Consentimento da ofendida e Medida Protetiva da Lei Maria da Penha: Essa “pegadinha” derrubou muita gente na prova de DELTA/RJ!

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Olá pessoal, tudo certo?

Sempre falo em aulas que, dentro das Leis Penais Especiais, uma das principais em certames de carreiras jurídicas estaduais é, indubitavelmente, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), até mesmo porque – em todas essas áreas de atuação prática no âmbito criminal – essa é uma temática recorrente.

Justamente por isso, sempre alerto a necessidade de estar totalmente atualizado com os dispositivos de lei (frequentemente alvo de mudanças e acréscimos), bem como com a evolução jurisprudencial. Em relação a essa legislação, feliz ou infelizmente, o fato é que acompanhar “apenas” os julgados divulgados nos informativos do STF e STJ tem se revelado insuficiente.

É preciso buscar estudar por fontes e aulas atualizadas, cujos autores e professores tenham essa preocupação de aprofundamento com o tema.

Recentemente, na prova de Delegado da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (2022), isso ficou evidenciado. Foi exigido dos candidatos um conhecimento acerca de um tema que JAMAIS foi veiculado em informativo de jurisprudência. Vamos compreender?

Basicamente, a questão narrava uma situação em que o agente tinha tido contra si firmado uma medida protetiva de urgência de afastamento do lar e de aproximação da ofendida[1], sua ex-companheira, após tê-la agredido.

 

[1] Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ; II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III – proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios. VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e  (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020) VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020) 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público. § 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso. § 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial. § 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

[2] Acórdão 1245366, 00057834720188070009, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 23/4/2020, publicado no PJe: 6/5/2020.

Entretanto, em razão de a filha deles estar ardendo de febre, ela mesma ligou para ele, chamando-o a sua casa e autorizando seu ingresso. Eles se desentenderam e houve uma discussão. A questão trazia assertivas para o candidato assinalar a CORRETA, de acordo com a JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

A grande polêmica envolvia duas assertivas. A assertiva constante no enunciado “C” indicava que o fato seria ATÍPICO, ao passo que o constante no enunciado “E” apontava que ele deveria ser responsabilizado pelo crime do art. 24-A da Lei Maria da Penha:

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. § 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. § 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. § 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)

O problema é que alguns Tribunais de Justiça entendem que o consentimento da vítima NÃO tem o condão de afastar o caráter criminoso do fato, o que sugeriria a resposta da assertiva da letra E. É, por exemplo, o caso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Vejamos:

“(…) a alegação de atipicidade da conduta referente ao crime de descumprimento de medida protetiva de urgência também não merece prosperar. O tipo penal do artigo 24-A da Lei nº 11.340/2006 visa à proteção da mulher de forma indireta, sendo que o objeto jurídico protegido é a manutenção do respeito às decisões judiciais, SENDO O SUJEITO PASSIVO, PRIMEIRAMENTE, A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. A doutrina aponta requisitos para a aplicação do consentimento do ofendido como causa supralegal de exclusão da antijuridicidade, os quais se situam nos seguintes grupos: a) liberdade no consentir; b) capacidade para consentir (compreensão do consentimento); e c) disponibilidade do bem jurídico exposto a perigo de lesão.(…) E, evidenciados os requisitos, verifica-se, de início, que O BEM JURÍDICO TUTELADO PELO CRIME DO ARTIGO 24-A DA LEI Nº 11.340/2006 É INDISPONÍVEL, uma vez que se refere, primeiramente, à Administração da Justiça, e apenas secundariamente à proteção da vítima (…). E, em sendo indisponível o bem jurídico tutelado pela norma penal, não cabe a aplicação do instituto do consentimento da ofendida. Assim, enquanto vigentes as medidas protetivas impostas em favor da ofendida, era obrigação do recorrente cumpri-las, a fim de assegurar a integridade física da vítima”[2].

determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso. § 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial. § 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

[1] Acórdão 1245366, 00057834720188070009, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 23/4/2020, publicado no PJe: 6/5/2020.

ATENÇÃO! A questão exigia do candidato a demonstração de conhecimento da orientação do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA! E, nessa toada, o mencionado Tribunal Superior tem compreensão sólida no sentido de que ainda que efetivamente tenha o acusado violado cautelar de não aproximação da vítima, isto se deu com a autorização dela, de modo que não se verifica efetiva lesão e falta inclusive ao fato dolo:

HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA (ART. 24-A DA LEI N. 11.340/06). ABSOLVIÇÃO. APROXIMAÇÃO DO RÉU DA VÍTIMA. CONSENTIMENTO DA OFENDIDA. AMEAÇA OU VIOLAÇÃO DE BEM JURÍDICO TUTELADO. AUSENTE. MATÉRIA FÁTICA INCONTROVERSA. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. A intervenção do direito penal exige observância aos critérios da fragmentariedade e subsidiariedade. 2. Ainda que efetivamente tenha o acusado violado cautelar de não aproximação da vítima, isto se deu com a autorização dela, de modo que não se verifica efetiva lesão e falta inclusive ao fato dolo de desobediência. 3. A autorização dada pela ofendida para a aproximação do paciente é matéria incontroversa, não cabendo daí a restrição de revaloração probatória. 4. Ordem concedida para restabelecer a sentença absolutória (HC 521.622/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 22/11/2019).

No caso acima apontado, o STJ restabeleceu o entendimento do juízo sentenciante acerca da atipicidade da conduta em razão do consentimento da vítima para que o réu se aproximasse, descumprindo ordem judicial.

Particularmente, eu não acho que deveria ser fato ATÍPICO, por enxergar uma excludente supralegal de ilicitude. Mas essa é a orientação do STJ e, portanto, era a orientação a ser seguida na prova.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Vamos em frente!

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