É necessário ter autorização judicial para captação ambiental no interior do quartel em feito de polícia judiciária militar?

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05 de julho6 min. de leitura

A captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos consiste em meio de obtenção de prova que estava nominada no art. No inciso II do art. 3º da Lei n. 12.850/2013, que trata das organizações criminosas.

Todavia, o dispositivo indicado apenas mencionava os pormenores da captação ambiental, o que somente ocorreu com o advento da Lei n. 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), que acresceu o art. 8º-A na Lei n. 9.296/1996, que originariamente tratava da interceptação telefônica, com o seguinte teor:

Art. 8º-A. Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando:

I – a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e

II – houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas.

§ 1º O requerimento deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma de instalação do dispositivo de captação ambiental.

§ 2º (VETADO).

§ 3º A captação ambiental não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por decisão judicial por iguais períodos, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou continuada.

§ 4º (VETADO).

§ 5º Aplicam-se subsidiariamente à captação ambiental as regras previstas na legislação específica para a interceptação telefônica e telemática

De partida, tenha-se que este meio de obtenção de prova é perfeitamente possível de ser utilizado na persecução criminal militar (investigações e processos), posto não haver nenhuma restrição nas leis indicadas e com a sempre possível regra – que possui exceções – de absorção de normas de processo penal comum pelo processo penal militar, com arrimo na alínea “a” do art. 3º do CPPM.

Assim, como medida possível na investigação criminal militar, cabe discutir se as peculiaridades da caserna (alojamentos coletivos, ambientes de convívio aberto de tropa etc.) tornariam desnecessária um autorização judicial para a captação de comunicação em ambiente físico.

Para compreender a questão, impõe-se analisar em quais situações a captação de comunicação podem ser consideradas lícitas na persecução criminal, o que não se consegue fazer sem compreender as espécies de comunicação – para estes fins – e de captação, com seus meios de obtenção. No curso dessa explanação, já será inserida a compreensão sobre a necessidade ou não de autorização judicial.

A primeira possibilidade a ser estudada está na comunicação telefônica, que, frise-se, abrange “não apenas a conversa por telefone, mas também a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia, estática, ou móvel (celular). Por conseguinte, é possível a interceptação de qualquer comunicação via telefone, conjugada ou não com a informática, o que compreende aquelas realizadas direta (fax, modens) e indiretamente (internet, e-mail, correios eletrônicos” (LIMA. Manual de processo penal, 2020, p. 812). O conhecimento da comunicação telefônica (interceptação em sentido amplo), a captação pode se dar por interceptação (em sentido estrito), escuta ou gravação clandestina.

A interceptação telefônica (em sentido estrito) consiste na captação da comunicação feita por um terceiro sem o conhecimento dos interlocutores. Sua execução deve ser precedida de autorização judicial, conforme dispõe o art. 1º da Lei n. 9.296/1996 ecoando o inciso XII do art. 5º da Constituição Federal, isso, inclusive em se tratando do ambiente de caserna. Assim, em uma investigação de crime militar, desejando conhecer o conteúdo da comunicação telefônica do indiciado, a autoridade militar deverá representar ao juízo competente pela interceptação, que, óbvio, somente será cabível, a contrario sensu do disposto no art. 2º da mesma Lei n. 9.296/1996, quando houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal, a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão. Mesmo em se tratando de telefonia fixa no interior do quartel, a exemplo do ponto de comunicação da seção em que trabalha o investigado, a autorização judicial se mostra necessária.

Na escuta telefônica a captação se dá também por um terceiro, alheio à comunicação, porém, com o conhecimento e anuência de um dos interlocutores. Há dissidência doutrinária sobre a necessidade de autorização judicial na escuta telefônica, predominando o entendimento de que ela está abrangida pela mesma reserva de jurisdição da interceptação telefônica, sob regramento dos arts. 1º e 2º da Lei n. 9.299/1996 (LIMA. Manual de processo penal, 2020, p. 814).

Não concordamos com essa visão, pois há situações em que a autorização de um dos interlocutores parece bastar para que se dê a roupagem lícita à escuta, como no caso de crime de extorsão mediante sequestro em que o pai da pessoa sequestrada aciona o aparato policial, que decide gravar os telefonemas. Óbvio que, nestes casos, seria possível a alegação de excludente de ilicitude a chancelar a obtenção da prova, mas, ao nosso sentir, a intimidade (vida privada etc.) do criminoso não está abrangida quando seu proceder afronta a lei desta maneira, de sorte que sequer se poderia falar, até mesmo sob a invocação da proporcionalidade, em tipicidade, próximo do que se decidiu, ainda que de maneira isolada e peculiar, o Min. Ribeiro Dantas no Agravo em Recurso Especial (AREsp) n. 1.301.191 – SP, em 30/11/2018, destacando-se:

Quanto à escuta telefônica, cumpre registrar que não se constata qualquer ilegalidade, pois os agentes policiais ouviram os diálogos com o consentimento de um dos interlocutores, no caso, a corré, que colaborou com as investigações. Com efeito, ‘na linha da jurisprudência desta Corte e do col. Supremo Tribunal Federal, ‘é lícita a prova produzida a partir de gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, quando não existir causa legal de sigilo ou de reserva da conversação’ (RE n. 630.944 AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 19/12/2011). (HC 309.516/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 10/12/2015, DJe 16/12/2015).

Insta mencionar que a decisão conheceu a ratificação da Quinta Turma do STJ, em julgamento de 19/03/2019, em sede de Agravo Regimental no AREsp acima mencionado.

Seja como for, repita-se há a visão dominante pela necessidade de autorização judicial para a escuta telefônica, o que aqui seguiremos para fim do estudo proposto. Nesta linha, exemplificativamente, desejando conhecer a comunicação do indiciado com o ofendido, por exemplo, em um crime de concussão (apenado com reclusão), ainda que a vítima conheça a captação a ser feita, recomendável a representação da autoridade militar no sentido de obter a autorização para a escuta telefônica. Deve-se lembrar que, caso não haja a autorização judicial, eventual discussão sobre a proporcionalidade será instalada a posteriori, o que poderá inutilizar o trabalho investigativo da polícia judiciária, além de possibilitar a responsabilização, inclusive criminal, do responsável pela captação do conteúdo.

Por fim, há a gravação clandestina, em que um dos interlocutores grava a própria comunicação, normalmente sem o conhecimento do outro. Neste caso de autogravação, pacificamente, entende-se desnecessária a autorização judicial. Exemplificativamente, se o próprio ofendido grava a conversa com o militar autor da concussão, a prova é perfeitamente lícita.

Além da comunicação telefônica, tem-se por objeto de estudo a comunicação ambiental, ou seja, aquela realizada no meio ambiente, sem a utilização dos recursos artificiais por fios elétricos, cabos óticos etc., situação-tipo que revestiu a pergunta inicial.

Igualmente, no conhecimento da comunicação ambiental (captação ambiental), as possibilidades de interceptação, escuta e gravação clandestina se mostram presentes, as duas primeiras como gêneros do termo “captação ambiental” trazido pelo art. 8º-A da Lei n. 9.296/1996, pois se tratam de captação de comunicação alheia, portanto, seguindo a linha já esmiuçada para a interceptação telefônica (em sentido amplo), com uma primeira peculiaridade de somente se poder conceder autorização judicial quando a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes e quando houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos ou em infrações penais conexas.

Mas, neste caso, há outra peculiaridade a ser considerada, a saber, o fato de a comunicação ambiental poder ser desenvolvida em ambiente público ou privado, o que muda a tonalidade de análise, que se dará não propriamente em relação à vida privada e a intimidade, mas em relação a um direito de reserva (LIMA, Manual de processo penal, 2020, p. 853).

Sob esta divisão, tem-se que a captação executada em locais públicos (ruas, praças etc.) ou privados mas abertos ao público (bares, cinemas etc.), ainda que sob a forma de interceptação ou de escuta ambientais, não carece de autorização judicial, pois os seus protagonistas não buscaram a reserva, o ambiente fechado, sem acesso público. Imagine-se, por exemplo, a captação de imagens de policiais militares que, não conhecendo a captação, em um bloqueio feito na madrugada, em via pública, pratiquem ilícitos penais militares, como lesões corporais, tortura etc. Neste caso, a captação por terceiro sem o conhecimento dos atores (espécie de interceptação) e sem autorização judicial, mostra-se prova lícita, perfeitamente possível de ser utilizada como elemento a respaldar a acusação. Da mesma, forma, nos atos praticados no interior do quartel, nas áreas comuns como auditórios, campos de futebol etc., não haverá a necessidade de autorização judicial para a captação ambiental na investigação criminal, sendo perfeitamente lícita a obtenção de imagens, por exemplo, por câmera de segurança da Organização Militar.

Claro, esta é a regra geral, que pode ser contrariada naquelas situações em que os interlocutores, embora em espaço aberto ao público, busquem a reserva, a intimidade, por exemplo, por uma conversa próxima, sob a pretensão de que ninguém a escute. Em resumo, adequada a visão de Renato Brasileiro de Lima (Manual de processo penal, 2020, p. 854) sobre o tema:

b) captação de conversa alheia (ou de imagens) em locais abertos ao público, porém em caráter sigiloso, expressamente admitido pelos interlocutores: constitui invasão de privacidade, pois o interceptador não pode imiscuir-se em segredo de terceiros sem permissão legal. Por não afrontarem o art. 5º, X, da Constituição Federal, interceptações ambientais lato sensu devem ser considerada válidas, salvo quando realizadas em ambiente no qual haja expectativa de privacidade ou quando praticadas com violação de confiança decorrente de relações interpessoais ou profissionais.

Exemplificativamente, será ilícita a captação de conversa pelo aparato de polícia judiciária militar, uma interceptação (sem conhecimento dos interlocutores) da conversa entre o indiciado e seu advogado, ainda que executada fora do parlatório propício, em ambiente aberto ao público, por violar imposição do sigilo dessa comunicação, não importando o ambiente, quebrando uma expectativa de confiança.

No que concerne ao ambiente privado, obviamente, a questão ainda encontra outro amparo constitucional, a saber a inviolabilidade do domicílio, na acepção penal e processual penal do termo “casa” (art. 226, § 4º, do CPM e art. 173 do CPPM). Assim, além, claro, de uma violação da intimidade e da vida privada, a captação de comunicação ambiental no ambiente privado, sem a autorização judicial ou, mesmo com ela, sendo executada por um ingresso a noite, dará a característica de ilícito ao resultado obtido. É ilícita a captação ambiental, por exemplo, em próprio residencial nacional, sem autorização judicial, para a obtenção de prova.

Alerte-se, por fim, que a execução dos meios de obtenção de prova acima indicados, pelo militar da ativa responsável pela investigação criminal, sem a devida autorização judicial, poderá configurar crime específico dos arts. 10 e 10-A da Lei n. 9.296/1996, os quais, combinados com uma das alíneas do inciso II do art. 9º do CPM, serão adjetivados como militares.

 

Referências:

NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de direito processual penal militar. Salvador: Jus Podivm, 2020.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Salvador: Jus Podivm, 2020.

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