É intolerável qualquer pretensão no sentido de inserir no corpo de Conselheiros do Poder Judiciário pessoas sem sólido currículo jurídico, com pouca experiência na vida pública e que tenham vínculos objetivos com políticos que figuram como réus da operação Lava Jato.
“Fazer a corte” é a expressão comumente empregada para definir o ato de cercar alguém de galanteios ou demonstrações de reverência, sempre imbuído do propósito de chamar a atenção de tal alguém. Prática típica das monarquias, guarda natureza de fundamento para nossa indecisa República, que nunca abriu mão das estruturas coloniais de domínio e exercício do poder. Ficaram os ritos, as liturgias fora de época, os conchavos e conspirações traçados às escondidas e, evidentemente, a prática de fazer a corte.
Cortesão é a pessoa que está frequentemente presente na corte, exercendo funções que podem ir desde o entretenimento do titular do poder até o exercício de funções diplomáticas ou relativas à guarda de segredos. São pessoas que, por estarem próximas ao rei, são vistas como capazes de exercerem influência na tomada de decisões. E a regra é simples: quanto mais perto do rei, maior sua influência; seu potencial de se fazer ouvir.
Durante os avanços da operação Lava Jato, tornou-se comum a divulgação de interceptações telefônicas em que investigados fazem referência a nomes de ministros do Supremo Tribunal Federal, tentando convencer seus interlocutores acerca de sua capacidade de influenciar as referidas autoridades. É o tal do discurso atributivo, que destrói, em segundos, reputações que levaram décadas para serem construídas. A moda da vez é o acusado gravar conversas com autoridades e mencionar nomes de magistrados, imputando-lhes condutas irregulares ou mesmo o papel de marionetes de autoridades investigadas. O dano à reputação dos magistrados é gravíssimo, pois ao tempo em que o Poder Executivo tem as armas e o Legislativo a chave do cofre, o Judiciário tem como instrumento de sua autoridade tão somente a sua credibilidade perante a opinião pública.
Temos que tomar cuidado com os discursos atributivos. Temos que ouvir sempre o outro lado. Temos que tomar cuidado com cortesãos que tentam obter vantagens ao argumento de serem pessoas próximas ao rei. Que as amizades com o rei fiquem apenas em Pasárgada e nos demais versos belos de Manuel Bandeira.
Uma das funções mais importantes exercidas por um cortesão é a de servir como Conselheiro do rei. A Constituição Federal prevê a existência de diversos Conselhos, como o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional. Do outro lado da Praça dos Três Poderes encontramos o Conselho Nacional de Justiça, órgão administrativo máximo do Poder Judiciário. A ele incumbe a elaboração de políticas públicas a serem desenvolvidas com a finalidade de aperfeiçoar a prestação jurisdicional. Também está sob sua responsabilidade o controle da legalidade dos atos administrativos praticados por todo o Judiciário, com exceção do STF, e o exercício da atividade correicional em face de magistrados.
Neste ano estarão abertas as vagas que devem ser preenchidas por indicação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. De acordo com a Constituição, cabe aos Deputados e Senadores indicar dois cidadãos de notório saber jurídico e reputação ilibada para integrar o CNJ. Alguns nomes começam a circular pelos salões verde e azul do prédio principal do Congresso Nacional. Nomes que em nenhum país sério passariam sequer pelo crivo do requisito objetivo do notório saber jurídico, o que em tais países somente se reconhece aos detentores de no mínimo título de doutor em Direito.
Algumas candidaturas já estão a merecer acompanhamento cuidadoso pela sociedade e pela imprensa. Tenho me deparado com nomes apoiados por políticos que figuram como réus em processos que tramitam no STF e no STJ. Nomes que muito provavelmente estarão a serviço de tais acusados até mesmo para intimidar e punir juízes e ministros. Também me chamou a atenção a candidatura de um rapaz no auge dos seus vinte e poucos anos, recém-formado na graduação, que não tem sequer idade para ser desembargador estadual ou federal, nem mesmo juiz eleitoral (a não ser que tenha se formado aos 15 anos), mas que pretende julgar ministros de tribunais superiores em processos disciplinares ou mesmo apreciar a legalidade de seus atos. Sua candidatura, é claro, vem com apoio forte de um político famoso que coleciona processos no STF [incluindo os decorrentes da operação Lava Jato], bem como de um magistrado estadual que, esquecendo os limites impostos pela toga e a dignidade do Poder Judiciário, assumiu o papel de cabo eleitoral e passou a pressionar políticos sob sua jurisdição a apoiarem o projeto do menino. O segundo fato – registre-se – já se encontra sob apuração das autoridades competentes.
Thomas Jefferson, autor da declaração de independência dos EUA, sustentava ser o preço da liberdade a eterna vigilância. A sociedade precisa estar atenta, vigilante. É intolerável qualquer pretensão no sentido de inserir no corpo de Conselheiros do Poder Judiciário pessoas sem sólido currículo jurídico, com pouca experiência na vida pública e que tenham vínculos objetivos com políticos que figuram como réus da operação Lava Jato. O senso de moral, a vergonha em servir a interesses duvidosos e até mesmo uma centelha de espírito republicano deveriam ser suficientes para que candidatos nessa situação abandonassem a disputa. Contudo, se nada disso for suficiente para inibir tal maquinação voltada à intimidação de magistrados, caberá ao Presidente do CNJ a defesa da credibilidade do Conselho e de todo o Poder Judiciário, recusando-se a dar posse ao indicado.
A justiça não admite reticências, dizia Abílio de Guerra Junqueiro. Precisamos fazer coro com as palavras proferidas pela ministra Carmen Lúcia quando do julgamento do Mensalão. Precisamos ter a mesma ousadia dos canalhas.
Fonte: Migalhas
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