Especialmente em concursos estaduais em que as matérias criminais estão no programa editalício, os crimes contra a dignidade sexual demandam um cuidadoso e atento estudo, pois uma série de questões e “pegadinhas” podem ser extraídas desse tema.
Justamente por isso, devemos analisar aspectos relacionados à literalidade da legislação, mas especialmente à compreensão doutrinária e jurisprudencial acerca de polêmicas e casos concretos envolvendo esses crimes.
Nesse contexto, uma das questões que será cobrada em provas vindouras envolverá o caso concreto apreciado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, cujo julgamento fora concluído em 19 de março de 2019, na ordem de habeas corpus nº 371.633/SP (Relatoria Ministro Jorge Mussi).
Vamos entender o caso?
Antônio “convidou” adolescentes para, duas vezes por semana, irem ao seu apartamento e, em troca de lanches e 50 reais, manter com ele relações sexuais, fato esse que se reproduziu por cerca de 3 meses.
Em uma primeira análise, é fácil concluir que, ao menos em tese, esse comportamento se amolda ao tipo penal do art. 218-B do CPB[1], ou seja, delito de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança, ou adolescente ou vulnerável, afinal o intento do legislador é punir tanto o explorador da atividade, como também o eventual “cliente”.
[1] Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. § 1o Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. § 2o Incorre nas mesmas penas: I – quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; II – o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo. § 3o Na hipótese do inciso II do § 2o, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.
Saliente-se que o inciso I do § 2º do art. 218-B do Código Penal é claro ao estabelecer que também será penalizado aquele que, ao praticar ato sexual com adolescente, o submeta, induza ou atraia à prostituição, ou a outra forma de exploração sexual. Dito de outra forma, enquadra-se na figura típica quem, por meio de pagamento, atinge o objetivo de satisfazer sua lascívia pela prática de ato sexual com pessoa maior de 14 e menor de 18 anos.
A leitura conjunta do caput e do § 2º, I, do art. 218-B do Código Penal NÃO PERMITE IDENTIFICAR A EXIGÊNCIA de que a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com adolescente de 14 a 18 anos se dê por INTERMÉDIO DE TERCEIRA PESSOA. Basta que o agente, mediante pagamento, convença a vítima, dessa faixa etária, a praticar com ele conjunção carnal ou outro ato libidinoso.
É o que se infere da reiterada jurisprudência assentada pela Corte, inclusive em julgados da lavra também da 6ª Turma. Em outro caso concreto, o referido colegiado anotou literalmente que “a leitura conjunta do caput e do § 2º, I, do art. 218-B do Código Penal não permite identificar a exigência de que a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com adolescente de 14 a 18 anos se dê por intermédio de terceira pessoa. Basta que o agente, mediante pagamento, convença a vítima, dessa faixa etária, a praticar com ele conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Pela moldura fática descrita no acórdão impugnado se vê claramente que o recorrido procurou, voluntariamente, a vítima e, mediante promessa de pagamento, a induziu à prática de atos libidinosos, a evidenciar seu nítido intuito de exploração sexual da adolescente, o que justifica o restabelecimento de sua condenação[2].
Além de sustentar a atipicidade da conduta – tese essa refutada pelo STJ, conforme acima indicado – a defesa tentou afastar a continuidade delitiva no caso em tela. No entanto, essa compreensão também não recebeu guarida do Tribunal. Vejamos as razões.
De acordo com a tese veiculada perante a Corte, a habitualidade delitiva seria verdadeira condição para o crime do art. 218-B do CPB, razão pela qual haveria óbice para o reconhecimento da continuidade. Entretanto, segundo o STJ, os núcleos submeter, induzir, atrair e facilitar, exigem a habitualidade ao exercício da prostituição ou de outra forma de exploração sexual para fins de consumação, o que NÃO OCORRE com o tipo do inciso I do § 2º do artigo 218-B do Código Penal.
Essa é a mesma compreensão de Cleber Masson, para quem “nos núcleos ‘submeter’, ‘induzir’, ‘atrair’ e ‘facilitar’, a consumação se dá no momento em que a vítima passa a se dedicar com habitualidade ao exercício da prostituição ou de outra forma de exploração sexual, ainda que não venha a atender pessoa interessada em seus serviços”, ao passo que o tipo do inciso I do § 1º do artigo 218-B do Código Penal “não reclama a habitualidade no relacionamento sexual entre o agente e a pessoa menor de 18 e maior de 14 anos”[3].
Tema bem interessante, pois – no mesmo dispositivo – temos um crime habitual (caput) e outro não habitual!
Por fim, uma curiosidade bem interessante e “com cara de prova”. Vale registrar que a vulnerabilidade do art. 218-B do CPB é diferente daquela delineada nos arts. 217-A, 218 e 218-A do mesmo diploma, consoante a 5ª Turma do STJ. No crime do art. 218-B do CPB, a vítima é “alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone”.
Em sendo as vítimas maiores de 14 anos e menores de 18, o fato de ter havido consentimento, por si só, não afasta a tipicidade do art. 218-B. No estupro de vulnerável, os vulneráveis são os menores de 14 anos, os enfermos e deficientes mentais e os que não podem opor resistência”, ao passo que “no art. 218-B, cuja titulação também trata de pessoa vulnerável, inclui-se o menor de 18 anos.
De acordo com Bitencourt, “a justificativa para se ampliar o conceito, é o fato de que embora o maior de 14 já esteja apto a manifestar sua vontade sexual, normalmente ele se entrega à prostituição face à péssima situação econômica”, motivo pelo qual “a sua imaturidade em função da idade associada a sua má situação financeira o torna vulnerável”[4].
Espero que tenham gostado! Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Leis Penais Especiais.
[2] REsp 1490891/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 02/05/2018
[3] Código Penal Comentado. 6ª ed. São Paulo: Método, 2018, p. 926/927
[4] Tratado de Direito Penal. Parte Especial. v. 4. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 124.
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