Regressiva OAB 100 dias (Dica 65) – Direito Constitucional : Professor André Alencar

Avatar


20 de Outubro de 2016

1A CONSTITUIÇÃO MATERIAL

Olá, tudo bem? Venho hoje apresentar para vocês um artigo que escrevi sobre um tema que acho de grande interesse, trata-se da tipologia das constituições quanto ao conteúdo – constituição formal e constituição material – especialmente esta última. A definição do que é constituição em sentido material é sempre cobrada em provas objetivas e repercute em outros temas do direito constitucional, como por exemplo no controle de constitucionalidade.
A classificação das constituições em formal ou material parte do pressuposto que estamos diante de uma constituição escrita. A constituição não escrita sempre será considerada uma constituição apenas material, ou em outras palavras, a constituição não escrita não possui normas formais e por isso não pode ter conteúdo apenas formal.
Então, se estamos diante de uma constituição escrita, como classificar seu conteúdo? O que a constituição escrita traz dentro de sua forma? Temos que analisar as normas constitucionais e do que tratam para tentar classificar a constituição como um todo se é uma constituição formal ou material. Pelo menos assim tem feito a maioria da doutrina e, claro, as provas de exames da OAB e concursos em geral.
Enquanto não tínhamos constituições escritas, período pré-constitucionalismo, todas as constituições eram apenas constituições materiais, não tinham forma e era considerada constituição aquela norma, costume, pacto que dissesse respeito à organização fundamental do Estado e da sociedade. Já dissemos linhas acima que se não há constituição escrita a constituição será sempre material.
Quando as constituições escritas foram produzidas, passou-se a ter a possibilidade de se confrontar o conteúdo das normas da constituição escrita com a organização fundamental do Estado e da sociedade, ou seja, passou a ser possível analisar se todas as normas da constituição escrita se adequam ao tema da organização fundamental do Estado e da sociedade. Com essa análise veio então a possibilidade de se ter constituição escrita que não fosse totalmente material.
No século XVIII foi fixado o conteúdo mínimo de uma constituição baseado na ideologia liberal, por essa linha de pensamento as constituições só deveriam tratar de temas absolutamente imprescindíveis para a organização do Estado – como a separação dos poderes e declarações de direitos fundamentais.
Com o constitucionalismo social o conteúdo da Constituição é expandido para conter também normas de cunho social, econômico e cultural. Em nossa visão, esse novo conteúdo altera o conceito de constituição material porque passa-se a aceitar novos conteúdos dignos de estarem dentro da constituição escrita. Mas então, qual o sentido que a doutrina dominante dá à constituição material?
Encontramos então uma dificuldade: Não há um critério amoral ou de base estritamente científica de se fazer a classificação entre constituição formal e constituição material. A classificação é permeada de valor, dependerá, no mínimo, da ideologia adotada. Acrescente-se ainda a possibilidade que adeptos do neoconstitucionalismo irão considerar novos conteúdos “essenciais” para uma Constituição e por isso também haverá dissenso sobre o que uma Constituição formal e uma Constituição material.
Normalmente a doutrina tradicional tende a comparar o conteúdo mínimo, ideologia liberal (clássica), com o texto atual da constituição escrita. Assim, se a constituição escrita ultrapassar este conteúdo clássico será considerada uma constituição formal, caso esteja compatível com o conteúdo mínimo liberal, será uma constituição material.
Para tentar esclarecer um pouco mais, vamos adentrar mais no sentido de constituição material dado pela doutrina.
Miranda[1] entende que constituição material pode ser vista em um sentido amplo, médio ou ainda em sentido restrito. Interessa-nos o sentido amplo e o sentido restrito. Em sentido amplo a constituição seria a própria essência do Estado, todo Estado tem constituição, é o modo de ser do Estado. Esse sentido amplo foi utilizado para se referir ao período anterior ao surgimento das constituições escritas. Já o sentido restrito liga-se à Constituição definida em termos liberais a partir da revolução francesa. O sentido restrito é normalmente utilizado pela doutrina como forma de se classificar as normas constitucionais e consequentemente a Constituição.
Vejamos, então, mais detidamente estas duas maneiras de se enxergar uma constituição material.
Constituição material em sentido amplo.
“A acepção ampla encontra-se presente em qualquer Estado.”[2] Todo Estado teria constituição material em sentido amplo. “Todos os países têm uma constituição”[3].
Maurice Duverger[4] destaca que:
Do ponto de vista do conteúdo (ponto de vista material, em linguagem jurídica) a Constituição de um país é o conjunto de suas instituições políticas, sejam quais forem os documentos que as estabelecem: leis, regulamentos, usos, costumes, tradições, Constituições escritas, etc.
Todo Estado tem constituição material e por isso é possível dizer que independentemente da existência de constituição escrita é possível encontrar uma constituição material para o Estado (constituições não-escritas, costumeiras ou consuetudinárias). A constituição material em sentido amplo se confunde com a própria organização do Estado.
Holthe[5] cita que a

“Constituição material no sentido amplo é a própria organização de um Estado, o seu regime político. Sob esse aspecto, todo Estado tem uma Constituição, pois se ele existe de certo modo, sob uma forma, qualquer que seja esse seu modo de existir é a sua Constituição.”

Moraes[6] entende que a constituição material ou substancial é o “conjunto de regras materialmente constitucionais, estejam ou não codificadas em um único documento”.
Segundo Bonavides a Constituição material teria o conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento da ordem política[7].
Este sentido amplo está considerando constituição material como o conjunto de normas materialmente constitucionais independentemente de sua colocação em texto escrito.
Constituição material em sentido restrito.
“A [concepção] restrita liga-se à Constituição definida em termos liberais, tal como surge na época moderna”.[8] A constituição material em sentido restrito seria apenas aquele conjunto de normas que definem a forma básica de organização do Estado (separação dos poderes e direitos fundamentais conforme definido no art. 16 da Declaração dos direitos do homem e do cidadão).
Bester[9] assim se pronuncia sob a constituição material, adotando o sentido restrito:

São aquelas Constituições que abrangem apenas o conteúdo básico, o mais importante, o único merecedor de ser reduzido à matéria constitucional. (grifo original).

Segundo a autora, a constituição material teria texto extremamente curto, embora entende que seria possível, ainda que o texto escrito só contemple a matéria constitucional, que o texto material seja extenso[10]. Então, para ela, não é simplesmente o tamanho do texto (sua extensão) e sim o seu conteúdo que diferencia uma constituição como sendo material. Concordamos, e se nos permite, concordamos muito! Vemos, na doutrina, uma confusão generalizada em relação ao que é constituição material.
Constituição em sentido material, então, é a constituição que trata de matéria tipicamente constitucional, compreendendo as normas que dizem respeito à estrutura mínima e essencial do Estado.
Considerando que num determinado Estado há uma constituição escrita, então poderíamos dizer que a constituição material é o conjunto das normas constitucionais escritas ou não escritas que estruturam, dão forma e organizam o Estado. Assim, a constituição material pode estar escrita ou pode não estar escrita.
Neste sentido, entendemos correta a afirmação que a Constituição do EUA é material[11]. O conteúdo da constituição americana é adequado ao sentido clássico, liberal de que apenas normas materialmente constitucionais estão contidas na constituição escrita. Nos EUA há uma coincidência entre a constituição escrita e o conjunto de normas materialmente constitucionais[12].
Na tipologia das constituições, então, a constituição material escrita é a junção de todas as normas materialmente constitucionais do Estado que estão presentes no texto escrito.
A constituição material do Brasil seria composta, especialmente, pelas normas do Título I, II, grande parte dos títulos III e IV. As demais normas poderiam ser consideradas apenas formalmente constitucionais (conforme o constitucionalismo liberal)[13].
 
 
Espero que estas primeiras linhas sejam úteis e contribuam para a melhor definição do que é uma constituição material. Em outros artigos daremos outras contribuições. Ainda tem dúvidas? Entre em contato para podermos esclarecer esse ou outros temas: andre.concursos@gmail.com
[1] Jorge Miranda (2005, pg. 321).
[2] Jorge Miranda (2005, pg. 321).
[3] Canotilho (2003, pg. 1129).
[4] DUVERGER, Maurice. Droit constitucionnel et institutions politiques, 1955, p. 215 e 216. Citado por Cláudio Pacheco. Novo Tratado das Constituições Brasileiras. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 10, vol. 1.
[5] Holthe (2009, pg. 35).
[6] Alexandre de Moraes (2006, pg 3).
[7] Paulo Bonavides (2005, pg. 80).
[8] Jorge Miranda (2005, pg. 321). Interessante explicar que “…época moderna” para o autor é o período das grandes revoluções liberais do século XVIII.
[9] Gisela Bester (2005, pg. 69).
[10] Gisela Bester (2005, pg. 69).
[11] Conforme nosso colega João Trindade Cavalcante Filho. Roteiro de Direito Constitucional. 2ª edição. Obcursos Editora. 2009, p. 37.
[12] Embora não devemos esquecer daquela ressalva de que a constituição escrita pode ser complementada pelos costumes, como é o caso da constituição americana.
[13] Para o constitucionalismo social os temas da ordem econômica e social também poderiam fazer parte da constituição material brasileira.

____________________________________________________________________________________________________________

André Alencar – Bacharel em direito, especialista em direito público, professor de Direito Constitucional em preparatórios para concursos desde 2000, ex-servidor do STF, advogado atuante pela OAB-DF, Analista Legislativo da Câmara dos Deputados (assessor de plenário), autor de livros e artigos jurídicos.
 
 
 

____________________________________________________________________________________________________________

Coordenação Pedagógica – Projeto Exame de Ordem
Gran Cursos Online

 

Estude conosco e tenha a melhor preparação para o XXI Exame de Ordem!

matricule-se 3

O Gran Cursos Online desenvolveu o Projeto Exame de Ordem focado na aprovação dos bacharéis em Direito no Exame Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. A renomada equipe de professores, formada por mestres, doutores, delegados, defensores públicos, promotores de justiça e especialistas em Direito, preparou um método online que dará o apoio necessário para o estudante se preparar e conseguir a aprovação. O curso proporciona ao candidato uma preparação efetiva por meio de videoaulas com abordagem teórica, confecção de peças jurídicas e resolução de questões subjetivas. É a oportunidade ideal para aqueles que buscam uma preparação completa e a tão sonhada carteira vermelha.

XXI Exame de Ordem.fw

Avatar


20 de Outubro de 2016