Em recente sessão plenária o STF iniciou o julgamento do recurso extraordinário 592.891, interposto pela União e com repercussão geral reconhecida para “discussão acerca do direito ao creditamento de IPI na entrada de insumos isentos provenientes da Zona Franca de Manaus. O acórdão recorrido autorizou o aproveitamento dos créditos, observado o prazo prescricional quinquenal e sem incidência de correção monetária.”
A ministra relatora Weber, em apertada síntese, concluiu pela negativa de provimento àquele apelo extraordinário sob o argumento de que a matéria em exame era distinta daquela analisada por ocasião do julgamento do RE 566.819, cujo resultado foi pelo não reconhecimento do creditamento do IPI em quaisquer das hipóteses desonerativas comuns e quando das aquisições de insumos.
E a premissa preliminar foi instaurada a partir da resposta ao seguinte questionamento formulado pela ministra relatora: há previsão na Constituição para tal reconhecimento do creditamento validado pelo acórdão recorrido? Para responder tal questionamento a relatora apresentou um histórico legal sobre a ZFM, afirmando que tal situação é excepcionalmente normatizada, inclusive na esfera tributária, citando inclusive voto do ministro Marco Aurélio na ADIn 2.348. Então, o tratamento tributário desigual para a ZFM contém sim vetor constitucional para que se promova sua igualdade.
O voto pelo entendimento da possibilidade do creditamento do tributo na entrada de insumos oriundos da ZFM foi acompanhado pelos ministros Barroso e Fachin, tendo o julgamento sido suspenso pelo pedido de “vistas” formulado pelo ministro Zavascki, que informou necessitar se debruçar mais sobre o tema, uma vez que trazia para aquela sessão voto divergente ao proferido pela relatora.
No âmbito do Carf o tema em comento recentemente também não passou desapercebido – mesmo que a solução final não tenha incorrido em análise meritória frontal – e não poderia ser de outra forma em razão da tecnicidade daquele Tribunal Administrativo.
Em decisão consubstanciada no acórdão 3402-003.067, três foram as correntes julgadoras que se posicionaram, todas, independentemente do norte decisório nelas contido tinham como resultado final posicionamento favorável ao contribuinte recorrente.
A situação problema que se apresentou ao Carf foi a seguinte: recurso de ofício em razão de decisão proferida pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento de Juiz de Fora-MG (DRJ), reconhecendo o direito o aproveitamento de créditos de IPI com a utilização de matéria-prima originária da ZFM. Em impugnação a interessada (i) discorreu sobre a diferença entre “isenção” e “alíquota zero” para a finalidade do creditamento levado a efeito; (ii) informou ser detentora de coisa julgada em MS, pois que integrante que é da Associação dos Fabricantes Brasileiros de Coca-Cola, sendo que o pleito judicialmente reconhecido era o direito ao crédito de produtos isentos originários da ZFM; e, (iii) tais créditos derivam da aquisição de insumos isentos, aos quais tem direito em razão do princípio da não-cumulatividade. Por fim, também citou jurisprudência do então Conselho de Contribuintes sobre a matéria (acórdão 202-15.304).
Com o reconhecimento do reclame da contribuinte por aquela DRJ, e com o apelo de ofício, a Fazenda Nacional apresentou suas razões de inconformidade com a decisão proferida, sendo: (i) a decisão foi tomada em desconformidade com as provas dos autos; (ii) a informação sobre a origem do produto e sua classificação somente surgiu com a impugnação apresentada; (iii) não houve comprovação sobre o preenchimento dos requisitos para o aproveitamento dos créditos de IPI; e, (iv) não haveria direito ao crédito de IPI quando não há pagamento na operação antecedente, conforme decidido pela Corte Suprema nos apelos 353.657, 496.757 e 566.819.
Do julgamento do recurso voluntário, destacamos o reconhecimento promovido pela conselheira relatora Galkowicz pela impossibilidade – no caso concreto – de se afastar a coisa julgada favorável à interessada, integrante que é de Associação impetrante de MS, com resultado conclusivo pelo direito ao creditamento do IPI nos moldes em que debatido no processo administrativo examinado. E tal pretensão de afastamento do direito à contribuinte se daria sob a aplicação equivocada da limitação territorial dos efeitos da decisão proferida no mencionado “mandamus”, jurisprudencial e doutrinariamente rechaçado.
Aquela relatora, então, votou pelo conhecimento e negativa de provimento ao recurso de ofício manejado, consignando aqui que tal entendimento restou vencido à qualidade. O conselheiro Neto, com declaração de voto apresentada, manifestou-se pelo não conhecimento daquele apelo em razão de restar configurada na hipótese analisada o pressuposto processual negativo, inviabilizador do exame de mérito pretendido. Tal posicionamento não prosperou.
Prosperou uma terceira linha de entendimento, fundamentada em voto do conselheiro Atulim no sentido de que é “ilegal a manutenção do lançamento fiscal por fundamento diverso daquele que foi originalmente invocado, uma vez que sendo o lançamento tributário um ato administrativo enquadrado na classe dos atos vinculados, os motivos invocados originalmente são vinculantes para a Administração.”
E assim o fez pois, conforme constava dos autos do processo administrativo, e não obstante ser do conhecimento da fiscalização que a interessada promovia a aquisição de insumos fabricados na ZFM e isentos, insistiu a mesma – fiscalização – em motivar o lançamento no fato de que o creditamento pretendido era indevido porque a matéria-prima adquirida estaria sujeita à alíquota zero.
Observa-se ainda, por relevante, que no mencionado voto vencedor que decretou a impossibilidade da alteração de critério jurídico, consta o registro de ter havido a tentativa de se manter a autuação por motivo diverso do originalmente invocado, isso com a determinação de duas inconsistentes conversões do julgamento em diligência, o que se demonstrou ilegítimo.
O caso em análise demonstra a maturidade daquele Colegiado do Carf ao fomentar o incentivo ao debate e esgotamento dos posicionamentos apresentados e sustentados e, mais que isso, a busca pela efetiva prestação de justiça fiscal; sendo atribuição do julgador, seja administrativo ou judicial, conforme as lições do então ministro Aliomar Baleeiro:
“(…) Toda lei exige interpretação e adaptação aos fatos. Não podemos metê-los num leito de Procusto, para acomodá-los à lei. A norma é que, em cada caso, há de afeiçoar-se à realidade da vida, e é por isso que se atribui ao Juiz a missão de legislador do caso concreto.” (RE 38.644/MG)
Por fim, destacamos que uma vez resolvida a questão quanto à possibilidade ou não do creditamento do IPI para a aquisição dos insumos oriundos da ZFM, pelo STF e quando do encerramento do exame do RE 592.891, a conclusão a que chegar aquela Corte sobre o tema deverá ser aplicada pelo Carf aos processos administrativos sob sua responsabilidade, por força de expresso comando regimental (artigo 62 RICARF).
Fonte: Migalhas
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