Na mitologia grega, o tempo poderia ser tratado por meio de dois personagens: Chronos e Kairós. A força dos nomes cunhou palavras sentidos diferentes.
Chronos designava uma sequência de tempo, uma sucessão de momentos e instantes, minutos, horas, dias, anos etc, caracterizando o aspecto quantitativo do tempo. Assim, é natural falar em tempo cronológico.
Kairós envolve o momento oportuno, o instante adequado. Trata-se do aspecto qualitativo do tempo. Assim, falar em tempo kairológico pressupõe identificar um momento adequado, especial para uma certa ocorrência.
Estabelecida essa premissa, é notório que o intervalo intrajornada e interjornada do trabalhador deve ser respeitado como um efetivo momento de reposição física e mental, tendo o obreiro o direito à desconexão com o trabalho.
O momento de descanso deve ser valorizado como especial, relevante para essa recuperação, adequado para ela, não podendo ser interrompido ou frustrado pelo empregador. Descabem cobranças fora do horário de trabalho.
Assim, não basta tratar o intervalo como um mero tempo prefixado seguindo uma diretriz cronológica. Sua especial significação e suas finalidades devem ser respeitadas, de modo que o tempo tenha qualidade. O critério kairológico maximiza essa percepção. A desconexão traz qualidade ao tempo.
Ressalte-se que o Tribunal Superior do Trabalho reconhece, em vários casos, direito à indenização por ofensa à desconexão nos intervalos:
INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL. DIREITO À DESCONEXÃO. PERNOITE DENTRO DO CAMINHÃO POR DETERMINAÇÃO DO EMPREGADOR. GARANTIA DA SEGURANÇA DO PATRIMÔNIO PATRONAL. Do acórdão regional é possível extrair que o reclamante pernoitava dentro do caminhão por determinação do empregador, como forma de garantir a segurança daquele patrimônio. (…) Em consequência, restaram agredidos os direitos fundamentais à intimidade, à vida privada (art. 5º, X, da CF/88), ao lazer (art. 6º, da CF/88) e à redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII, da CF/88), refletindo, assim, na violação ao direito à desconexão do trabalhador em relação ao trabalho nos horários destinados ao descanso.” (AIRR-196300-81.2012.5.17.0141, 6ª T., Rel. Des. Conv. Americo Bede Freire, DEJT 28/08/2015).
Aliás, as cobranças patronais fora do horário de expediente também podem caracterizar danos morais. Observe esse julgado:
“DANOS MORAIS. COBRANÇA DE CUMPRIMENTO DE METAS FORA DO HORÁRIO DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. O TRT consignou que ” [a] utilização do Whatsapp para a cobrança de metas, até mesmo fora do horário de trabalho, ficou evidenciada ” – pág. 478. Condutas como esta extrapolam os limites aceitáveis no exercício do poder potestativo (diretivo do trabalho dos empregados) pelo empregador, gerando ao trabalhador apreensão, insegurança e angústia. Nesse contexto, embora o Tribunal Regional tenha entendido pela ausência de ato ilícito apto a ensejar prejuízo moral ao empregado, sob o fundamento de que não havia punição para aqueles que não respondessem às mensagens de cobrança de metas, é desnecessária a prova do prejuízo imaterial, porquanto o dano moral, na espécie, é presumido (in re ipsa) , pressupondo apenas a prova dos fatos, mas não do dano em si. Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e provido ” (RR-10377-55.2017.5.03.0186, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 19/10/2018).
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