O parcelamento da dívida pelo executado trabalhista

Controvérsias permanecem sobre os limites do parcelamento do art. 916 do CPC no Processo do Trabalho

Por
4 min. de leitura

A efetividade da execução constitui objeto de preocupação, há anos, na Justiça do Trabalho. A dificuldade notória de se obter a satisfação do crédito exequendo contribui diretamente para as altas taxas de congestionamento processual no referido ramo.

A ausência de bens integrantes do patrimônio do devedor, os óbices para a localização dos bens eventualmente existentes, os obstáculos para se reconhecer, de modo cabal, a existência de eventual fraude, a demora inerente ao trâmite processual, a comum inexistência de interessados na aquisição de bens por meio de hasta pública são ilustrações de realidades que contribuem para esse quadro.

Até mesmo aspectos positivos, como a necessidade de se assegurar o inafastável direito ao exercício do contraditório e da ampla defesa pelo executado geram, ainda que indiretamente, por meio das diversas manifestações e recursos, uma certa extensão do prazo aguardado pelo exequente.

Nesse contexto, parece natural admitir a importância de regras legais que facilitam o pagamento. Uma das normas mais debatidas certamente é o parcelamento previsto no art. 916 do Código de Processo Civil. Observe o preceito:

“Art. 916. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês.
§ 1º O exequente será intimado para manifestar-se sobre o preenchimento dos pressupostos do caput, e o juiz decidirá o requerimento em 5 (cinco) dias.
§ 2º Enquanto não apreciado o requerimento, o executado terá de depositar as parcelas vincendas, facultado ao exequente seu levantamento.
§ 3º Deferida a proposta, o exequente levantará a quantia depositada, e serão suspensos os atos executivos.
§ 4º Indeferida a proposta, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito, que será convertido em penhora.
§ 5º O não pagamento de qualquer das prestações acarretará cumulativamente:
I – o vencimento das prestações subsequentes e o prosseguimento do processo, com o imediato reinício dos atos executivos;
II – a imposição ao executado de multa de dez por cento sobre o valor das prestações não pagas.
§ 6º A opção pelo parcelamento de que trata este artigo importa renúncia ao direito de opor embargos
§ 7º O disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença.”

    A possibilidade de fracionamento da dívida em uma entrada (trinta por cento) e mais seis parcelas surgiu como mais uma opção que acelera o resultado útil do processo. Contudo, debates persistem até a presente data.

O primeiro ponto de divergência, quanto ao Processo do Trabalho, seria sua suposta compatibilidade. De fato, a questão encontra-se superada pelo art. 3º, XXI, da Instrução Normativa 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho, preceito este que admite a adequação da medida à seara especializada:

“Art. 3° Sem prejuízo de outros, aplicam-se ao Processo do Trabalho, em face de omissão e compatibilidade, os preceitos do Código de Processo Civil que regulam os seguintes temas:
XXI – art. 916 e parágrafos (parcelamento do crédito exequendo);”

    No entanto, o primeiro problema refere-se à interpretação dessa norma da Corte Superior. Considerando que a houve menção expressa ao “art. 916 e parágrafos”, mister se faria admitir, a princípio, a regra do art. 916, § 7º, do CPC, que veda a aplicação do parcelamento à execução de títulos judiciais (quando menciona sua inaplicabilidade ao cumprimento de sentença).

Logo, se for reconhecida essa premissa, a medida possuiria pouca aplicabilidade em termos práticos na Justiça do Trabalho, porquanto a imensa maioria das execuções trabalhistas seria fundada em título executivos judiciais. Com efeito, são bem mais raros os casos de execuções baseadas em títulos executivos extrajudiciais trabalhistas.

Para essa corrente, os princípios da simplicidade e da informalidade, bem como a natureza do crédito alimentar não seriam bastantes para autorizar o parcelamento contra legem. Além disso, diferentemente do que ocorria no estatuto processual anterior (em que se admitia esse parcelamento pela conjugação do art. 745-A com o art. 475-R, ambos do CPC de 1973), agora haveria, no ordenamento de 2015, efetiva proibição legal.

Essa linha de pensamento entende, todavia, que o parcelamento pode ocorrer desde haja efetivo consentimento do exequente. Assim, ainda que fora dos estritos limites do art. 916, o ajuste permitiria a suspensão da execução com pagamento até mesmo mais elastecido. Tratar-se-ia de um simples acordo em execução (como um outro qualquer) e não necessariamente um ajuste dentro dos estritos limites daquela regra processual.

Por outro lado, existe uma corrente que defende a plena aplicabilidade do parcelamento na execução de sentença, seja com base na efetividade da execução como princípio a ser perseguido, seja com fundamento no princípio da execução menos gravosa, assegurado no art. 805 do atual diploma processual:

“Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.
Parágrafo único. Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.”

    Registrada a primeira polêmica, não tardou surgir o próximo debate: seria o parcelamento um direito subjetivo do executado, mais especificamente um verdadeiro direito potestativo ao qual o exequente teria que se submeter caso os requisitos legais fossem cumpridos?

Uma primeira corrente visualiza, em prol da efetividade da execução, um direito subjetivo, bastando que o devedor adote os procedimentos impostos legalmente. Assim, caberia ao exequente somente a chance de impugnar a pretensão, caso o executado, por exemplo, não realizasse o depósito prévio de 30% (trinta por cento).

Por evidente, não demorou o aparecimento de críticas a este raciocínio, diante do risco de que executados extremamente solventes pudessem utilizar do meio para alargar o prazo de pagamento, utilizando do crédito devido como meio de financiar seu próprio fluxo de caixa e também suas operações (muitas vezes mais vantajosas financeiramente do que a quitação da dívida de maneira imediata).

Por outro lado, corrente oposta indicou que o parcelamento cuida de uma faculdade que não pressupõe um exame vinculado aos pressupostos para deferimento, isto é, o juiz poderia, diante de argumentos razoáveis, indeferir o parcelamento, penhorando o valor depositado e determinando o prosseguimento de atos constritivos contra o executado. A análise seria, na verdade, discricionária com base na conveniência para a execução, mas devidamente fundamentada, como qualquer decisão judicial.

A controvérsia demanda uma maior uniformização jurisprudencial, impedindo decisões conflitantes e restringindo que recursos sobre o tema atrasem ainda mais a concretização do direito. Somente o tempo esclarecerá qual posição será consolidada.

Por
4 min. de leitura