de registro formal no órgão administrativo são meras exigências formais. Veja os seguintes julgados:

“EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTOS SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. INSTRUTOR DE ENSINO. ENQUADRAMENTO COMO PROFESSOR. PRIMAZIA DA REALIDADE. Acórdão embargado em consonância com a jurisprudência desta Corte, firme no sentido de que independentemente da nomenclatura utilizada para a contratação, é a realidade do contrato de trabalho que define o enquadramento do empregado como professor, sendo os requisitos previstos no artigo 317 da CLT – habilitação legal e registro no Ministério da Educação – considerados mera exigência formal para o exercício da profissão. Recurso de embargos não conhecido” (E-ED-RR-1306-04.2011.5.04.0512, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 13/03/2020).

“EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 13.015/2014, PELO CPC/2015 E PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 39/2016 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. INSTRUTOR DE CURSO PROFISSIONALIZANTE. SENAI. ENQUADRAMENTO COMO PROFESSOR. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. Discute-se, na hipótese, se, para o reconhecimento do enquadramento do empregado como professor seria imprescindível a habilitação legal e o registro no Ministério da Educação. A questão agora em debate já foi decidida por esta Subseção I Especializada em Dissídios Individuais em outras oportunidades, em que se adotou o entendimento de que , independentemente do título sob o qual o profissional foi contratado – professor, instrutor ou técnico – , é a realidade do contrato de trabalho que define a função de magistério e, por consequência, a categoria diferenciada de docente. A não observância de mera exigência formal para o exercício da profissão de professor, no entanto, não afasta o enquadramento pretendido pelo reclamante. A primazia da realidade constitui princípio basilar do Direito do Trabalho. Ao contrário dos contratos civis, o contrato trabalhista tem como pressuposto de existência a situação real em que o trabalhador se encontra, devendo ser desconsideradas as cláusulas contratuais que não se coadunam com a realidade da prestação de serviço. De acordo com os ensinamentos de Américo Plá Rodriguez, o princípio da primazia da realidade está amparado em quatro fundamentos: o princípio da boa-fé; a dignidade da atividade humana; a desigualdade entre as partes contratantes; e a interpretação racional da vontade das partes. Destaca-se, aqui, a boa-fé objetiva, prevista expressamente no artigo 422 do Código Civil, que deve ser observada em qualquer tipo de contrato, segundo a qual os contratantes devem agir com probidade, honestidade e lealdade nas relações sociais e jurídicas. E, ainda, a interpretação racional da vontade das partes, em que a alteração da forma de cumprimento do contrato laboral, quando este é colocado em prática, constitui forma de consentimento tácito quanto à modificação de determinada estipulação contratual. Diante disso, tem-se que, no caso dos autos, não se pode admitir, como pressuposto necessário para o reconhecimento do exercício da profissão de professor, a habilitação legal e o registro no Ministério da Educação. Ressalta-se, por oportuno, que a interpretação de a ausência de habilitação legal e registro no Ministério da Educação, requisito meramente formal, produz o efeito de isentar o empregador , que contratou alguém para dar aulas , de pagar a essa pessoa as vantagens correspondentes à categoria de professores, constantes de normas coletivas de trabalho – efeito danoso de não dar aplicação prática aos preceitos protetivos da Consolidação das Leis do Trabalho, da legislação trabalhista e das normas coletivas de trabalho e incentivar a permanência dessas situações absurdas. Essa interpretação faz perdurar a situação de descumprimento reiterado, além de premiar aquele que deu causa à irregularidade. Assim, evidenciado, nos autos, que o reclamante, efetivamente, exercia a função de professor , não é possível admitir que mera exigência formal, referente à habilitação legal e o registro no Ministério da Educação, seja óbice para que se reconheça o reclamante como integrante da categoria de professor (precedentes). Embargos conhecidos e desprovidos” (E-ARR-66-32.2015.5.17.0009, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 17/05/2019).

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