Olá, queridos alunos e alunas do Gran!
Trago hoje um assunto espinhoso! Na verdade, mais um dos vários assuntos espinhosos produzidos pela reforma previdenciária de 2019. Lá se foram, já, mais de 2 anos desde a publicação da Emenda Constitucional 103, de 12 de novembro de 2019, mas algumas dúvidas ainda persistem na leitura de suas normas e, bem assim, das normas produzidas para regulamentá-la.
Um desses assuntos espinhosos é o referente à aposentadoria por idade híbrida.
A aposentadoria por idade híbrida foi criada pela Lei 11.718/08, que introduziu os §§3º e 4º, no art. 48, da Lei 8.213/91, promovendo o nascimento de um importante instituto jurídico-previdenciário destinado, especialmente, aos trabalhadores rurais. A inclusão daqueles dispositivos permitiu, portanto, a previsão normativa do direito à aposentadoria por idade com o aproveitamento mesclado de tempo rural e tempo urbano, para fins de satisfação do requisito carência na aposentadoria por idade.
Tratou-se, assim, de verdadeira afirmação concreta dos princípios da “universalidade de participação nos planos previdenciários” e “uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais”, tal como previstos, respectivamente, nos incisos I e II, do art. 2º, da Lei 8.213/91. Isso porque a criação da chamada “aposentadoria por idade híbrida” possibilitou que trabalhadores rurais que não tinham alcançado o tempo rural necessário à satisfação da carência exigida para a aposentadoria por idade rural, pudessem computar eventuais períodos de trabalho urbano para fins de obtenção do direito à aposentação. A condição, contudo, como se sabe, é que a idade mínima passaria a ser aquela exigida para a aposentadoria por idade urbana, isto é, 65 anos para homens e 60 anos para mulheres.
Cabe registrar, ainda, que, após muitas discussões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito, o Superior Tribunal de Justiça acabou definindo que não importa, para fins de aquisição do direito à aposentadoria híbrida, qual era ao tempo do implemento da idade mínima o tipo de labor exercido pelo trabalhador – se urbano ou rural – bem como assinalou, nesse sentido, que períodos rurais remotos poderiam ser usados na soma dos tempos rurais e urbanos.
A tese fixada no TEMA 1007 dos repetitivos da Corte Cidadã foi a de que:
“O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo”.
Pois bem, feitas essas anotações a respeito do nascedouro e do fortalecimento da aposentadoria por idade híbrida nos últimos anos, cabe perquirir: o que fizeram com essa importante espécie previdenciária após a reforma de 2019?
Bom, a primeira coisa que se deve registrar para a busca da reposta a essa indagação é que não foi prevista norma de transição para a aposentadoria por idade híbrida. Não há nenhuma norma que permita o intercâmbio entre o sistema normativo anterior e o atual.
E o grande problema de não existir uma norma de transição é que a aposentadoria por idade urbana simplesmente não existe mais em nosso ordenamento jurídico. Logo, como permitir que um trabalhador rural atinja os requisitos da aposentadoria por idade urbana, tal como previsto no art. 48, §3º, da Lei 8.213/91, se esse tipo de aposentadoria não existe mais nas regras atuais.
A Lei 8.213/91 não foi alterada ainda após a Emenda 103, mas o Decreto 10.410/20, alterando o Decreto 3.048/99, encarregou-se de explicitar uma saída normativa para esse vazio no regramento da aposentadoria híbrida no cenário pós emenda. Entretanto, o referido Decreto não parece ter feito a melhor escolha, ou, pelo menos, não a explicitou de maneira completa ainda.
É que o art. 57, caput, do Regulamento da Previdência Social, passou a assinar que os “trabalhadores rurais que não atendam ao disposto no art. 56 mas que satisfaçam essa condição, se considerados períodos de contribuição sob outras categorias de segurado, farão jus ao benefício ao atenderem os requisitos definidos nos incisos I e II do caput do art. 51”. Por sua vez, esse último dispositivo aponta os requisitos para a nova aposentadoria programada, que exige idade mínima de 65 anos para homens, ou 62 anos para mulheres, bem como, respectivamente, 20 anos e 15 anos de tempo de contribuição, fora a carência de 180 meses de contribuições mensais para ambos os sexos.
Diante disso, pergunta-se: como um trabalhador rural, em regime de economia familiar, vai conseguir comprovar 20 anos de tempo de contribuição, se homem, ou 15 anos, se mulher? Veja bem, o período rural posterior a 31/10/1991 deve ser indenizado para que conte como tempo de contribuição, a teor do art. 39, inc. II, da LBPS, e do art. 25, § 1º, da Lei de Custeio da Previdência Social. E isso gerará uma verdadeira barreira para que um segurado rural possa fazer uso da aposentadoria por idade híbrida atualmente, porque deverá indenizar o período rural laborado a fim de que este seja somado com eventual período urbano para fins de satisfação do tempo de contribuição exigido no art. 51, do Decreto 3.048/99.
Com relação à carência, ao que se conclui, não haverá problema a respeito da soma de período rural e urbano, mas o tempo de contribuição que passa a ser exigido expressamente e em separado na aposentadoria programada será, de fato, um entrave.
Uma das saídas é considerar que o tempo rural, mesmo o posterior a 1991, seja computado não apenas para carência, mas também para tempo de contribuição, a fim de que ao trabalhador rural seja concedido o direito de se aposentar efetivamente na modalidade híbrida. Esse parece ser o espírito do legislador: manter tal espécie de prestação previdenciária.
Resta-nos saber como os Tribunais vão encarar a temática. Vamos acompanhar!
Espero ter ajudado com as lições de hoje, caríssimos guerreiros e guerreiras do Gran Cursos Online.
Fraternal abraço,
Frederico Martins.
Juiz Federal
Professor de Dir. Previdenciário do Gran Cursos
@prof.fredericomartins
O professor Frederido traz reflexões importantíssimas, parabéns!