Será que a conduta de possuir ou portar integra o rol dos crimes hediondos?

Veja como está a questão após a Lei Anticrime!

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Fala pessoal, tudo certo?

Consoante a doutrina majoritária já vinha assentando, a jurisprudência do STJ tem concluído que crime de posse ou porte de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado NÃO INTEGRA O ROL DOS CRIMES HEDIONDOS. Isso foi adotado, entre outros, no recente julgamento do HC 525.249/RS, julgado no final de 2020[1].

A Lei n. 13.497/2017 alterou a Lei de Crimes Hediondos para incluir o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei n. 10.826/2003, como equiparado à hediondo.

De acordo com a tese sustentada pela Defensoria Pública, considerando o contexto normativo pós Pacote Anticrime, o porte ou a posse de arma de fogo de uso permitido, ainda que com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, não tem índole hedionda. Isso porque o objetivo fulcral do legislador reformador foi conferir tratamento mais gravoso apenas ao crime de posse ou porte de arma de fogo, de acessório ou de munição de uso proibido ou restrito, não abrangendo o crime de posse ou porte de arma de fogo, de acessório ou de munição de uso permitido.

Aliás, essa compreensão é compartilhada por parcela expressiva da doutrina, conforme se extrai das lições abaixo:

“(…) não pretendeu o legislador abranger como crime hediondo as figuras com penas equiparadas previstas no parágrafo único do art. 16 do Estatuto, exceto, obviamente, se importarem concomitantemente posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Dessa forma, se alguém portar um revólver calibre 38 (arma de uso permitido) com numeração raspada incorrerá na figura equiparada do art. 16, parágrafo único, IV, do Estatuto, que possui as mesmas penas do caput mas que não terá natureza hedionda. Caso, entretanto, o agente esteja portando um fuzil com numeração raspada o delito será considerado hediondo”[2].

Vale destacar, conforme brilhantemente realizado pela Ministra Relatora Laurita Vaz, que a alteração na redação da Lei de Crimes Hediondos reforça o entendimento ora afirmado, no sentido da natureza não hedionda do porte ou posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado. Acerca do assunto, esta Corte Superior, até o momento, afirmava que os Legisladores atribuíram reprovação criminal equivalente às condutas descritas no caput do art. 16 da Lei n. 10.826/2003 e ao porte ou posse de arma de fogo de uso permitido com numeração suprimida, equiparando a gravidade da ação e do resultado. Todavia, TAL ENTENDIMENTO DEVE SER SUPERADO (OVERRULING).

A ratio por trás da referida conclusão é a ideia da atuação do Poder Judiciário como verdadeiro instrumento de redutor de danos, na linha do sustentado por Rodrigo Roig:

“Surge daí a tese central da teoria redutora de danos na execução penal, aqui defendida: a existência de um autêntico dever jurídico-constitucional de redução do sofrimento e da vulnerabilidade das pessoas encarceradas, sejam elas condenadas ou não. O cumprimento de tal dever, sobretudo dos juristas e agências jurídicas, é o grande norte interpretativo e de aplicação normativa da execução penal. Se de fato a execução da pena é a região mais obscura, mas ao mesmo tempo a mais transparente do poder punitivo, onde a tensão entre o estado de polícia e o estado de direito evidencia o conflito entre o poder punitivo e o poder jurídico, é por afirmação deste que se esvaziarão os danos causados por aquele”[3].

Dessa maneira, é certo concluir que, atualmente, com a vigência da Lei Anticrime, o crime de posse ou porte de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado NÃO INTEGRA O ROL DOS CRIMES HEDIONDOS.

Espero que tenham gostado! Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

[1] HC 525.249-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 15/12/2020.

[2] Victor Eduardo Rios Gonçalves no livro Coleção Sinopses Jurídicas Volume 24 – Tomo 1 – Legislação Penal Especial, 14.ª Edição, 2018, pg. 22, Editora Saraiva Jur.

[3] Execução Penal: Teoria Crítica. 4.ª Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pp. 28

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