Embriaguez ao volante caracteriza crime doloso?

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A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do AgRg no AREsp 2.519.852-SC, sob relatoria do Ministro Ribeiro Dantas, examinou condenação por homicídio doloso (dolo eventual) decorrente de acidente de trânsito envolvendo motorista embriagado. 

O caso que foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça trouxe uma discussão importante sobre a caracterização do dolo eventual em crimes de trânsito, especialmente em situações em que há embriaguez e outras circunstâncias agravantes, como excesso de velocidade e tentativa de fuga.

Contexto do Julgado

A situação que foi levada à julgamento perante o STJ tratava de um motorista embriagado que, em alta velocidade, colidiu com um veículo estacionado no acostamento. O Tribunal do Júri condenou o réu por homicídio com dolo eventual, alegando que ele assumiu o risco de matar ao dirigir nessas condições. 

Foram considerados quatro elementos para essa imputação de dolo eventual:

  1. Embriaguez do motorista;
  2. Excesso de velocidade;
  3. Colisão no acostamento, fora da pista regular de trânsito;
  4. Tentativa de fuga após o acidente.

Ponto Central do Recurso

A defesa argumentou que não havia provas suficientes para imputar o dolo eventual, especialmente pela ausência de provas técnicas que atestassem a velocidade exata e o ponto da colisão. Além disso, alegou que a tentativa de fuga, sendo uma ação posterior à colisão, não poderia ser usada como evidência de dolo eventual.

Entendimento do STJ

O STJ acatou parcialmente os argumentos da defesa, destacando alguns pontos essenciais, quais sejam: 

(i) insuficiência de provas técnicas para caracterizar o dolo eventual;

(ii) tentativa de fuga não caracteriza dolo eventual; e, 

(iii) princípio da individualização das provas. 

Quanto ao primeiro ponto – insuficiência de provas técnicas para caracterizar o dolo eventual – a Corte Cidadã enfatizou que para se caracterizar o dolo eventual, todos os elementos precisam ser sustentados individualmente. 

No caso em apreço o STJ sustentou que faltaram provas técnicas específicas, como a perícia no local do acidente para comprovar velocidade e dinâmica do acidente. O STJ ainda reforçou que o conjunto probatório deve ser detalhado e não apenas interpretado de forma global (holística), o que não supre a necessidade de provas isoladas para cada fato relevante​

No que tange ao segundo ponto – tentativa de fuga não caracteriza dolo eventual o Tribunal entendeu que a tentativa de fuga foi um ato posterior ao crime. Logo, essa conduta, embora reprovável e punível de forma autônoma (art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro), não pode ser considerada evidência de dolo eventual na conduta inicial de dirigir sob efeito de álcool. 

O Tribunal salientou que a avaliação do dolo eventual deve focar na intenção ou aceitação do risco no momento da ação principal, ou seja, no momento da condução sob embriaguez e alta velocidade.

Por fim, quanto ao aspecto do princípio da individualização das provas o STJ criticou a decisão do Tribunal do Júri de valorar a prova de forma holística, afirmando que cada elemento constitutivo do dolo eventual deve estar amparado em provas concretas. A decisão do STJ orienta que provas e indícios não podem ser presumidos em conjunto quando faltam provas específicas para cada fato essencial. 

Nesse sentido, a 5ª Turma do STJ resguardou o princípio da presunção de inocência, destacando que, na dúvida, deve-se favorecer o réu quando não houver clareza probatória sobre a intenção ou o dolo na sua conduta inicial​

Conclusão

O julgado reitera que, em crimes de trânsito, a caracterização do dolo eventual exige prova inequívoca de que o réu aceitou o risco de causar a morte. Nesse caso, a embriaguez isolada, sem outras provas técnicas e sem que a tentativa de fuga possa ser usada como evidência do dolo, foi considerada insuficiente. 

A decisão impõe uma análise rigorosa e técnica para casos similares, ressaltando a importância de uma prova robusta e específica para cada elemento necessário à configuração do dolo eventual.

Esse julgamento, portanto, traz implicações relevantes para a jurisprudência em acidentes de trânsito, onde a distinção entre dolo eventual e culpa consciente é delicada e exige cautela probatória.

Autora: Carolina Carvalhal Leite. Mestranda em Direito Penal. Especialista em Direito Penal e Processo Penal; e, Especialista em Ordem Jurídica e Ministério Público. Graduada em Direito pelo UniCeub – Centro Universitário de Brasília em 2005. Docente nas disciplinas de Direito Penal, Processo Penal e Legislação Extravagante em cursos de pós-graduação, preparatórios para concursos e OAB (1ª e 2ª fases). Ex-Servidora pública do Ministério Público Federal (Assessora-Chefe do Subprocurador-Geral da República na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC). Advogada inscrita na OAB/DF.


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