Virada na jurisprudência do TST: norma coletiva não pode afastar a intervenção obrigatória do OGMO

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28 de janeiro5 min. de leitura

Debate-se se, em havendo negociação coletiva, a norma pode afastar a intervenção obrigatória do OGMO em detrimento da entidade sindical. Em outras palavras, a questão é saber se é juridicamente possível que o sindicato dos trabalhadores, mesmo com a existência do OGMO no local, possa continuar a participar da gestão da mão de obra do trabalho portuário avulso nos portos, mediante a celebração de negociação coletiva para tal, com apoio no parágrafo único do artigo 32 da Lei n.º 12.815/13.

O artigo 32, parágrafo único, da Lei n.º 12.815 de 2013 prevê que “caso celebrado contrato, acordo ou convenção coletiva de trabalho entre trabalhadores e tomadores de serviços, o disposto no instrumento precederá o órgão gestor e dispensará sua intervenção nas relações entre capital e trabalho no porto”. (gn)

O dispositivo acima transcrito prevê expressamente o chamado princípio negocial, que prestigia a negociação coletiva no trabalho portuário. O que diz a literalidade da lei, portanto, é que, em regra, o OGMO deverá ser primordialmente o responsável pela intermediação de mão de obra. Contudo, caso haja norma coletiva em sentido contrário, o responsável pela intermediação será a pessoa que assim dispuser o instrumento coletivo – geralmente é o sindicato.

Mas, atenção! Anteriormente, o TST entendia que era possível que a intermediação da mão de obra do trabalho portuário avulso fosse realizada diretamente pelo sindicato obreiro, com apoio no art. 32, parágrafo único, da Lei 12.815/2013, ainda que existisse OGMO no local. Contudo, a jurisprudência evolui para entender que tal intermediação é exclusiva do OGMO, ainda que haja norma coletiva em sentido contrário.

Sobre o tema, Maurício Godinho Delgado, revendo sua antiga posição, passou a entender que não se compatibiliza com a Constituição de 1988, especialmente com o artigo 8º, incisos II e III, permitir que o sindicato desempenhe a locação e escalação da mão de obra de seus representados – ao menos nos portos em que exista OGMO -, pois, nessa hipótese, despontaria um sério risco de descaracterização da sua principal função (a de defender os direitos e interesses individuais e coletivos da classe trabalhadora), bem como o perigo de que o ente representativo obreiro desenvolvesse interesses potencialmente contrários aos dos próprios trabalhadores envolvidos.

No mesmo feito acima referenciado, prossegue o Ministro afirmando que isso tenderia ao contrassenso de se criar um perverso conflito entre os interesses do sindicato “locador” e os do trabalhador “locado”. Afirma que, embora tenha o sindicato obreiro intermediado a mão de obra avulsa nos portos brasileiros até 1993, sem um evidente comprometimento da função sindical precípua, fato é que, com a Lei nº 8.630/1993, subsequente à Constituição, o Estado Brasileiro tomou uma direção política e legislativa de alterar a organização dos portos, mediante a criação da figura do órgão gestor de mão de obra no seguimento portuário brasileiro (OGMO), cujo o objetivo central foi a profissionalização, especialização e dinamização da administração do fornecimento da mão de obra nos portos.

E o novo marco regulatório do setor portuário brasileiro produziu regras que qualificaram o OGMO como a entidade mais vocacionada a desenvolver a administração do fornecimento da mão de obra, atribuindo-lhe diversas prerrogativas legais, também relacionadas à pretendida modernização dos portos.

Ao OGMO, por exemplo, foram conferidos o poder fiscalizatório e disciplinar por transgressões dos trabalhadores a normas trabalhistas, o dever de promover a formação profissional, bem como o de responder solidariamente pelas verbas trabalhistas devidas pelos Operadores Tomadores de serviços, nos termos do artigo 33 da Lei 12.815 de 2013.
Além disso, a legislação portuária previu a prerrogativa do OGMO de manter o controle do cadastro e da habilitação dos trabalhadores portuários ao desempenho de suas atividades.

É o OGMO também o responsável pelo implemento das condições de segurança e saúde do trabalho nos portos em que atua, dispondo de uma base de sustentação financeira sólida, apta a traduzir uma garantia diferenciada para os trabalhadores desse setor econômico e profissional.

Tendo em consideração todos esses aspectos legais e da estrutura organizacional do OGMO, não é possível concluir, a partir de uma interpretação sistemática e axiológica do parágrafo único do art. 32 da Lei 12.815/2013, que o acordo ou a convenção coletiva de trabalho possa afastar a sua competência ou atribuição legal e exclusiva para gerenciar a intermediação da mão de obra do trabalhador portuário avulso.

De todo modo, vale a pena a leitura da antiga e atualmente superada posição da SDC do TST:

[…] TRABALHO PORTUÁRIO AVULSO. NORMA COLETIVA PREVENDO A INTERMEDIAÇÃO DA MÃO DE OBRA PELO SINDICATO. SINGULARIDADE HISTÓRICA DA CATEGORIA PROFISSIONAL E AUTORIZAÇÃO PREVISTA EM LEI QUANTO À INTERVENIÊNCIA SINDICAL (ART. 32, PARÁGRAFO ÚNICO, DA Lei 12.815/13). O obreiro chamado avulso corresponde à modalidade de trabalhador eventual que oferta sua força de trabalho, por curtos períodos de tempo, em geral a distintos tomadores, sem se fixar especificamente a qualquer deles. A principal distinção percebida entre o trabalhador avulso e o trabalhador eventual, entretanto, é a circunstância de sua força de trabalho ser ofertada, no mercado específico em que atua, por meio de uma entidade intermediária. Esse ente intermediador é que realiza a interposição da força de trabalho avulsa em face dos distintos tomadores de serviço; essa entidade intermediária é que arrecada dos tomadores o montante correspondente à prestação de serviços e perfaz o respectivo pagamento ao trabalhador envolvido. Na tradição histórica brasileira, esse tipo de contratação e intermediação de trabalho existia, essencialmente, no setor portuário, sendo que o sindicato de trabalhadores portuários é que realizava a intermediação de tal mão de obra perante os empresários operadores portuários (empresas exportadoras, empresas importadoras, armazéns portuários em geral, empresas de logística portuária etc.). Vale destacar que os sindicatos dos trabalhadores portuários compõem a vanguarda da estruturação sindical brasileira, uma das primeiras categorias a se organizar dessa forma, ainda na fase de manifestações incipientes e esparsas do Direito do Trabalho, na Primeira República (1889-1930). A posição estratégica que esses obreiros ocupavam no mundo do trabalho (situados em portos marítimos, local de acesso físico relativamente restrito, mas com pioneira e constante receptividade a ideias novas de organização e atuação coletivas vindas do exterior), somada à posição estratégica que o respectivo segmento empresarial detinha na dinâmica da economia (exportação/ importação), tudo amparava a que os avulsos construíssem um dos núcleos mais bem estruturados do sindicalismo brasileiro, com forte poder negocial coletivo e incisiva influência política e institucional. Tais circunstâncias – significativa organização e forte atuação em prol dos interesses da categoria profissional – favoreceram ao sindicato atuar como o intermediador da mão de obra portuária e permitir o funcionamento desse sistema de gestão no transcorrer de longas décadas no País. Desde os anos de 1990, a Lei do Trabalho Portuário daquela época (Lei n. 8.630, de 1993) passou a prever que a interposição dessa força de trabalho seria feita por um órgão de gestão de mão de obra (OGMO, art. 18, Lei n. 8.630/93), considerado de utilidade pública (art. 25, Lei n. 8.630/93) e caracterizado por uma composição diversificada entre os segmentos que atuam no setor portuário (operadores portuários, usuários dos serviços portuários e trabalhadores portuários). Essa nova sistemática foi mantida pela Lei n. 12.815, de 5.6.2013 (conversão da Medida Provisória n. 595, de 6.12.2012), que revogou a Lei n. 8.630/90 (art. 32, caput e incisos I até VII, e art. 39, Lei n. 12.815). Há situações fáticas, entretanto, em que o OGMO não se estruturou no respectivo porto marítimo, preservando-se com o sindicato de trabalhadores a representação e a intermediação da mão de obra avulsa no local. Além disso, o legislador ordinário também reconheceu a singularidade histórica da atuação sindicalista nesse específico segmento diferenciado e permitiu que as entidades representativas dos trabalhadores pudessem continuar a participar da gestão da mão de obra do trabalho portuário avulso nos portos, sem a interveniência do OGMO, se assim fosse estabelecido em contrato, acordo ou convenção coletiva de trabalho celebrado com os tomadores de serviços. É o que prevê expressamente o parágrafo único do art. 32 da Lei 12.815/13, que repetiu a redação do parágrafo único do art. 18 da Lei 8.630/93. A controvérsia dos presentes autos gira em torno da interpretação desse dispositivo legal, ou seja, se a intermediação da mão de obra do trabalho portuário avulso pode, ainda, ser realizada pelo sindicato obreiro. A interpretação gramatical do texto legal, acompanhada do conhecimento histórico dos fatos e fenômenos envolvidos, permite compreender que a atuação do sindicato como intermediador da mão de obra no porto está autorizada pela ordem jurídica. Contudo, explorando ainda mais a Hermenêutica Jurídica, pode-se chegar à mesma conclusão a partir, também, da interpretação teleológica e sistemática da regra reproduzida – conforme razões expostas no corpo desta decisão. Em síntese: existindo previsão em norma coletiva autônoma no sentido de regular a contratação de mão de obra portuária avulsa por intermediação direta do respectivo sindicato profissional, o disposto no instrumento precederá o órgão gestor e dispensará sua intervenção nas relações entre capital e trabalho no porto – conforme expressamente autorizado pelo art. 32, parágrafo único, da Lei 12.815/13. […] (RO-636-89.2018.5.08.0000, SDC, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 26/02/2021).

Bom salientar que a atual posição da SDC, conferindo interpretação sistêmica aos artigos 1º e 13 da Lei nº 9.719/98 e 32, 33, 39, 41 e 43 da Lei nº 12.815/13, firmou-se o entendimento de que o Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO detém competência exclusiva para gerir e intermediar o fornecimento de mão de obra de trabalhador avulso.

Portanto, à luz do exposto, pode-se concluir que, segundo a mais recente posição do Tribunal Superior do Trabalho, é de competência exclusiva do Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO o gerenciamento, a intermediação e o fornecimento de mão de obra de trabalhador portuário avulso.

Portanto, a atual posição da SDC é a de que não é viável, do ponto de vista dos limites da criatividade jurídica da negociação coletiva, transferir, em favor do sindicato obreiro, a atribuição exclusiva do OGMO estabelecida pela legislação portuária, nos portos em que ambos existem e atuam. Por essas razões, reputa-se nula norma coletiva que assim preveja.

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