O jardim da fé

“A semente nova tem fé. Ela se enraíza mais fundo nos lugares que estão mais vazios.” Clarissa P. Estés

A fé é o solo fértil que abriga e nutre as sementes dos nossos sonhos e aspirações. É dali, do coração do jardim onde a terra encontra o céu, que brotarão nossas maiores realizações. Lá a fé vai se entrelaçando às raízes enquanto os rebentos tecem um hino silencioso à esperança. É na fé que encontramos a coragem de enfrentar os fogos da vida, e é com ela que atravessamos aqueles momentos de purificação intensa e, às vezes, de aparente devastação. Não se trata de uma fé cega, mas daquele tipo de paz profundamente enraizado na sabedoria, na serenidade de quem conhece bem o ciclo de morte e renascimento inerente a tudo no mundo.

Nas vastidões do jardim da nossa existência, somos frequentemente surpreendidos por fogos inesperados: aqueles que surgem por acaso, aqueles que são fomentados por mãos alheias ou mesmo aqueles que ateamos com nossas próprias faíscas, inadvertidamente ou não. Cada chama, seja um sussurro tênue, seja um brado voraz, traz consigo a dualidade destruição-criação: das labaredas surgem as cinzas de ontem, e destas vem o terreno fértil para os sonhos de amanhã. 

As cinzas, reminiscências dessa passagem ardente, são muito mais que mero resíduo; são a essência da transformação, ricas em nutrientes que alimentam a terra e preparam o cenário para o vigoroso renascimento que virá a seguir. Potássio, cálcio e magnésio se juntam a outros minerais ali presentes e atuam como bálsamo para o solo, enriquecendo-o e equilibrando seu pH até torná-lo um lar acolhedor para novas sementes.

Evoco a imagem desse processo de enriquecimento da terra para além de simples metáfora do amadurecimento que se segue às provações da nossa jornada na Terra. Refiro-me a ela como um lembrete palpável de que, da mesma forma que o solo se torna mais fértil e pronto para nutrir nova vida após um incêndio devastador, também nós podemos e devemos absorver as lições deixadas por nossas experiências – as boas e as más – e convertê-las em fonte de enriquecimento pessoal. As adversidades e desafios são como o fogo que passa, devastador em seu calor mas incrivelmente generoso em sua partida, ao nos legar um espírito fortalecido para abraçar o novo.

Sempre que nos encontrarmos cercados pelas chamas da mudança, encarando os fogos que a vida acende em nosso caminho, é bom lembrar que, assim como a terra se abre após a queima, pronta para ser revitalizada pelas cinzas nutritivas, também nós temos a capacidade de fazê-lo para receber de bom-grado o crescimento e a transformação. Cada desafio revela uma oportunidade para nos engrandecermos em sabedoria, força e resiliência.

Conservando a fé e a paciência através dos períodos de destruição pelo fogo, nós nos permitimos ser gentilmente preparados para o florescimento que virá na sequência. Não tenha dúvida: cada semente de possibilidade depositada nas cinzas das nossas provações e regada com as lágrimas que vertemos dali em diante há de emergir da terra na forma de frondosos galhos prontos para dar frutos. 

Por isso, leitor amigo, se a vida lhe impuser sucessivos incêndios, escolha não enxergar neles o fim, mas múltiplas oportunidades de recomeço. Tome os desafios como convite para você plantar a semente de um novo eu no solo enriquecido com os restos do antigo. É nesse gesto de aceitação que reside a mais profunda capacidade de crescimento e evolução.

Que todos nós possamos aceitar os fogos da nossa existência como prelúdio de uma reconfiguração daquilo que éramos até ontem. Que possamos olhar para as cinzas sob nossos pés como signo não da perda, mas da transformação.

O jardim da sua vida está em contínuo processo de nascimento e renovação. Os incêndios que vierem a atingir as belas árvores que ali residem podem até atrapalhar um pouco os seus planos de expansão, mas tenha certeza de que é sempre possível fazer nascer vida daquilo que, para todos os efeitos, remete a morte.

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