Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
Por Tadeu Rover
Em portaria publicada nesta segunda-feira (16/10) no Diário Oficial da União, o Ministério do Trabalho alterou os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo, para fins de concessão de seguro-desemprego. A norma também altera o modo como é feita a inclusão de empresas na chamada “lista suja” do trabalho escravo.
O tema é polêmico e gera intensos debates. Especialistas, como o professor e advogado trabalhista Nelson Mannrich, sempre criticaram o conceito genérico para definir o que é o trabalho análogo à escravidão. Por isso, Mannrich vê como positiva a iniciativa do Ministério do Trabalho.
Em sua opinião, a portaria avançou bastante ao abandonar concepções vagas e subjetivas. Ele lembra que o novo conceito segue a linha do Projeto de Lei 3.842/2012, que está parado no Câmara dos Deputados desde 2015. De acordo com a Portaria MTB 1.129/2017, para que seja reconhecida a condição análoga à de escravo, é necessária a submissão do profissional a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, feito de maneira involuntária.
O professor aponta, no entanto, que ainda é preciso uma reforma no Código Penal, que tipifica o crime. Segundo ele, o artigo 149 do CP tem conceitos indefinidos. O dispositivo citado é justamente o foco do PL 3.842/2012.
Conceito restritivo
O advogado e professor Gustavo Filipe Barbosa Garcia afirma que a conceituação restritiva para “condição degradante” e “condição análoga à de escravo”, exigindo sempre o cerceamento da liberdade de locomoção do trabalhador, destoa do conceito contemporâneo, utilizado pelo Código Penal.
Gustavo Garcia diz que o Supremo Tribunal Federal tem decidido que na escravidão moderna não é necessária a coação direta contra a liberdade de ir e vir. Ao julgar o Inquérito 3.412, o STF explicou que a escravidão moderna é mais sutil que a do século XIX, e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos, e não necessariamente físicos. Segundo o Supremo, a violação intensa e persistente de direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno, já é suficiente para caracterizar a escravidão moderna.
A portaria, na visão de Garcia, ainda conceitua de forma restritiva “trabalho forçado” como aquele exercido sem o consentimento por parte do trabalhador e que lhe retire a possibilidade de expressar sua vontade.
Combate enfraquecido
Em nota, o Ministério do Trabalho afirmou que o combate ao trabalho escravo é uma política pública permanente de Estado, que vem recebendo todo o apoio administrativo, com resultados positivos concretos relativamente ao número de resgatados e na inibição de práticas delituosas dessa natureza.
Mas o Ministério Público do Trabalho já reagiu: diz que a portaria é uma tentativa orquestrada do governo de “enfraquecer o combate ao trabalho escravo”.
“Por meio de instrumento normativo inadequado, portaria, o Ministério do Trabalho enfraquece o conceito de trabalho análogo ao de escravo do artigo 149 do Código Penal, fazendo-se substituir pelo legislador ordinário”, afirma Maurício Ferreira Brito, vice-coordenador da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), do MPT.
O enfraquecimento, segundo Brito, vem de uma série de atos do governo, como a exoneração do chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do Ministério do Trabalho, André Roston. No último ano, segundo Brito, foi a primeira vez que o MPT teve que interromper seu trabalho de combate ao trabalho escravo por falta de recursos.
Ele lembra ainda que o enfraquecimento vai na contramão da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), que responsabilizou internacionalmente o Estado brasileiro por não prevenir a prática de trabalho escravo moderno e de tráfico de pessoas. O Brasil é o primeiro país condenado pela OEA nessa matéria, no caso da Fazenda Brasil Verde.
Lista suja
A Portaria MTB 1.129/2017 trata também da “lista suja” do trabalho escravo, dizendo que a inscrição do empregador no Cadastro de Empregadores fica a cargo do ministro do Trabalho. Além disso, condiciona a inscrição à existência de um boletim de ocorrência.
Para Maurício Brito, o Ministério Público do Trabalho deve, em breve, adotar medidas judiciais contra a portaria.
Leia a Portaria MTB 1.129/2017:
Dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho, nos termos do artigo 2-C da Lei nº 7998, de 11 de janeiro de 1990; bem como altera dispositivos da PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11 de maio de 2016.
O Ministro de Estado do Trabalho, no uso da atribuição que lhe confere o art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição Federal, e
Considerando a Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada pelo Decreto nº 41.721, de 25 de junho de 1957;
Considerando a Convenção nº 105 da OIT, promulgada pelo Decreto nº 58.822, de 14 de julho de 1966;
Considerando a Convenção sobre a Escravatura de Genebra, promulgada pelo Decreto nº 58.563, de 1º de junho de 1966;
Considerando a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992; e
Considerando a Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, bem como a Lei 10.608, de 20 de dezembro de 2002,
Resolve:
Art. 1º Para fins de concessão de beneficio de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser identificado como submetido a regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, nos termos da Portaria MTE nº 1.153, de 13 de outubro de 2003, em decorrência de fiscalização do Ministério do Trabalho, bem como para inclusão do nome de empregadores no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, estabelecido pela PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016, considerar-se-á:
I – trabalho forçado: aquele exercido sem o consentimento por parte do trabalhador e que lhe retire a possibilidade de expressar sua vontade;
II – jornada exaustiva: a submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais aplicáveis a sua categoria;
III – condição degradante: caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação da sua dignidade;
IV – condição análoga à de escravo:
a) a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária;
b) o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico;
c) a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto;
d) a retenção de documentação pessoal do trabalhador, com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho;
Art. 2º Os conceitos estabelecidos no artigo 1º deverão ser observados em quaisquer fiscalizações procedidas pelo Ministério do Trabalho, inclusive para fins de inclusão de nome de empregadores no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, estabelecido pela PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016.
Art. 3º Lavrado o auto de infração pelo Auditor-Fiscal do Trabalho, com base na PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016, assegurar-se-á ao empregador o exercício do contraditório e da ampla defesa a respeito da conclusão da Inspeção do Trabalho de constatação de trabalho em condições análogas à de escravo, na forma do que determina a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 e a Portaria MTE 854, de 25 de junho de 2015.
§ 1º Deverá constar obrigatoriamente no auto de infração que identificar o trabalho forçado; a jornada exaustiva; a condição degradante ou a submissão à condição análoga à de escravo:
I – menção expressa a esta Portaria e à PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016;
II – cópias de todos os documentos que demonstrem e comprovem a convicção da ocorrência do trabalho forçado; da jornada exaustiva; da condição degradante ou do trabalho em condições análogas à de escravo;
III – fotos que evidenciem cada situação irregular encontrada, diversa do descumprimento das normas trabalhistas, nos moldes da Portaria MTE 1.153, de 14 de outubro de 2003;
IV – descrição detalhada da situação encontrada, com abordagem obrigatória aos seguintes itens, nos termos da Portaria MTE 1.153, de 14 de outubro de 2003:
a) existência de segurança armada diversa da proteção ao imóvel;
b) impedimento de deslocamento do trabalhador;
c) servidão por dívida;
d) existência de trabalho forçado e involuntário pelo trabalhador.
§ 2º Integrarão o mesmo processo administrativo todos os autos de infração que constatarem a ocorrência de trabalho forçado; de jornada exaustiva; de condição degradante ou em condições análogas à de escravo, desde que lavrados na mesma fiscalização, nos moldes da Portaria MTE 854, de 25 de junho de 2015.
§ 3º Diante da decisão administrativa final de procedência do auto de infração ou do conjunto de autos, o Ministro de Estado do Trabalho determinará a inscrição do empregador condenado no Cadastro de Empregadores que submetem trabalhadores a condição análoga às de escravo.
Art. 4º O Cadastro de Empregadores previsto na PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016, será divulgado no sítio eletrônico oficial do Ministério do Trabalho, contendo a relação de pessoas físicas ou jurídicas autuadas em ação fiscal que tenha identificado trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo.
§ 1º A organização do Cadastro ficará a cargo da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), cuja divulgação será realizada por determinação expressa do Ministro do Trabalho.
§ 2º A inclusão do empregador somente ocorrerá após a prolação de decisão administrativa irrecorrível de procedência do auto de infração ou do conjunto de autos de infração.
§ 3º Para o recebimento do processo pelo órgão julgador, o Auditor-Fiscal do Trabalho deverá promover a juntada dos seguintes documentos:
I – Relatório de Fiscalização assinado pelo grupo responsável pela fiscalização em que foi identificada a prática de trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes ou condições análogas à escravidão, detalhando o objeto da fiscalização e contendo, obrigatoriamente, registro fotográfico da ação e identificação dos envolvidos no local;
II – Boletim de Ocorrência lavrado pela autoridade policial que participou da fiscalização;
III – Comprovação de recebimento do Relatório de Fiscalização pelo empregador autuado;
IV – Envio de ofício à Delegacia de Polícia Federal competente comunicando o fato para fins de instauração.
§ 4º A ausência de quaisquer dos documentos elencados neste artigo, implicará na devolução do processo por parte da SIT para que o Auditor-Fiscal o instrua corretamente.
§ 5º A SIT poderá, de ofício ou a pedido do empregador, baixar o processo em diligência, sempre que constatada contradição, omissão ou obscuridade na instrução do processo administrativo, ou qualquer espécie de restrição ao direito de ampla defesa ou contraditório.
Art. 5º A atualização do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo será publicada no sítio eletrônico do Ministério do Trabalho duas vezes ao ano, no último dia útil dos meses de junho e novembro.
Parágrafo único. As decisões administrativas irrecorríveis de procedência do auto de infração, ou conjunto de autos de infração, anteriores à data de publicação desta Portaria valerão para o Cadastro após análise de adequação da hipótese aos conceitos ora estabelecidos.
Art. 6º A União poderá, com a necessária participação e anuência da Secretaria de Inspeção do Trabalho e da Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Trabalho, observada a imprescindível autorização, participação e representação da Advocacia-Geral da União para a prática do ato, celebrar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ou acordo judicial com o administrado sujeito a constar no Cadastro de Empregadores, com objetivo de reparação dos danos causados, saneamento das irregularidades e adoção de medidas preventivas e promocionais para evitar a futura ocorrência de novos casos de trabalho em condições análogas à de escravo, tanto no âmbito de atuação do administrado quanto no mercado de trabalho em geral.
§ 1º A análise da celebração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial deverá ocorrer mediante apresentação de pedido escrito pelo administrado.
§ 2º O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial somente poderá ser celebrado entre o momento da constatação, pela Inspeção do Trabalho, da submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo e a prolação de decisão administrativa irrecorrível de procedência do auto de infração lavrado na ação fiscal.
Art. 7º A Secretaria de Inspeção do Trabalho disciplinará os procedimentos de fiscalização de que trata esta Portaria, por intermédio de instrução normativa a ser editada em até 180 dias.
Art. 8º Revogam-se os artigos 2º, § 5º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11 e 12 da PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016, bem como suas disposições em contrário.
Art. 9º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
RONALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA”.
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