Atuação do Juízo ad quem no julgamento da apelação em sede de Tribunal do Júri na hipótese do art. 593, III, d, do CPP! Recente e importante decisão do STJ!

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17 de setembro4 min. de leitura

Olá pessoal, tudo certo?

Vamos falar de um tema importantíssimo e que despenca em prova: sistema recursal no âmbito do Tribunal do Júri. A apelação, no procedimento especial do júri, é um recurso de fundamentação vinculada, ou seja, nem todas as matérias fáticas e jurídicas podem ser arguidas. Objetivamente, os temas que comportam o apelo nessa área estão regulados no dispositivo a seguir transcrito:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: III – das decisões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança; d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. 

O objeto do presente texto focará essencialmente na alínea “d” supradestacada. De acordo com o entendimento sufragado no último dia 24 de agosto de 2021, no julgamento pela 5ª Turma do STJ do AREsp 1.803.562/CE, a conclusão do colegiado foi no sentido de que, quando a apelação contra a sentença condenatória é interposta com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP, o Tribunal tem o dever de analisar se existem provas de cada um dos elementos essenciais do crime, ainda que não concorde com o peso que lhes deu o júri.

Sobre essa hipótese recursal, de há muito a doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores caminham no sentido de que a anulação da sentença, nessa hipótese, somente é cabível quando a conclusão dos jurados estiver completamente dissociada dos elementos de prova dos autos. Ou seja, quando não houver qualquer elemento probatório que confira supedâneo à tese agasalhada no veredicto. Caso contrário, se o júri tiver apenas optado por uma das versões discutidas em plenário (e amparadas nas provas então produzidas), será válida sua decisão, mesmo que o juiz togado com ela não concorde[1].

No voto condutor do recente julgado ora analisado, o Ministro Ribeiro Dantas (Relator) asseverou que a “tese central que proponho é de fácil assimilação: penso que o veredito
condenatório manifestamente contrário ao conjunto probatório é o proferido sem que exista prova capaz de demonstrar, individualmente, cada um dos elementos essenciais do crime – isto é, de cada factum probandum isoladamente considerado. Aferir a existência das provas é tarefa que cabe ao Tribunal Estadual ou Regional, quando aprecia a apelação do art. 593, III, “d”, do CPP. Se a Corte local não for capaz de apontar tais provas, ou seu acórdão é omisso (nulo, portanto), ou o veredito condenatório deve ser cassado por falta de provas, ainda que o aresto recorrido o tenha mantido incólume”.

Dizendo de outra forma, o órgão julgador do recurso deverá examinar as provas existentes e, caso rejeite a tese defensiva, demonstrar quais elementos probatórios dos autos embasam (a) a materialidade e (b) autoria delitivas, bem como (c) a exclusão de alguma causa descriminante suscitada pela defesa. Objetivamente, haveria dois juízos distintos feitos pelo julgador recursal ao se debruçar sobre as provas que embasam uma condenação por crime doloso contra a vida. Vejamos:

 

Compreendido isso, no caso dos crimes da competência do júri (dolosos contra a vida), aos juízes togados, quando apreciam a apelação do art. 593, III, “d”, do CPP, cabe somente o juízo antecedente; o juízo consequente compete ao júri. A cognição judicial encerra-se com o primeiro juízo, o da existência das provas: se positivo, a apelação deve ser desprovida, porque não incumbe ao Tribunal prosseguir ao juízo consequente; se negativo, quando o veredito for completamente dissociado das provas, a sentença é anulada.

Mencionada pelo Relator, a doutrina de Kazuo Watanabe vai anotar, sobre a soberania dos veredictos que “numa sistematização mais ampla, a cognição pode ser vista em dois planos
distintas: horizontal (extensão, amplitude) e vertical (profundidade). No plano horizontal, a cognição tem por limite os elementos objetivos do processo estudados no capítulo precedente (…). Nesse plano, a cognição pode ser plena ou limitada (ou parcial) segundo a extensão permitida. No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta)”[1]. Assim, quando estamos analisando uma apelação cujo ponto nevrálgico é a alegação de contrariedade do veredicto com as provas dos autos (dimensão horizontal da cognição, ou a delimitação do objeto sobre o qual será exercida), caberá ao órgão julgador perquirir a (in)existência de provas capazes de conferir arrimo conclusivo ao teor do julgamento. Trata-se de uma cognição parcial, no aspecto horizontal – já que a apelação contra sentença do tribunal do júri é de fundamentação vinculada; e, no plano vertical, embora não seja sumária, também não é exauriente, limitando-se a constatar se existem provas relativas à tese acatada pelos juízes leigos.

Nesse caminhar, é possível – e correto – concluir que ao julgar a apelação fundada no art. 593, III, “d”, do CPP, o Tribunal precisa indicar as provas de cada elemento essencial do crime que dão suporte à versão aceita pelos jurados. Caso se revele ausente, no acórdão, a demonstração de que algum elemento tem respaldo probatório mínimo, hás duas possibilidades distintas: (i) ou o arresto é nulo, por deficiência de fundamentação, já que se omitiu sobre alguma prova existente e importante; (ii) ou o veredito deve ser anulado, porque a Corte de origem não foi capaz de localizar prova de determinado elemento essencial do delito.

 

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 

 

[1] Da cognição no processo civil. 2. ed. São Paulo: Bookseller, 2000, p. 111-112

 

[1] (…) 4. À instituição do júri, por força do que dispõe o artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea ‘c’, da Constituição da República, é assegurada a soberania de veredictos. 5. O artigo 593, inciso IV, alínea ‘d’, do Código de Processo Penal, autoriza que, em sendo a decisão manifestamente contrária à prova dos autos, ou
seja, quando os jurados decidam arbitrariamente, dissociando-se de toda e qualquer evidência probatória, é de ser anulado o julgamento proferido pelo Tribunal Popular. 6. Oferecidas aos jurados vertentes alternativas da verdade dos fatos, fundadas pelo conjunto da prova, mostra-se inadmissível que o Tribunal de Justiça, quer em sede de apelação quer em sede de revisão criminal, desconstitua a opção do Tribunal do Júri – porque manifestamente contrária à prova dos autos – sufragando, para tanto, tese contrária. (…) (REsp 220.188/MG, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 16/8/2001, DJ 4/2/2002).

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