Utensílio para plantação de maconha para consumo pessoal NÃO é crime, diz STJ!

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30 de setembro3 min. de leitura

Olá pessoal, tudo certo?

Vamos falar sobre uma importantíssima decisão exarada pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no último dia 14 de setembro de 2021. À unanimidade, o colegiado deliberou não ser possível que determinada pessoa responda pela prática do crime do art. 34 da Lei n. 11.343/2006 quando a posse dos instrumentos configura ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente.

Sabemos que o art. 34 da Lei de Drogas[1] pune basicamente a posse de utensílios, maquinários e equipamentos destinados à fabricação de entorpecentes. Entretanto, o que fora debatido no caso concreto era se seria possível enquadrar no referido tipo alguém que possuísse tais instrumentos empregando-os na finalidade de cultivar plantas destinadas à produção de pequena quantidade de droga para uso pessoal.

Normalmente, os atos preparatórios não são puníveis no âmbito criminal. Essa regra, porém, comporta exceções. Isso ocorrerá quando o próprio legislador entender por tipificar autonomamente a conduta dos atos preparatórios. É justamente isso que ocorre com o art. 34 da Lei de Drogas. Esse tipo penal tem o objetivo de punir os atos preparatórios para o tráfico de drogas (descrito no artigo 33). Justamente por isso, o crime do artigo 34 é absorvido pelo do 33 quando as ações são praticadas no mesmo contexto. Naturalmente, quando se evidenciar de forma autônoma que os equipamentos se destinavam à produção de drogas para o tráfico, o réu poderá perfeitamente responder pelo crime do art. 34[2].

Feitas tais colocações, não obstante haver a autonomia potencial do mencionado delito, a questão é saber se seria possível que o agente responda pela prática do referido delito quando a posse dos instrumentos se configura como ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente?

No julgamento do RHC 135.617/PR, a 6ª Turma analisou essa problemática. De acordo com a Ministra Relatora, Laurita Vaz, apesar de o delito do artigo 34 da Lei 11.343/2006 possa subsistir de forma autônoma, não é possível que o agente responda por esse crime se a posse dos instrumentos constitui ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente, e não ao tráfico. Segundo a decisão, o artigo 28 prevê tratamento mais brando para quem é usuário (advertência, prestação de serviços ou comparecimento a programa educativo), não se justificando punir com mais rigor as ações que antecedem o consumo pessoal. De acordo com a Ministra, “se a própria legislação reconhece o menor potencial ofensivo da conduta do usuário que adquire drogas diretamente no mercado espúrio de entorpecentes, não há como evadir-se à conclusão de que também se encontra em situação de baixa periculosidade o agente que sequer fomentou o tráfico, haja vista ter cultivado pessoalmente a própria planta destinada à extração do óleo, para seu exclusivo consumo”.

Considerando que, nos termos do §1º do art. 28 da Lei de Drogas[3], nas mesmas penas do caput incorre quem cultiva a planta destinada ao preparo de pequena quantidade de substância ou produto (óleo), seria um contrassenso jurídico que a posse de objetos destinados ao cultivo de planta psicotrópica, para uso pessoal, viesse a caracterizar um crime muito mais grave, equiparado a hediondo e punido com pena privativa de liberdade de três a dez anos de reclusão, além do pagamento de vultosa multa. A toda evidência, aquele que cultiva uma planta naturalmente faz uso de ferramentas típicas de plantio, tais como a maior parte dos itens apreendidos no caso (vasos, substrato de plantas, gotejador, lona, hastes de estufa, fibra de coco), razão pela qual se deve concluir que a posse de tais objetos está abrangida pela conduta típica prevista no aludido §1º do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 e, portanto, não é capaz de configurar delito autônomo.

Ou seja, considerando que não há tipo penal específico para sancionar os atos preparatórios destinados à produção de droga para consumo pessoal, diferentemente do que ocorre da destinação para o tráfico (art. 34), e que os atos preparatórios, em regra, não são aptos a ensejar punição, não há falar em crime na hipótese em tela.

Precedente extremamente importante e, com a certeza de que eu estou vivo, ele cairá nas próximas provas! Vale lembrar que a Lei de Drogas é uma das mais relevantes e constantes em provas de concurso público de carreiras jurídicas, tanto da seara estadual, como também da federal.

 

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 

 

 

[1] Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.

 

[2] É possível que o “tráfico de maquinário) se consume de forma autônoma, circunstância na qual [d]eve ficar demonstrada a real lesividade dos objetos tidos como instrumentos destinados à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, ou seja, relevante analisar se os objetos apreendidos são aptos a vulnerar o tipo penal em tela.” (AgRg no AREsp 303.213/SP, Rel. Ministro Marco Aurelio Bellizze, Quinta Turma, DJe 14/10/2013).

[3] Art. 28, § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

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