A progressiva redemocratização da América Latina, que teve lugar a partir do início da década de 80, fez surgir questões relacionadas às medidas necessárias para a consolidação da democracia, o tratamento do passado e a responsabilização dos autores de graves violações dos direitos humanos praticadas no período ditatorial. Essas medidas constituem a chamada “justiça de transição”, que pode ser definida como o conjunto de mecanismos voltados para o restabelecimento do estado de direito depois de um regime de exceção ou da paz depois de um período de conflitos armados.
Assim, costuma-se afirmar que os pilares da justiça de transição são:
- Memória e verdade (esclarecimento dos eventos relacionados às violações dos direitos humanos);
- Reparação (dos danos sofridos pelas vítimas);
- Reforma das instituições (exclusão dos traços autoritários das instituições, inclusive com a o afastamento daqueles que apoiaram o regime autoritário, o que tem sido chamado de depuração ou lustração);
- Justiça (persecução penal dos violadores de direitos humanos).
- Na América Latina, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) tem desenvolvido importantes parâmetros para a justiça de transição: 1) obrigação de investigar, julgar e punir as graves violações dos direitos humanos; 2) imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade; 3) direito à verdade; e 4) nulidade das leis de anistia.
Esses parâmetros podem ser extraídos de vários casos apreciados pela Corte. No caso Barrios Altos v. Peru, a Corte afirmou que são inválidas as leis de anistia que impliquem impunidade de agentes responsáveis por graves violações de direitos humanos. O mesmo entendimento foi aplicado posteriormente no caso Almonacid Arellano vs. Chile (2006) e no caso La Cantuta vs. Peru (2006).
O Brasil também já teve sua lei de anistia examinada pela Corte IDH. No caso Gomes Lund v. Brasil (caso Guerrilha do Araguaia), restou provado que, com o objetivo de erradicar a Guerrilha do Araguaia, o exército brasileiro empreendeu operações entre 1972 e 1975, resultando no desaparecimento forçado de 62 pessoas. Na oportunidade, a Corte IDH analisou a compatibilidade da Lei n. 6.683/1979 (Lei de Anistia) com as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil à luz da CADH, concluindo que as disposições dessa lei que impedem a investigação e a punição de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos, razão pela qual não podem continuar representando um obstáculo para o cumprimento da obrigação de jus cogens de investigar e punir os responsáveis pelos desaparecimentos forçados.
Convém registrar que o STF, ao julgar a ADPF 153, declarou a constitucionalidade da Lei n. 6.683/1979, assentando que a Lei de Anistia alcançou os crimes praticados pelos agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado de exceção, sendo, portanto, bilateral, ampla e geral (STF, ADPF 153, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2010, publicado em 06/08/2010). Ao julgar o caso Gomes Lund vs. Brasil, a Corte IDH asseverou que o STF não exerceu o controle de convencionalidade e confirmou a validade da interpretação da Lei de Anistia sem considerar as obrigações internacionais do Brasil derivadas do direito internacional.
Posteriormente, a Corte reiterou o seu entendimento no Caso Herzog v. Brasil (2018). O Brasil foi acusado de ser responsável pela situação de impunidade em que se encontram a detenção arbitrária, a tortura e a morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorridas em 25 de outubro de 1975, durante a ditadura militar. A Corte IDH concluiu que o Estado brasileiro violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial (artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos – CADH), o direito de conhecer a verdade (artigos 8 e 25) e o direito à integridade pessoal (art. 5.1). Em consequência, o Brasil foi condenado à obrigação de investigar penalmente os fatos, de adotar medidas de não repetição e de satisfação, de divulgar a sentença e de indenizar os danos materiais e imateriais.
Na ocasião, a Corte Interamericana reafirmou o seu entendimento de que são nulas as disposições de leis de anistia – inclusive a brasileira, como já havia sido declarado no caso Gomes Lund – que impedem a investigação e a sanção de graves violações de direitos humanos. A Corte ainda assentou que as garantias da coisa julgada e do ne bis in idem não se aplicam aos crimes contra a humanidade, e que os crimes dessa natureza são imprescritíveis.
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