Morte encefálica dá direito à pensão por morte?

Morte encefálica dá direito à pensão por morte? Queridos alunos e alunas do Gran! Como vão vocês? Espero que bem! Mantenhamos a caminhada, ok? Quero está com vocês até o fim, na linha de chegada dos campeões!

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Hoje trouxe um tema interessante, que não costuma ser muito abordado em livros de Direito Previdenciário. Em verdade, ainda não vi em nenhuma obra. Refiro-me à reflexão sobre a consideração da “morte encefálica” como sendo hipótese geradora, ou não, de pensão por morte no RGPS.

Já parou para pensar nisso?

Vamos dar uma olhada no que diz a lei previdenciária sobre o fato gerador do benefício de pensão por morte:

Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data: (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997) (Vide Medida Provisória nº 871, de 2019)

 

I – do óbito, quando requerida em até 180 (cento e oitenta) dias após o óbito, para os filhos menores de 16 (dezesseis) anos, ou em até 90 (noventa) dias após o óbito, para os demais dependentes;  (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

 

II – do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior; (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)

 

III – da decisão judicial, no caso de morte presumida.        (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)

Muito bem. O fato gerador do benefício é, como o próprio nome já diz, a morte. Parece óbvio, não? Mas vamos destrinchar um pouco mais. Baseando-nos na doutrina civilista, o conceito de morte é espécie dentro do gênero “EXTINÇÃO DA PESSOA NATURAL”. Pelo art. 6º, do Código Civil brasileiro, temos que:

Art. 6 A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.

A extinção da pessoa natural, portanto, ocorre com a morte real ou com a morte presumida. Em regra, a existência da pessoa natural termina com a MORTE (real), sendo que essa pode ser PRESUMIDA quanto aos ausentes.  Cabe lembrar que não há que se falar na expressão “morte civil”, sendo instituto jurídico já proscrito de nosso ordenamento jurídico. Nesse sentido, calha transcrever a doutrina de PABLO STOLZE[1], citando MARIA HELENA DINIZ:

A concepção de morte civil era admitida, em tempos idos, como fator extintivo da personalidade em condenados a penas perpétuas ou religiosos. Todavia, a ideia de que um indivíduo, reconhecidamente vivo, pudesse ser tratado como se morto fosse repugna o mais comezinho sentimento de dignidade da pessoa humana, o que deve ser profundamente repudiado. Contudo, conforme noticia MARIA HELENA DINIZ:

“Há alguns resquícios de morte civil na nossa ordenação jurídica, p. ex., no art. 157 do Código Comercial, como causa de extinção do mandato mercantil, que nunca vigorou no Brasil, e no art. 1.599 do Código Civil, segundo o qual são pessoais os efeitos da exclusão da herança por indignidade. Os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse; no Decreto-lei n. 3.038/41, art. 7.º, e Lei n. 6.880/80, art. 130, que dispõem que uma vez declarado indigno do oficialato, ou com ele incompatível, perderá o militar o seu posto e patente, ressalvado à sua família o direito à percepção de suas pensões”.

No campo previdenciário, é a MORTE REAL do segurado a contingência social que, essencialmente, é coberta pelo RGPS. Em geral, é “a parada do sistema cardiorrespiratório com a cessação das funções vitais indica o falecimento do indivíduo. Tal aferição, permeada de dificuldades técnicas, deverá ser feita por médico, com base em seus conhecimentos clínicos e de tanatologia, sendo mais utilizada, nos dias de hoje, dado o seu caráter irreversível, como critério científico para a constatação do perecimento, a morte encefálica[2].

Note que o critério médico mais comumente utilizado para se constatar o término da existência da pessoa natural é pela verificação da parada definitiva e IRREVERSÍVEL do sistema cardiorrespiratório. Entretanto também É POSSÍVEL ADOTAR a verificação de morte por meio da “morte encefálica”.

Mas quanto a essa possibilidade, há que se perceber que o fechamento de seu conceito, na prática, é de maior dificuldade do ponto de vista médico (e, consequentemente, do ponto de vista jurídico). Ou seja, sabe-se que a morte encefálica encerra a vida cerebral de uma pessoa, mas o sistema cardiorrespiratório continua.

Um caso famoso é o do ex-piloto de Fórmula 1, Michael Schumacher, que se acidentou gravemente no ano de 2013 e, desde então, permanece, ao que parece, em estado “vegetativo”. Com o devido respeito à situação médica e familiar desse consagrado campeão e ídolo mundial, permitam-me uma elucubração para podermos refletir sobre o tema proposto neste artigo.

Se Michael fosse brasileiro, será que poderíamos considerar que já houve sua morte para fins de recebimento de pensão por morte no RGPS? Sua esposa e demais dependentes teriam direito benefício previsto no art. 74, da Lei n. 8.213/91?

Bem, a resposta não é única. Realmente, vai DEPENDER O CASO A CASO. É que não há uma definição médica precisa de “morte encefálica. Pelo que se depreende das percepções normativas, a morte encefálica deverá ser concebida como morte real quando houver a constatação médica de IRREVERSIBILIDADE da inatividade cerebral do paciente. E isso só pode ser constatado medicamente em cada caso, concretamente.

Veja que a definição de “morte encefálica” chegou a ser dada em nosso ordenamento jurídico na vigência da Lei n. 8.489/92, por meio de seu regulamento, o Decreto n. 879/93. A referida lei dispunha sobre “a retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, com fins terapêuticos e científicos e dá outras providências”. O respectivo regulamento definia no art. 3º, inciso V e parágrafo único, que “morte encefálica” seria “a morte definida, como tal, pelo Conselho Federal de Medicina e atestada por médico” e que a “definição de morte encefálica, a que se refere o inciso V deste artigo, não exclui os outros conceitos de condições de morte”.

Posteriormente, a Lei n. 8.489/92 foi revogada pela Lei n. 9.434/97, que dispõe “sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências”. Nessa nova lei, que ainda se encontra vigente, a definição de “morte encefálica” continua a ser remetida à edição de resolução do Conselho Federal de Medicina para tratar da questão, senão vejamos:

Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

A Lei n. 9.434/97, contudo, dando a devida cautela para a questão, diante da dificuldade mesma de se delinear um conceito seguro e invariável de morte encefálica, ressalvou que será “admitida a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da comprovação e atestação da morte encefálica” (art. 3º, §3º). E, dando cumprimento ao art. 3º, caput, acima transcrito, o Decreto n. 9.175/17, ao regulamentar a lei, reforçou a incumbência normativa do Conselho Federal de Medicina para delinear tecnicamente o conceito de “morte encefálica”:

Art. 17. A retirada de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano poderá ser efetuada após a morte encefálica, com o consentimento expresso da família, conforme estabelecido na Seção II deste Capítulo.

 

  • O diagnóstico de morte encefálica será confirmado com base nos critérios neurológicos definidos em resolução específica do Conselho Federal de Medicina – CFM.

 

Pois bem, é a Resolução Nº 2.173, de 23 de novembro de 2017, do Conselho Federal de Medicina, que define então os critérios técnicos e médicos quanto ao diagnóstico de morte encefálica. Já nos “considerandos” da norma, indica-se que a “perda completa e irreversível das funções encefálicas, definida pela cessação das atividades corticais e de tronco encefálico, caracteriza a morte encefálica e, portanto, a morte da pessoa”.

O art. 1º, da Resolução, elenca os REQUISITOS para a determinação de morte encefálica:

Art. 1º – Os procedimentos para determinação de morte encefálica (ME) devem ser iniciados em todos os pacientes que apresentem coma não perceptivo, ausência de reatividade supraespinhal e apneia persistente, e que atendam a todos os seguintes pré-requisitos:

 

a) presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de causar morte encefálica;

b) ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico de morte encefálica;

c) tratamento e observação em hospital pelo período mínimo de seis horas. Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-isquêmica, esse período de tratamento e observação deverá ser de, no mínimo, 24 horas;

d) temperatura corporal (esofagiana, vesical ou retal) superior a 35°C, saturação arterial de oxigênio acima de 94% e pressão arterial sistólica maior ou igual a 100 mmHg ou pressão arterial média maior ou igual a 65mmHg para adultos, ou conforme a tabela a seguir para menores de 16 anos:

 

Logo no primeiro requisito se observa a necessidade de indicação da IRREVERSIBILIDADE da lesão cerebral e da morte encefálica. Sendo essa constatada e atestada, tem-se, pois, a MORTE da pessoa.

 

Diante disso, se houver a constatação de morte encefálica, nos termos da Resolução CFM n. 2.173/17, teremos então o delineamento de MORTE da pessoa e, consequentemente, a caracterização do fato gerador do benefício de pensão por morte.

 

É isso, queridos(as) amigos(as) do Gran!

 

São análises como essa que te fazem pensar, refletir sobre o direito e sobre as circunstâncias técnicas e sociais de sua aplicação, propiciando esse raciocínio, sem dúvida, um grande incremento da sua capacidade de fundamentação, de exposição de ideias e pensamentos jurídicos.

 

Espero ter ajudado.

Vamos seguindo!

Um grande abraço,

Frederico Martins.

Juiz Federal

Professor do Gran Cursos

 

 

 

 

 

[1] STOLZE, Pablo e Rodolfo Pamplona, in Novo Curso de Direito Civil, Parte Geral, 14ª edição. Editora Saraiva, 2012, São Paulo, pg. 185.

[2] Idem, pg. 184.

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