Breves considerações sobre os efeitos práticos e concretos do indiciamento no inquérito policial

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Por Bruno Fontenelle Cabral | Jus.com.br
Inicialmente, pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas, que o indiciamento é um dos institutos menos estudados e mais menosprezados do Direito Processual Penal. No entanto, o indiciamento representa uma etapa importante do inquérito policial, pois tem o sentido de demonstrar a culpabilidade do investigado por meio do levantamento de indícios de autoria e materialidade colhidos durante o andamento do inquérito policial. Assim sendo, o indiciamento constitui o momento da investigação em que a autoridade policial, convencida de que há indícios suficientes de que o investigado praticou a infração penal, resolve alterar o status do investigado, que passa a ser indiciado no inquérito policial. Inicialmente, o CPP estabeleceu, em seu art. 239, que indício é a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outras circunstâncias. Por desconhecimento, muitos autores afirmam, equivocadamente, que o indiciamento é um ato administrativo sem qualquer repercussão jurídica e moral na vida do investigado. No entanto, conforme veremos a seguir, o indiciamento possui diversos efeitos.[1]
O primeiro efeito prático e concreto do indiciamento é a identificação do indiciado e juntada aos autos de sua folha de antecedentes criminais, por força do disposto no art. 6º, VIII, do CPP, que assim estabelece: “VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes”. O art. 6º, VIII, do CPP, refere-se apenas à identificação pelo processo datiloscópico. No entanto, tal dispositivo deverá ser interpretado à luz do art. 5º, LVIII, da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe: “o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”. Além disso, a folha de antecedentes criminais é a ficha em que consta a vida pregressa criminal de todas as pessoas que já possuam identificação criminal. Tais anotações têm caráter permanente, fazendo com que o juiz tome conhecimento de tudo que se passou na vida do investigado.[2]
O segundo efeito prático e concreto do indiciamento é a averiguação da vida pregressa do indiciado, por força do disposto no art. 6º, IX, do CPP, que assim estabelece: “averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.”. O Delegado de Polícia deverá, além de levantar a folha de antecedentes do indiciado, obter dados relevantes acerca de seu passado no contexto individual, familiar, social e econômico.[3]
O terceiro efeito prático e concreto do indiciamento, que depende de ordem judicial, é a proibição do indiciado de se ausentar do país e a entrega do passaporte. Tal medida encontra-se prevista no art. 320 do CPP. Eis o que dispõe o mencionado artigo: “Art. 320. A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas”. [4]
O quarto efeito concreto e prático do indiciamento é a cassação da autorização de posse e de porte de arma de fogo a quem seja imputada a prática de crime doloso. Tal efeito encontra-se disposto no art. 67-A, do Decreto nº 5.123, de 2004, que passou a vigorar com a seguinte redação: [5]

“Art. 67-A.  Serão cassadas as autorizações de posse e de porte de arma de fogo do titular a quem seja imputada a prática de crime doloso.
§ 1o  Nos casos previstos no caput, o proprietário deverá entregar a arma de fogo à Polícia Federal, mediante indenização na forma do art. 68, ou providenciar sua transferência no prazo máximo de sessenta dias, aplicando-se, ao interessado na aquisição, as disposições do art. 4o da Lei no 10.826, de 2003.
§ 2o  A cassação da autorização de posse ou de porte de arma de fogo será determinada a partir do indiciamento do investigado no inquérito policial ou do recebimento da denúncia ou queixa pelo juiz.
§ 3o  ”Aplica-se o disposto neste artigo a todas as armas de fogo de propriedade do indiciado ou acusado.” (NR)

O quinto efeito concreto e prático do indiciamento é o afastamento do servidor público do exercício de suas funções no caso de indiciamento pela prática de lavagem de dinheiro. Tal efeito encontra-se previsto na atual redação da Lei nº 9.613/98, no seu artigo 17-D, que estabelece que “em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno”. Tal afastamento deverá ser comunicado por meio de ofício assinado pelo Delegado de Polícia e dirigido ao chefe da repartição do servidor a ser afastado do exercício de suas funções.[6]
O sexto efeito prático e concreto do indiciamento é o registro dessa informação nos bancos de dados policiais. Além disso, tal informação constará da folha de antecedentes criminais (FAC). Ou seja, o indiciamento traz o registro do nome do cidadão nos Institutos de Identificação, tornando-se, assim, público o ato de investigação. Na Folha de Antecedentes Criminais – FAC constará todos os dados do indivíduo consultado ligado à prática de infração penal, em relação a inquéritos arquivados, indiciamentos, suspensão do processo, cujo acesso é sigiloso e restrito. Por fim, é importante lembrar que a principal distinção da Folha de Antecedentes Criminais (FAC) e do Atestado de Antecedentes Criminais ou Certidão de Antecedentes Criminais (CAC) é que na CAC apenas pode constar as sentenças condenatórias transitadas em julgado e na FAC consta tudo relacionado ao cidadão consultado.[7]
O sétimo efeito prático e concreto do indiciamento se materializa na repercussão moral do ato na vida dos cidadãos. O indiciamento, embora não seja uma sentença condenatória, é responsável por grande abalo moral para autoridades públicas, dirigentes de grandes corporações e, até mesmo, cidadãos comuns. Em decisão proferida no INQ 2.041, o ministro Celso de Mello reconheceu as repercussões morais do indiciamento:[8]

“O indiciamento de alguém, por suposta prática delituosa, somente se justificará, se e quando houver indícios mínimos, que, apoiados em base empírica idônea, possibilitem atribuir-se, ao mero suspeito, a autoria do fato criminoso. Se é inquestionável que o ato de indiciamento não pressupõe a necessária existência de um juízo de certeza quanto à autoria do fato delituoso, não é menos exato que esse ato formal, de competência exclusiva da autoridade policial, há de resultar, para legitimar-se, de um mínimo probatório que torne possível reconhecer que determinada pessoa teria praticado o ilícito penal. O indiciamento não pode, nem deve, constituir um ato de arbítrio do Estado, especialmente se se considerarem as graves implicações morais e jurídicas que derivam da formal adoção, no âmbito da investigação penal, dessa medida de Polícia Judiciária, qualquer que seja a condição social ou funcional do suspeito. Doutrina. Jurisprudência” (DJU de 6.10.2003, Informativo 323).

Por todo o exposto, sem a menor pretensão de se esgotar o tema em análise, conclui-se que os efeitos práticos e concretos do indiciamento são os seguintes:
1.Identificação do indiciado e juntada aos autos do inquérito policial de sua folha de antecedentes criminais, por força do disposto no art. 6º, VIII, do CPP;
2.Averiguação da vida pregressa do indiciado, por força do disposto no art. 6º, IX, do CPP;
3.Proibição do indiciado de se ausentar do território nacional e a obrigação de entrega do passaporte no prazo de 24 horas, desde que haja ordem judicial neste sentido. (art. 320 do CPP);
4.Cassação da autorização de posse e de porte de arma de fogo do indiciado pela prática de crime doloso, por força do disposto no art. 67-A, do Decreto nº 5.123, de 2004;
5.Afastamento do servidor público indiciado do exercício de suas funções, sem prejuízo de sua remuneração, no caso de indiciamento pela prática de lavagem de dinheiro, por força do disposto no art. 17-D da atual redação da Lei nº 9.613/98;
6.Registro do nome do indiciado nos bancos de dados dos Institutos de Identificação, tornando-se, assim, público o ato de investigação;
7.Repercussão moral na vida do investigado, o que pode causar grande “abalo moral” qualquer que seja a condição social ou funcional do indiciado (INQ 2041 – Ministro Celso de Mello).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 5.123, de 1º de Julho de 2004. Regulamenta a Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – SINARM e define crimes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5123.htm>. Acesso em: 8 ago. 2016.
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012. Altera a Lei no 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12683.htm>.Acesso em: 8 ago. 2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo nº 323 do STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo323.htm>. Acesso em: 08 ago. 2016.
CABRAL, Cabral, Bruno Fontenele. Certidão de antecedentes criminais e novo art. 20, parágrafo único, do CPP. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3368, 20 set. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/22651>. Acesso em: 8 ago. 2016.
CABRAL, Cabral, Bruno Fontenele. Indiciamento no inquérito policial. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2963, 12 ago. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/19742>. Acesso em: 8 ago. 2016.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 13ª Ed. Rio de janeiro: Forense, 2014.


NOTAS:

[1] CABRAL, Cabral, Bruno Fontenele. Indiciamento no inquérito policial. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2963, 12 ago. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/19742>. Acesso em: 8 ago. 2016.
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 13ª Ed. Rio de janeiro: Forense, 2014.
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 13ª Ed. Rio de janeiro: Forense, 2014.
[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 13ª Ed. Rio de janeiro: Forense, 2014.
[5] BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 5.123, de 1º de Julho de 2004. Regulamenta a Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – SINARM e define crimes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5123.htm>. Acesso em: 8 ago. 2016.
[6] BRASIL. Presidência da República. Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012. Altera a Lei no 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12683.htm>. Acesso em: 8 ago. 2016.
[7] CABRAL, Cabral, Bruno Fontenele. Certidão de antecedentes criminais e novo art. 20, parágrafo único, do CPP. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3368, 20 set. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/22651>. Acesso em: 8 ago. 2016.
[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo nº 323 do STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo323.htm>. Acesso em: 08 ago. 2016.
 



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