A possibilidade da aplicação do princípio da insignificância no crime de tráfico de drogas

Análise da recente decisão do STF

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25 de novembro3 min. de leitura

Como sabemos, o princípio da intervenção mínima serve para limitar o poder punitivo do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para proteção de determinado bem jurídico relevante, assim, o Jus Puniendi estatal somente deve intervir nas condutas quando estritamente necessário, mantendo-se subsidiário e fragmentário.

Ademais, é cediço que o Direito Penal moderno deve encarregar-se da proteção dos direitos fundamentais do ser humano, exercendo uma função de garantia dos mesmos frente ao poder punitivo do Estado.

Sobre o tema esclarece Rogério Greco:

Ele é o responsável não só pela indicação dos bens de maior relevo que merecem a especial atenção do Direito Penal, mas se presta, também, a fazer com que ocorra a chamada descriminalização. Se for com base neste princípio que os bens são selecionados para permanecer sob a tutela do Direito Penal, porque considerados como os de maior importância, também será com fundamento nele que o legislador, atento às mutações da sociedade, que com a sua evolução deixa de dar importância a bens que, no passado, eram da maior relevância, fará retirar do nosso ordenamento jurídico-penal certos tipos incriminadores.

Assim, exige-se do legislador determinada cautela no momento de eleger as condutas que merecerão a punição no âmbito criminal (fatos típicos), uma vez que se não pode incriminar qualquer conduta imoral ou até mesmo considerada ilícita, pelo contrário, somente deverão ser criminalizadas aquelas condutas que, segundo comprovada experiência, não puderam ser contidas com a aplicação dos outros ramos do direito, como, por exemplo, o direito civil ou o direito administrativo.

Sobre o tema, a aplicabilidade do postulado da insignificância, cuja utilização tem sido admitida, em inúmeros casos, pelos nossos tribunais tem a seguinte idéia: o postulado deve ser analisado em conexão com os princípios da fragmentariedade, subsidiariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal. O sentido é de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu aspecto substancial ou material.

Segundo o STF, o princípio da insignificância dever ser aferido com a presença de certos vetores, são eles:

(a) a mínima ofensividade da conduta do agente,

(b) a nenhuma periculosidade social da ação,

(c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e

(d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Seguindo essa linha, a corte constitucional, por maioria, em sua 2ª Turma, HC nº 127.573 – SP, reconheceu a atipicidade material da conduta em um caso de mulher presa com 1g de cannabis sativa (maconha). No referido caso, a ré foi condenada à pena de 6 anos, 9 meses e 20  dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, pela posse de 1 grama de maconha, sem indícios de que a mesma tivesse anteriormente comercializado um maior quantidade de drogas.

No julgamento em comento, prevaleceu o voto do ministro relator Gilmar Mendes, o mesmo entendeu que a jurisprudência deve avançar no sentido de criar critérios dogmáticos objetivos para separar o macro traficante daquele traficante de pequenas proporções, que vende drogas apenas para sustentar o seu vício.

O ministro relator fundamentou seu voto no princípio da proporcionalidade e no princípio da insignificância, como sê vê:

É importante frisar que o princípio da proporcionalidade obsta não apenas a criminalização primária de condutas irrelevantes, mas também o processo de criminalização secundária, de maneira a conduzir o julgador a interrogar se aquela punição, prevista em lei, é proporcional à extensão do dano provocado pelo réu no caso concreto. No caso em tela, não se pode dizer que o oferecimento de uma pena de 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, por parte do Estado, se revele como uma resposta adequada, nem tampouco necessária, para repelir o tráfico de 1g (um grama) de maconha. Em um controle da proporcionalidade em sentido estrito, ainda, salta aos olhos a desproporcionalidade do oferecimento de tal pena. Além disso, o presente caso é um exemplo emblemático da flagrante desproporcionalidade da própria pena em abstrato prevista para o tipo penal do tráfico de drogas diante de casos em que a quantidade de entorpecentes é irrisória. A solução aqui proposta, para tais casos de flagrante desproporcionalidade entre a lesividade da conduta e a reprimenda estatal oferecida, é a adoção do princípio da insignificância no âmbito dos crimes de tráfico de drogas. Fato é que a jurisprudência deve avançar no sentido de criar critérios dogmáticos objetivos para separar o traficante de grande porte do traficante de pequenas quantidades, que vende drogas apenas para retroalimentar o seu vício. Nos parece que a adoção do princípio da insignificância nos crimes de tráfico de drogas se revela um passo importante nessa direção. (grifei)

Pelo exposto, entende-se como acertada a decisão do STF, pois não obstante exista o enquadramento formal no tipo do artigo 33 da Lei 11.343/06, no caso concreto, foi mínima a ofensividade da conduta perpetrada pela agente e inexpressiva a lesão jurídica provocada. Percebe-se, ademais, que mesmo que houvesse a comercialização de 1 kg de cannabis sativa, não haveria um risco concreto à sociedade, capaz de atingir efetivamente à paz social, à segurança pública ou à saúde pública.

Entrementes, o direito penal moderno, não pode se satisfizer apenas com a subsunção do fato a norma penal, deve existir, no âmbito de cada caso concreto, a comprovação clara e precisa da possibilidade de risco de dano da conduta do agente ao bem jurídico tutelado, demonstrando-se a sua lesividade material.

José Carlos Pinto Ferreira Júnior

José Carlos Ferreira Jr

Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica . Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.

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