Certa menina da periferia de São Paulo, onde vivia com a mãe, empregada doméstica, e seis irmãos, começou, aos quatro anos de idade, a dar suas primeiras piruetas. O talento chamou a atenção, e ela começou a treinar duro e, mesmo ainda muito criança, a competir. Talvez, pensou a família, a pequena pudesse um dia se tornar ginasta profissional.
A falta de dinheiro era um enorme empecilho para seguir no projeto. Com frequência a garota ia ao ginásio a pé, num trajeto de mais de duas horas, porque não tinha como pagar o bilhete do ônibus. “Talvez não dê certo”, imaginou, “está muito difícil”. Felizmente, porém, se lhe faltavam recursos financeiros, sobravam-lhe pessoas dispostas a ajudar. Foi o caso do irmão mais velho, que comprou uma bicicleta para levá-la aos treinos, e dos técnicos, que muitas vezes a buscavam em casa. Todos sabiam do potencial da jovem e acreditavam no talvez. Talvez ela se sagrasse campeã estadual… Talvez viesse a ser a melhor ginasta brasileira… Talvez, até, um dia conquistasse uma medalha olímpica… Não havia como ter certeza; muito poderia acontecer no percurso. Tudo que tinham era um talvez. Um talvez pensado, calculado, projetado com base em fatos, mas ainda um talvez.
Eis que, aos treze anos, nossa protagonista foi campeã brasileira. Aos dezesseis, ganhou a primeira medalha em uma Copa do Mundo de Ginástica. O talvez a testou no caminho, é claro. A primeira cirurgia veio um ano antes do ouro mundial, fazendo-a pensar em desistir. Depois da vitória, precisou enfrentar mais duas operações, seguidas de uma dura recuperação. A certa altura, disse à mãe: “Acabou para mim”. Dona Rosa, apegada ao talvez, respondeu: “Não, só vai acabar depois que você se recuperar e começar a treinar”. Talvez, só talvez, fosse possível que a filha se restabelecesse e voltasse a vencer…
Foi o que aconteceu. A atleta se qualificou para as Olimpíadas de Tóquio na reta final, em junho de 2021, e, dois meses mais tarde, ganhou o ouro inédito para o Brasil. O talvez não só se materializou como também virou história. Tudo porque alguém acreditou nele, ou eu nem sequer estaria aqui contando tudo isso.
De quem estou falando? De Rebeca Andrade, nossa mais nova medalhista na ginástica olímpica. E por que resolvi fazê-lo? Porque esporte e concurso público têm tudo a ver, sobretudo quando se trata do talvez, que marcou a trajetória de Rebeca assim como marca a de milhares de concurseiros.
À medida que amadurecemos, temos menos certezas nesta vida. É fato. Desconfie de alguém que diga o contrário. Como já deixei claro em artigos anteriores publicados neste espaço, o amanhã não nos pertence e é no hoje que devemos agir, aceitando as incertezas do porvir. Podemos – e devemos – planejar, nos organizar, fazer nossa parte. Talvez – e esse talvez pode ser mais ou menos certeiro, a depender do que e de como semeamos – a lavoura corresponda exatamente a nossas expectativas. Talvez fique longe do que tínhamos em mente, surpreendendo-nos positiva ou negativamente… Talvez apenas demore mais que o esperado para os frutos nascerem, agregando um gostinho especial de vitória… Talvez…
Sou da opinião de que, enquanto houver uma mínima chance de vitória, existe esperança. Quando se persiste pelo tempo necessário, mesmo o mais improvável tem chance de se converter em outra grande conquista. As possibilidades vão sendo modificadas, ajustadas em direção ao concreto. A palavra-chave é “insistir”. O mais bonito de tudo é que podemos sempre contar com o talvez.
E ele é testado o tempo todo. O caminho de quem não se prepara para os inevitáveis imprevistos é, por óbvio, mais árduo. Ainda assim, de nada adianta buscar atalhos ou rotas conhecidas. No curto prazo o sofrimento poderá até ser menor, mas o futuro cobrará a conta. Quando chegar o momento, a falta de ousadia resultará em arrependimento e amargura. Por isso, compreenda: a luta que você trava no presente faz de você forte, forjando um futuro melhor para si e seus entes queridos. Entender isso despertará o melhor de você e o ajudará a superar o que vier. O mais forte e poderoso, diria Sêneca, “é aquele que tem poder sobre si mesmo”.
Para a romancista britânica Phyllis Bottome, “há duas maneiras de enfrentar as dificuldades: ou você as altera ou se altera para poder enfrentá-las”. Ora, alterar as dificuldades não é, convenhamos, exatamente uma opção. O jeito é valorizar a luta e enxergar no esforço algo necessário em nossa jornada do talvez. Quando internalizamos isso, encontramos paz.
O que jamais deveríamos fazer é desistir, sob pena de esvaziar o talvez. Aqueles que odeiam o esforço ou simplesmente fogem dele acabam perdendo a motivação e desistindo. Se algo não for fácil, logo deixam pra lá. Julgam-se incapazes de reverter o quadro e vencer, e isso lhes provoca medo sempre que deparam com algo a desafiar seus dons e talentos. Segundo a ex-primeira-dama americana Michelle Obama, você “nunca deve ver seus desafios como uma desvantagem. Em vez disso, é importante que entenda que sua experiência ao enfrentar e superar adversidades é, na verdade, uma das maiores vantagens”.
Então, amigo leitor, abrace e valorize o esforço. Isso aumentará muito suas chances de superar os desafios de hoje e de amanhã. Talvez encarar de vez o que está em seu caminho seja justamente o que vai fazer de você a pessoa que tanto almeja se tornar. Já pensou nisso?
Mire-se no exemplo de Rebeca e dona Rosa. Apegue-se ao talvez, trabalhe na base do talvez, estude confiando no talvez. Acima de tudo, tenha iniciativa para tentar concretizá-lo. Cabe a você, com esforço e dedicação, torná-lo cada vez mais provável. Não desista!
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