Conforme já se sabe, a Lei n. 13.491/2017,ao alterar o art. 9º do CPM, trouxe dois eixos muito claros, a saber, a redefinição de crime militar, conceito agora mais abrangente, e a pormenorização da competência da Justiça Militar da União – ou do órgão da Justiça Militar da União, conforme a interpretação – nos crimes militares dolosos contra a vida de civis.
O primeiro eixo mencionado é encontrado na alteração da cabeça do inciso II do art. 9º do CPM, que passou a considerar crimes militares não só os previstos neste mesmo Código Castrense, mas também os da legislação penal, nas hipóteses trazidas pelas alíneas do referido inciso.
Essa compreensão alcança algumas possibilidades incriminadoras da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, com seus crimes ambientais.
Note-se, não se está a defender que todo crime ambiental pode ser crime militar, mas não se pode afastar a possibilidade de que alguns dos tipos penais previstos na mencionada Lei podem ser praticados nas condições enumeradas nas alíneas do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar e, dessa maneira, serem considerados crimes militares.
É o que pode ocorrer, por exemplo, com o crime previsto no art. 32 da Lei n. 9.605/ 1998, verbis:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Imagine-se um caso em que o militar integrante de um Regimento de Cavalaria da Polícia Militar mutile o animal sob seus cuidados, podendo ter sua conduta subsumida no tipo penal acima transcrito e, ainda, combinada na alínea “e” do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar, configurando-se um crime militar extravagante.
Tomando-se essa realidade, surge um ponto intrigante a ser investigado: Quais dispositivos de Parte Geral devem ser aplicados nos crimes militares ambientais? Do Código Penal comum, do Código Penal Militar ou da própria Lei n. 9.605/1998?
Na abordagem sobre a aplicação da Parte Geral, deve-se buscar uma “análise por eclusa”, partindo-se de uma premissa estabelecida pelo art. 12 do CP, segundo o qual as “regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”.
É dizer, por outras letras, que qualquer lei brasileira que possua tipos penais incriminadores deverá ter por aplicação a Parte Geral do CP, salvo se esta própria lei dispuser de maneira diversa.
Como exemplo dessa possibilidade, tome-se o conceito de reincidência para os crimes ambientais. O art. 63 do CP define o reincidente como aquele que “comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”, tendo-se ainda em conta o período depurador e excluindo-se os crimes políticos e propriamente militares (art. 64 do CP), idealizando um conceito genérico de reincidência.
Mas esta é a primeira etapa, a primeiro estágio ou nível da eclusa, devendo-se seguir adiante.
No caso de uma lei que traga tipos penais incriminadores mas que também possua seus próprios dispositivos de “Parte Geral”, estes são aplicados em lugar daqueles trazidos pelo Código Penal comum.
É justamente o que ocorre com o Código Penal Militar que possui seus crimes em espécie, mas possui toda uma Parte Geral definida do art. 1º até o art. 135, portanto, o conceito de reincidência em crime militar não é buscado do art. 63 do CP, mas do art. 71 do CPM, segundo o qual, verifica-se a reincidência “quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”, também tendo-se em conta o período depurador, mas há de se notar que apenas não de tomam para efeito de reincidência os crimes anistiados (art. 71, § 2º, CPM).
Esta regra de Parte Geral do CPM é aplicada para a persecução dos crimes militares, por força do disposto no já mencionado art. 12 do Código Penal comum e, também, do art. 17 do Código Penal Militar, que sacramenta que as “regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei penal militar especial, se esta não dispõe de modo diverso. […]”.
Chegamos ao segundo nível da eclusa.
Na sequência temos a Lei dos Crimes Ambientais que traz um sistema repressivo próprio, com uma ratio peculiar, uma lógica sistêmica que, sugere-se, deve ser mantida também quando se tratar de crime militar.
Ainda seguindo o exemplo da norma de Parte Geral definidora da reincidência, o art. 15, I, da Lei n. 9.605/1998 considera como circunstância agravante apenas a reincidência em crimes de natureza ambiental, inovando o conceito de reincidência dos Códigos Penais anteriormente mencionados.
Neste caso, qual o conceito de reincidência deve prevalecer em um crime militar ambiental?
Claro, ainda não há uma firme posição jurisprudencial a ser seguida, por conta até de ser a Lei n. 13.491/2017 recente no cenário normativo pátrio, mas ousa-se sugerir que o art. 17 do CPM, ao dispor “lei penal militar especial” possa direcionar, conduzir, a interpretação no sentido de prevalência da norma mais específica, deixando hígido o sistema repressivo idealizado neste caso.
Em outros termos, embora não seja a Lei n. 9.605/1998 propriamente uma “lei penal militar especial”, funciona como se fosse, após a Lei n. 13.491/2017, como portadora de um crime militar veiculado por lei penal especial, fora do Código Penal Militar e, portanto, pode seguir a mesma lógica, de maneira que, no momento da aplicação da pena, na segunda fase, quando se valoram as circunstâncias agravantes, caso da reincidência, em se tratando de crime militar ambiental, deve prevalecer a regra do art. 15, I, da Lei n. 9.605/1998, chegando ao terceiro estágio da eclusa.
De outro giro, não havendo regra específica de Parte Geral na Lei dos Crimes Ambientais – ex.: doutrina do erro, excludentes de ilicitude, crime impossível etc. –, sustentamos que deva ser aplicada a regra vigente, quando se tratar de crime militar ambiental, no Código Penal Militar e não no Código Penal comum, ou seja, estaremos no segundo estágio da eclusa.
Trabalhemos um exemplo atrelado à prescrição, mais uma vez com o foco no crime do art. 32 da Lei dos Crimes Ambientais.
Imaginemos que já estamos trabalhando com a hipótese de prescrição da pretensão punitiva com a pena em concreto, fixada em 8 meses de detenção, levando, portanto, o cálculo prescricional à consideração de uma pena inferior a um ano.
Neste caso, aplicando-se a regra do Código Penal comum, pelo inciso VI do art. 109, a prescrição ocorreria em três anos, mas, aplicando-se a regra do inciso VII do art. 125 do Código Penal Militar, não alterado pela Lei n. 12.234, de 5 de maio de 2010, a prescrição ocorreria em dois anos.
Como se trata de crime militar, ainda que extravagante, não havendo regra própria na Lei n. 9.605/1998, aplicando-se o art. 12 do Código Penal comum, sua regra mais genérica dará lugar à regra mais específica do Código Penal Militar, o segundo nível da eclusa.
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