Na Justiça do Trabalho, é extremamente comum que pessoas que são testemunhas em um determinado processo de terceiro também sejam autoras de suas próprias demandas contra a mesma empresa.
Nesse ponto, já se consolidou o entendimento de que não existe qualquer suspeição de esse trabalhador atuar como testemunha, porquanto a propositura de uma ação judicial cuida de exercício de direito constitucionalmente protegido.
Aliás, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 357:
“TESTEMUNHA. AÇÃO CONTRA A MESMA RECLAMADA. SUSPEIÇÃO (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Não torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo empregador.”
Admitido esse depoimento como testemunha, surge uma questão interessante: poderiam as declarações desse trabalhador como testemunha serem utilizadas para prejudicá-lo no seu próprio processo?
De fato, ocorre que, algumas vezes, as declarações do trabalhador como reclamante no processo em que é autor divergem substancialmente de suas declarações como testemunha em outro processo. Por exemplo, é comum que o trabalhador tenha, como testemunha, alegado que não fazia horas extras na empresa, mas, de forma contraditória, afirma que laborava em sobrejornada na petição inicial de seu próprio processo.
Assim, os réus juntam as cópias das atas de audiência para indicar a existência de contradição, o que leva diversos juízes a acolher as informações prestadas como testemunhas em desfavor das alegações do trabalhador como autor da ação.
O Tribunal Superior do Trabalho admite essa lógica e entende que não se trata de decisão surpresa. Trata-se de respeito à boa-fé objetiva, vedando comportamentos contraditórios:
“INDEFERIMENTO DE PERGUNTAS À TESTEMUNHA DO RECLAMANTE. ADOÇÃO DE PROVA EMPRESTADA. TESTEMUNHO DO PRÓPRIO TRABALHADOR EM OUTRA AÇÃO. CONTROVÉRSIA SOBRE ALEGADA DECISÃO SURPRESA. (…) 5 – A prova emprestada não era desconhecida pelo reclamante, pois tinha conhecimento do conteúdo de seu próprio depoimento como testemunha em outra ação, ajuizada por colega em face da mesma empresa ora reclamada. 6 – O caso não é de decisão surpresa (“fato não submetido à audiência prévia de uma ou de ambas as partes”, art. 4º, §1º, da IN nº 39/2016), que diz respeito a fatos da causa, e não questões processuais. 7 – Nesse contexto, o TRT consignou os seguintes termos: ‘Registre-se, por oportuno, que não tem procedência a alegativa autoral de que foi posta em surpresa o fato de o Juízo a quo usar depoimento do reclamante ofertado em outro processo. Ora, obviamente, o autor era conhecedor, sim, do depoimento e de suas afirmativas demonstradas na qualidade de testemunha da empresa em processo anterior.’ (…) 9 – Aplica-se o princípio da vedação de comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si, e contrários (venire contra factum proprio). Não se trata de proibição de incoerência, mas de proibição de ruptura da confiança em que se baseia a boa-fé objetiva.” (ARR-495-73.2017.5.13.0030, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 22/05/2020)
Dessa maneira, se o juiz indefere a produção de provas sobre um determinado ponto em relação ao qual o trabalhador já confessou quando fez seu depoimento testemunhal, não há cerceamento de defesa e tampouco se pode alegar decisão surpresa. Logo, não há violação do art. 10 do CPC:
“Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”
Ora, se foi o próprio reclamante que prestou as informações, ainda que em outro processo, tinha perfeita ciência dos dados mencionados e não pode, agora, sustentar posição contrária.
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