Decisão da 5ª Turma do STJ fragiliza o entendimento da 3ª Seção da Corte? Qual o impacto do novo entendimento no dia a dia processual?

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23 de abril4 min. de leitura

Olá pessoal, tudo certo?

Já tivemos a oportunidade de falar aqui mesmo no blog e em nossas aulas que, desde a vigência da Lei Anticrime, diversas polêmicas passaram a ser travadas no ambiente doutrinário e, logicamente, também no jurisprudencial. Um dos tópicos que salientávamos era justamente a manutenção ou não do entendimento anteriormente consagrado nos Tribunais Superiores, mesmo na vigência da Lei 12.403/2011, quanto à manutenção da possibilidade de conversão da prisão em flagrante em preventiva de ofício – ou seja, sem representação ou requerimento do Delegado de Polícia e do membro do Ministério Público, respectivamente.

Esse entendimento era pacífico nos Tribunais, apesar de criticado fortemente por parcela significativa da doutrina, que enxergava nessa possibilidade uma violação ao contraditório. Entretanto, com o pacote anticrime e o processo por mim chamado de densificação do sistema acusatório, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal e a 5ª Turma do STJ passaram a entender não mais fazer sentido lógico admitir a conversão do flagrante em preventiva de ofício.

Entretanto, ao longo de todo o ano de 2020, a 6ª Turma do STJ insistia em manter o seu entendimento outrora consolidado, anotando que seria peculiar e admitida a situação em que o juiz converte, por força de comando legal, a prisão em flagrante em alguma(s) medida(s) cautelar(es) de natureza pessoal, inclusive a prisão preventiva, porquanto, nesta hipótese, regulada pelo art. 310 do CPP, o autuado já foi preso em flagrante delito e é trazido à presença da autoridade judiciária competente, após a lavratura de um auto de prisão em flagrante, como determina a lei processual penal, para o controle da legalidade e da necessidade da prisão, bem como da observância dos direitos do preso, especialmente o de não sofrer coação ou força abusiva pelos agentes estatais responsáveis por sua prisão e guarda. Não haveria em tal situação, uma atividade propriamente oficiosa do juiz, porque, a rigor, não apenas a lei obriga o ato judicial, mas também, de um certo modo, há o encaminhamento, pela autoridade policial, do auto de prisão em flagrante para sua acurada análise, na expectativa, derivada do dispositivo legal (art. 310 do CPP), de que o juiz, após ouvir o autuado, adote uma das providências ali previstas, inclusive a de manter o flagranciado preso, já agora sob o título da prisão preventiva[1].

Entretanto, finalmente, em 24 de fevereiro de 2021, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça – que reúne os Ministros da 5ª e 6ª Turma – se alinhou ao entendimento da impossibilidade, invalidando a conversão automática feita pelo Judiciário, após prisão de suspeito em flagrante (RHC 131.263[2]).

Para a maioria dos Ministros, mesmo que o inciso II do artigo 310 do CPP, que trata da audiência de custódia, permita converter a prisão em flagrante em preventiva se presentes os requisitos do artigo 312 e se outras cautelares se revelarem insuficientes, é preciso que haja alguma representação. A não ocorrência da audiência de custódia por qualquer razão ou eventual ausência do representante do Ministério Público NÃO AUTORIZA que o juiz converta a prisão sem que haja o pedido — pedido este que, inclusive, pode ser formulado independentemente da audiência. A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz do art. 282, § 2º e do art. 311, significando que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP.

Beleza, Pedro! Mas por que você disse que havia uma decisão da 5ª Turma que poderia fragilizar esse entendimento?

Calma, chegaremos lá. É que o referido colegiado se reuniu em 11 de março de 2021 – menos de 1 mês da decisão da 3ª Seção – e, julgando à unanimidade o AgRg RHC 136.708/MS, concluiu que o posterior requerimento da autoridade policial pela segregação cautelar ou manifestação do Ministério Público favorável à prisão preventiva suprem o vício da inobservância da formalidade de prévio requerimento.

Segundo o entendimento da 5ª Turma, em relação à decretação de prisão preventiva oficiosamente no caso concreto, o posterior requerimento da autoridade policial pela segregação cautelar ou manifestação do Ministério Público favorável à medida cautelar extrema suprem o vício da inobservância da formalidade de prévio requerimento, corroborando a higidez do feito e ausência de nulidade processual. Na situação específica, embora na homologação da prisão em flagrante e sua posterior conversão em custódia preventiva não se tenha observado a formalidade de prévio requerimento pela autoridade policial ou ministerial, em momento posterior, qual seja, 4 dias após, houve o requerimento da autoridade policial pela decretação da prisão preventiva, evidenciando-se a higidez do feito, de modo que não se configura nenhuma nulidade passível de correção, observado, pois, o devido processo legal[3].

De acordo com o voto do Ministro Relator (Felix Fisher), “a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a dignidade da pessoa humana como ponto nuclear das suas diretrizes principiológicas e programáticas, reverenciando-a, no âmbito penal, na responsabilização por conduta penalmente imputável como decorrência da estrita observância das garantias constitucionais que as concretizam, tornando justo e legítimo o decreto condenatório. Nesta esteira, sem esgotá-los, destacam-se os princípios que dignificam a responsabilização penal definitiva: reserva legal (art. 5º, II), juízo natural (art. 5º, XXXVII, legalidade (art. 5º, XXXIX), devido processo legal (art. 5º, LIV), contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV), legalidade das provas (art. 5º, LVI) e segurança jurídica (art. 5º, XXXVI). Nesse aspecto, o desrespeito das normas que promovem o devido processo legal implica, em regra, nulidade do ato nas hipóteses de descumprimento da sua finalidade e da ocorrência de efetivo e comprovado prejuízo, segundo orientação dos princípios pas de nullité sans grief e da instrumentalidade.

E, no entendimento que se sagrou prevalecente na Corte, havendo posterior representação da autoridade policial ou requerimento do membro do Ministério Público, o vício do comportamento ativo oficioso do magistrado estaria superando “evidenciando-se a higidez do feito, de modo que não se configura nenhuma nulidade passível de correção, observado, pois, o devido processo legal”.

Dessa maneira, apesar de mantido o entendimento da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no sentido de impossibilidade de conversão do flagrante em preventiva de ofício, se tal ocorrer, basta que autoridade policial ou membro do Ministério Público providencie representação ou requerimento posterior para convalidar o ato e superar a alegação de vício do procedimento adotado.

Entendimento bastante polêmico, mas que tende (aqui é mera especulação) em minha opinião a prevalecer também na 6ª Turma. Aguardemos as novidades!

Espero que vocês tenham gostado!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

[1] HC 583.995/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/09/2020.

[2] STJ, 3ª Seção, RHC 131263, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/02/2021.

[3] AgRg no RHC 136.708/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/03/2021.

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