Você sabe quem é o assemelhado no Direito Penal Militar?

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22 de março4 min. de leitura

Em alguns dispositivos, o Código Penal Militar utiliza a palavra “assemelhado” para grafar proposições, não só na Parte Geral, a exemplo da alínea a do inciso II do art. 9º, como também na Parte Especial, em alguns delitos, a exemplo do art. 149 do CPM (crime de motim). Devemos, então, saber o que se entende por assemelhado para a escorreita aplicação do Código Penal Militar.

O art. 21 do CPM dispõe que “Considera-se assemelhado o servidor, efetivo ou não, dos Ministérios da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, submetido a preceito de disciplina militar, em virtude de lei ou regulamento”.

Assim, por disposição legal o assemelhado seria aquele que, embora não militar, estivesse sujeito à disciplina militar por força dos regulamentos específicos.

Ocorre que, como muito bem anota Célio Lobão, essa figura não mais existe no universo jurídico desde a edição do Decreto n. 23.203, de 18 de junho de 1947[1], diploma que revogou alguns dispositivos do antigo Regulamento Disciplinar do Exército, aprovado pelo Decreto n. 8.835, de 23 de fevereiro de 1942.

Todavia, de nossa observação, verificamos que ainda um Regulamento Disciplinar cogita a existência de um assemelhado, qual seja, o da Força Aérea Brasileira, o RDAer, aprovado pelo Decreto n. 76.322, de 26 de setembro de 1975, que no § 1º do art. 1º consigna que as disposições previstas naquele regulamento são também aplicáveis aos assemelhados, definidos no art. 21 do Decreto-Lei n. 1.001, de 21 de outubro de 1969, nos casos de guerra, emergência, prontidão e manobras. Como se percebe, entretanto, o Regulamento em análise não define a figura do assemelhado, lançando mão do Código Penal Militar, que, por sua vez, remete o leitor aos Regulamentos Disciplinares, ou seja, embora haja a previsão do assemelhado no RDAer, não há a definição de quais pessoas naquela Instituição se enquadrariam na figura em estudo, o que nos leva a concordar com Célio Lobão no sentido de ser o assemelhado uma figura extinta.

Malgrado essa posição, deve-se ter em foco vertente  postulada por Ronaldo João Roth, que em São Paulo considerou o Soldado Temporário PM (Sd Temp PM) como assemelhado. Segundo o Magistrado, “não sendo militar (propriamente falando) o Sd Temp PM, como contrariamente entende o Comandante-Geral da PMESP, estaria a Lei regente contemplando esse civil voluntário na condição de assemelhado, figura esta que, embora extinta na comunidade militar, agora parece ressuscitada pela Lei estadual n. 11.064/02”, concluindo mais adiante que, “embora não sendo o Sd Temp PM um militar, mas sim um assemelhado, pode ser sujeito ativo do crime militar, nos termos do artigo 9º do Código Penal Militar, havendo, pois, por extensão da lei ordinária, competência para a Justiça Militar estadual processar e julgar o acusado”[2].

Essa visão, no entanto, não encontrou eco no Tribunal de Justiça Militar respectivo, que considerou o Sd Temp PM como militar da ativa, nos termos do art. 22 do Código Penal Militar. Por todos, vide o Habeas Corpus n. 1.964/07  (Feito n. 47.970/07, da 1ª Auditoria de Justiça Militar), sob Relatoria do Juiz Cel PM Avivaldi Nogueira Júnior, julgamento em 30 de agosto de 2007, que deu origem à seguinte ementa:

Enquanto perdurar a prestação de seu serviço voluntário, o Soldado PM Temporário estará subordinado às regras disciplinares e jurídicas aplicáveis a todo militar de carreira. O artigo 22 do CPM em consonância com o parágrafo único do artigo 1º da Lei 11.064, de 8 de março de 2002, denota a certeza que a competência para processar e julgar é inerente à Justiça Militar Estadual.

Para complicar um pouco mais a questão do Soldado Temporário do Estado de São Paulo, a questão acerca da natureza jurídica de sua função foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, que em sede do Habeas Corpus n. 62.100/SP (2006/0145469-6), sob a relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima (j. 28-5-2008), considerou o Soldado Temporário como civil, lavrando-se a seguinte ementa:

PROCESSUAL PENAL MILITAR. HABEAS CORPUS. COMPETÊNCIA. SERVIÇO AUXILIAR VOLUNTÁRIO. SOLDADO PM TEMPORÁRIO. POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. LEI FEDERAL 10.029/00 E LEI ESTADUAL 11.064/02. JUSTIÇA ESTADUAL MILITAR. INCOMPETÊNCIA. SÚMULA 53/STJ. PRECEDENTE DO STF. ORDEM CONCEDIDA

Ao contrário do que sucede com a Justiça Militar da União, cujo âmbito de incidência, por expressa previsão constitucional – art. 124, caput, da CF/88 – abrange também os civis, a competência da Justiça Militar Estadual abrange apenas os policiais e os bombeiros militares.

Sobre a questão, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado Sumular 53 do seguinte teor: ‘Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais’.

A Lei Federal 10.029 de 20/10/00 possibilitou, aos Estados e ao Distrito Federal, a instituição da ‘prestação voluntária de serviços administrativos e de serviços auxiliares de saúde e de defesa civil nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares’, sendo o Serviço Auxiliar Voluntário instituído pela Lei 11.064 de 8/2/02 no âmbito da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

O Soldado PM temporário, nos termos da legislação do Estado de São Paulo, presta serviços administrativos e auxiliares de saúde e de defesa civil, não sendo, portanto, policial militar, mas civil, de modo que não pode ser processado e julgado pela Justiça Militar Estadual.

Habeas corpus concedido para anular o Processo 35.535/03 da 1ª Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo desde o recebimento da denúncia, inclusive, expedindo-se alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso.

A discussão, ao menos no Estado de São Paulo, não comporta mais utilidade, senão em casos antigos, posto que não houve mais a contratação de Sd Temp PM, abarcado pelo então denominado Serviço Auxiliar Voluntário (SAV), trazido pela Lei n. 11.064, de 8 de março de 2002, que ainda vige. Essa opção política se deu em função do surgimento de outras alternativas, como o emprego de militares da reserva em funções administrativas, do art. 26-A do Decreto-lei n. 260/70, e a criação de um cargo civil de “oficial administrativo”, trazido pela Lei n. 15.249, de 19 de dezembro de2013.

A exposição histórica aqui consignada pode ser útil, mesmo porque ainda há a discussão sobre o Sd Temporário, por exemplo, no Supremo Tribunal Federal, onde ainda pende a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.774, cujo relator é o Ministro Roberto Barroso, a discutir a constitucionalidade da Lei n. 430/2004 do Estado de Roraima.

Resuma-se, portanto, que a figura do assemelhado não mais existe no atual estágio do ordenamento. Em relação à intersecção deste tema com cargos temporários, como os decorrentes do Serviço Auxiliar Voluntário, prevalece o entendimento de que são eles militares da ativa e não assemelhados, mas é preciso que seja, obviamente, estudada, para concursos específicos, a compreensão legal, doutrinária e jurisprudencial na respectiva Unidade Federativa.

[1]    LOBÃO, Célio. Direito penal militar. Brasília: Brasília Jurídica, 2004, p. 106.

[2] Processo n. 37.337/03, julgado em 16 de novembro de 2005, pelo Conselho Permanente de Justiça da Primeira Auditoria da Justiça Militar de São Paulo, sob a Presidência do Juiz de Direito daquela Auditoria, Ronaldo João Roth.

 

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