Qual o critério a ser utilizado para a adoção do “quantum” de aumento de pena em um crime continuado?

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27 de novembro3 min. de leitura

Não é segredo para ninguém que dosimetria da pena é um dos temas mais instigantes, complexos e difíceis de se estudar na parte geral do direito penal. Até por isso, ele despenca em provas de concurso.

Um dos assuntos a ela relacionados que gera bastante dúvida se refere aos critérios utilizados pelos Tribunais Superiores para definir o quantum de aumento de pena em caso de reconhecimento de continuidade delitiva.

Vale lembrar que o chamado “crime continuado” tem seu regramento estabelecido pelo artigo 71 do CPB, nos seguintes termos: “quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais CRIMES DA MESMA ESPÉCIE e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços“.

Vem prevalecendo ainda que, para o seu reconhecimento, é necessário observar a unidade de desígnios presente nos delitos praticados pelo agente, razão pela qual a maior parte da doutrina aponta ter sido adotada a teoria objetivo-subjetiva.

Sobre a natureza jurídica do crime continuado, o direito penal brasileiro adotou a Teoria da Ficção Jurídica. Segundo ela, desenvolvida por Francesco Carrara, a continuidade delitiva é uma ficção criada pelo Direito. Existem, na verdade, vários crimes, considerados como um único delito para fins de aplicação da pena. Foi a teoria acolhida pelo art. 71, CP. A unidade se opera exclusivamente para fins de aplicação da pena. Para as demais finalidades há concurso, tanto que a prescrição, por exemplo, é analisada separadamente em relação a cada delito (art. 119 do CP e Súmula 497 do STF: “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação“).

Há ainda outra teoria que pretende explicar o crime continuado, mas que não fora agasalhada pelo nosso direito penal. Refiro-me à teoria da realidade ou da unidade real, idealizada por Bernardino Alimena, vislumbra o crime continuado como um único delito. Para ele, a conduta pode ser composta por um ou vários atos, os quais não necessariamente guardam absoluta correspondência com a unidade ou pluralidade de delitos.

Feita essa revisão, vamos analisar o quantum de acréscimo previsto no art. 71 do Código Penal. Constata-se, facilmente, que o legislador adotou o critério da EXASPERAÇÃO (quando a pena receberá um aumento – 1/6 a 2/3), diferentemente do sistema do cúmulo material (quando há somatório das penas).

Certo, Pedro! Mas o que queremos saber agora é como se deve justificar a variante de aumento de pena, já que no referido dispositivo consta uma larga margem de 1/6 a 2/3?

Explicarei analisando o precedente relatado pelo Ministro Dias Tofolli (HC 134.327[1]) do STF. No caso concreto indicado, fora imputado ao paciente dois crimes de peculato, mas o Tribunal de Justiça do Espírito Santo aplicou a causa de aumento de pena prevista no artigo 71 do CPB no patamar de 1/3, contrariando o que defende a doutrina!

Por quê? Segundo Paulo Queiroz, “o respectivo aumento (de um sexto a dois terços) variará conforme o número de infrações praticadas em continuidade; PROPORCIONALMENTE, portanto”.

E nessa mesma linha caminha a majoritária jurisprudência dos Tribunais Superiores, razão pela qual a ordem de HC fora concedida. Na decisão, o Ministro Tofolli destacou que o entendimento do Supremo se direciona no sentido de que em se tratando de crimes continuados, deve-se adotar critério objetivo que relaciona o número de infrações delituosas e as correspondentes frações de acréscimo penal.

Assim, para crimes continuados calcados em duas condutas, aplicar-se-ia acréscimo de um sexto. Para três crimes, um quinto de acréscimo; para quatro crimes, um quarto; para cinco crimes, um terço; para seis crimes metade (1/2) e, finalmente, para mais de seis crimes, o aumento máximo de dois terços.

E o STJ, Pedro? Caminha no mesmo sentido! Para comprovar, basta a leitura do acórdão no HC159.476/TO, quando fora anotado que “nos termos da jurisprudência desta Corte, o aumento pela continuidade delitiva deve-se dar de acordo com o número de infrações, definindo-se o patamar mínimo 1/6 quando se tratarem de dois delitos”.

Mais recentemente, a Corte ratificou essa compreensão ao afirmar que, em se tratando de delito praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa, deve ser aplicada a regra do art. 71, caput do Código Penal, sendo que o critério para se determinar o quantum da majoração (entre 1/6 a 2/3) não é outro senão o da quantidade de delitos cometidos. Assim, quanto mais infrações, maior deve ser o aumento. Assim, cometidos quatro crimes de satisfação de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, segundo o entendimento dessa egrégia Corte, deve ser aplicada a fração de aumento de 1/4, para ambos os acusados.

Fez-se, porém, um pequeno e relevante acréscimo. É que, em se tratando de crimes dolosos, praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, aplica-se a regra prevista no artigo 71, parágrafo único, do Código Penal, entendendo a jurisprudência da Corte que a fração de aumento pela continuidade delitiva específica (art. 71, parágrafo único, do Código Penal), pressupõe a análise das circunstâncias judicias do artigo 59 do Código Penal, além da quantidade de crimes praticados[2].

Dosimetria da pena é um assunto IMPORTANTÍSSIMO para qualquer concurso, razão pela qual conhecer intensamente a jurisprudência sobre o tema é imprescindível!

 

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

 

Vamos em frente.

 

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 

 

 

[1] Afirma que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 134.327, Relator o Ministro Dias Toffoli, estabeleceu, “na hipótese de crime continuado”, (…) um critério objetivo de cálculo de pena que leva em consideração, no caso concreto, a quantidade de crimes praticados no caso de concurso de agentes”. 8. Prossegue a impetração para alegar que, no caso dos autos, o Tribunal Estadual “reconheceu o crime continuado, sendo um homicídio simples consumado e outro tentado, também na modalidade simples”. De modo que, “Pela lógica adotada pelo Supremo Tribunal Federal, o acréscimo aplicado na pena do paciente deve ser de 1/6. Ou seja, dois crimes, um sexto”.

 

[2] REsp 1718212/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/04/2018.

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