Luz acesa

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Em Ipameri, Goiás, uma casa simples se destacava na paisagem noturna por ficar com uma janela acesa o tempo todo. Ali viviam uma mãe e as duas filhas pequenas. O pai se tornara figura indesejada desde o episódio em que perseguiu as crianças com faca em punho. Por isso, mal caía a noite, a vigília começava: todas tinham de estar prontas para fugir ao menor rangido no portão ou passo pesado no quintal. 

Aquela mãe nunca dormia em paz. Tampouco as filhas. Sentada na cama, costas no travesseiro, a caçula, Ludimilla, também permanecia alerta a noite toda, acreditando que, sob a luz acesa do quarto, teria condições de correr para os pastos, para a casa de uma tia, para onde desse. 

Ao mesmo tempo que aprendia rotas de fuga, pensava em como ter um dia os lápis de cor que os colegas mais afortunados usavam na escola. Decidiu transformar a vigília em rotina produtiva. Foi alfabetizada cedo por uma prima, ingressou numa escola pública “difícil de entrar”, e os professores logo perceberam o seu potencial. Levava consigo a disciplina de quem tinha poucos cadernos e muita urgência.

Veio o ensino médio técnico. Depois, o gosto pela Física. E, por fim, a decisão de morar em Brasília. A cidade cantada pelo Legião Urbana tinha um quê de mítica, mas atraiu mesmo porque a UnB oferecia moradia estudantil dentro do campus, o que eliminaria o custo com transporte.

Chegou à capital com cinco reais no bolso, comprou bolacha, margarina e decidiu ficar até sexta. Se não desse certo, voltaria. Mas deu. Aos poucos, tudo se ajeitou. Foi acolhida por colegas quando precisou, conseguiu uma bolsa no laboratório, descobriu o bandejão a cinquenta centavos, virou fiscal de prova do Cebraspe — os sessenta reais que caíam na conta aos domingos garantiam o almoço das segundas. Depois, conseguiu vaga na Casa do Estudante e teve a certeza de que estudar seria mesmo o seu futuro.

Até que as coisas tomaram outro rumo, com uma gravidez não planejada. O medo de não concluir o curso fez Ludimilla mergulhar na depressão. Mais uma vez foi salva por amigos, que lhe pagaram a inscrição em um concurso público. No dia da prova, ela se levantou e foi. Essa pequena atitude mudou tudo. Aprovada, pôde se formar e retornar a Ipameri, onde começou a nova vida como mãe e professora no EJA. Ali descobriu que ensinar é acender luz nos outros.

Então Brasília chamou de novo, desta vez pelo concurso do TJDFT. Lá, Ludimilla teve a prova de que o serviço público salva vidas, e nas duas pontas: a de quem se torna servidor e a de quem é atendido por ele. Em meio a decisões liminares que liberam UTIs ou garantem remédios caros, viu que um pouco de dedicação pode mesmo separar a vida da morte. Mais tarde, foi para a área de gestão de pessoas, onde encontrou um ambiente saudável e autonomia para criar, organizar e melhorar processos. O pensamento por trás da carreira era simples: não enriquecer, mas jamais passar fome.

Em paralelo, atendeu a um chamado íntimo: a taquigrafia. Aprendeu a traduzir fala apressada em texto claro e descobriu que cinco minutos de discurso exigem uma hora e meia de lapidação. Texto não é o que se tenta dizer; é o que efetivamente se diz.

No caminho, a vida a surpreendeu outra vez, trazendo-lhe uma dor constante que levou a internações sucessivas para investigar a causa. As canções do padre Fábio de Melo, tocadas em loop, tornaram tudo suportável. O desânimo batia forte, até que, certo dia, uma técnica de enfermagem deu o ultimato: “Reage, Ludimilla!”. Ela reagiu. Não por heroísmo, mas pela mesma disciplina que a fazia revisar frases até alcançar a melhor expressividade.

Entre uma cirurgia e outra — foram sete em quatro anos e meio —, ela seguiu estudando. Assim, quando saiu o edital da Câmara Legislativa, já estava pronta. Vinha de anos de treino. Na reta final, só precisou ajustar a mira. Preparou-se com a plataforma do Gran, afinou técnica e controle. Passou. 

Hoje, ela trabalha entre vozes e verbos no mesmo órgão onde minha mãe, cuja história já contei aqui, é consultora legislativa.

Ludimilla estudava segurando a trava do fogão, que vivia com defeito. As aulas eram do Gran, é claro.

Lá, ouve os pronunciamentos em plenário, devolve-lhes coerência, preserva o tom de quem falou e dá à frase a curva exata. Em outro turno, ensina. Com doçura, costuma dizer que constância vence brilho intermitente, que caligrafia legível é sinal de respeito por quem corrige e que as bancas variam, mas são todas coerentes em valorizar a boa escrita.

Discursando no plenário da Câmara Legislativa do DF em um evento que homenageia os 201 anos da Taquigrafia Parlamentar no Brasil. 

A família segue alinhavando tudo. A mãe, que dormia sentada sob a luz acesa, hoje, aos sessenta e tantos, é independente, distribui doações e segue a vida sem pedir licença a ninguém. A filha, já moça, escolheu as artes cênicas e, no palco, rompe a cadeia de feridas antigas. 

Entre sessões legislativas e ensaios, a mulher Ludimilla faz acertos silenciosos com a menina que foi um dia. Leva-a a shows antes inimagináveis, paga pequenos luxos sem culpa, viaja para que a cultura preencha o corpo e a alma. É um orçamento afetivo em superávit.

Se lhe perguntam qual é o seu segredo, responde com um manual curto: estudar um pouco todos os dias, já que o tempo vai passar de qualquer forma; ler o mundo, pois gramática sem contexto é mapa sem ruas; e escrever simples, porque quem corrige lê uma única vez. Se insistem que lhes falta força, evoca a regra da casa onde cresceu, em que a luz acesa não era sinal de extravagância, mas símbolo de resiliência.

A lâmpada que um dia significou vigília virou comemoração discreta de quem reescreveu a própria história. Se hoje Ludimilla pode apagar a luz do quarto para dormir, é porque, linha a linha, fez sua vida ganhar pontuação mais precisa. Ela pega o texto do seu livro pessoal, organiza, ajusta, dá sentido às palavras. 

Comemorando um ano como servidora da CLDF.

Ludimilla se reinventou. A família dela se reinventou. Você também pode, se quiser.

Quer um incentivo? Participe do nosso evento gratuito A Reinvenção, no dia 5 de janeiro, às 10 horas. Será uma excelente oportunidade de acender a luz por escolha, não por necessidade, e enxergar, com método e clareza, caminhos possíveis por meio da aprovação em concurso público. Pode ser o seu ponto de virada.

Esperamos você lá.

A base de tudo: a mãe, Maria Abadia; e a filha, Maria.


Gabriel Granjeiro – CEO e sócio-fundador do Gran, maior Edtech do Brasil em número de alunos, com mais de 800 mil discentes ativos pagantes. Reitor e professor da Gran Faculdade. Acompanha o universo dos concursos desde a adolescência e ingressou profissionalmente nele aos 14 anos. Desde 2016, escreve artigos semanais para o blog do Gran, que já somam milhões de leitores.

Formou-se entre os melhores alunos em Administração e Marketing pela New York University Stern School of Business. Foi incluído na lista Forbes Under 30 (2021), eleito Empreendedor do Ano pela Ernst & Young (2024) e reconhecido pela MIT Technology Review como Innovator Under 35 no Brasil e na América Latina. Autor de quatro livros best-seller na Amazon Kindle.

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