A nova Lei 14.112/2020 de 24 de dezembro assegurou formalmente a possibilidade de financiamento da empresa recuperanda com objetivo de permitir o funcionamento adequado de suas atividades, promover despesas de reestruturação empresarial e/ou preservar o patrimônio existente.
Todas essas medidas são destinadas a facilitar a recuperação judicial da empresa. De fato, muitas atividades precisam ser readequadas para que o negócio sobreviva, além de que insumos, equipamentos e contratações podem ser necessários. A ausência desses investimentos pode prejudicar a possibilidade de recuperação judicial.
Nesse ínterim, é natural que o empresário tenha que buscar fontes de financiamento. O legislador, sensível a essa situação, reconheceu formalmente essa possibilidade. Veja o preceito estudado:
“Art. 69-A. Durante a recuperação judicial, nos termos dos arts. 66 e 67 desta Lei, o juiz poderá, depois de ouvido o Comitê de Credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos.”
Ocorre que, por diversos motivos, pode a recuperação judicial ser convolada em falência. Diante desse risco, muitas instituições financeiras não possuem interesse em conceder empréstimos. Para estimular essas instituições, na hipótese de conversão em falência, o legislador concedeu uma vantagem: o crédito do financiador passa a ser superprivilegiado.
É que passa a ser crédito extraconcursal, ou seja, é pago inclusive na frente dos créditos trabalhistas devidos pela massa falida anteriores à quebra, exceto aqueles de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 últimos meses anteriores à quebra (e, ainda assim, limitados a 5 salários mínimos por obreiro):
“Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, aqueles relativos:
I-A – às quantias referidas nos arts. 150 e 151 desta Lei;
I-B – ao valor efetivamente entregue ao devedor em recuperação judicial pelo financiador, em conformidade com o disposto na Seção IV-A do Capítulo III desta Lei;”
“Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.”
Além disso, como se nota, o legislador fez prevalecer essa preferência do crédito do financiador inclusive sobre os créditos trabalhistas relativos à remuneração por serviços prestados após a decretação da quebra, os quais vêm posicionados em quarto lugar:
“Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, aqueles relativos:
I-D – às remunerações devidas ao administrador judicial e aos seus auxiliares, aos reembolsos devidos a membros do Comitê de Credores, e aos créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;”
O que seria justo? Vale a pena privilegiar uma instituição financeira que arrisca emprestando dinheiro para empresa em recuperação (facilitando a sua reabilitação e a preservação dos empregos)? Ou seria melhor correr o risco de não haver empréstimo e a recuperação se tornar mais difícil, mas deixar o crédito trabalhista em situação mais privilegiada na eventual falência? Somente o tempo nos dirá…
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