A CONCEPÇÃO DE NACIONAL, ELEMENTO TÍPICO DE ALGUNS CRIMES NO CÓDIGO PENAL MILITAR

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8 de Novembro de 2020

No estudo do Direito Penal Militar, alguns elementos típicos previstos nos crimes, ganham interpretação autêntica contextual, podendo-se beber diretamente da explicação do legislador para preencher aquele elemento na tarefa de subsunção do fato ao tipo penal militar incriminador.

Isso ocorre, por exemplo, com a elementar “nacional” em alguns crimes militares, v.g. o crime militar em tempo de guerra de traição, no art. 355 do Código Penal Castrense:

Art. 355. Tomar o nacional armas contra o Brasil ou Estado aliado, ou prestar serviço nas Forças Armadas de nação em guerra contra o Brasil:

Pena – morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo.

Verifica-se, de pronto que o sujeito ativo somente pode ser o “nacional”, torneado no art. 26 do mesmo Código, na mencionada interpretação autêntica contextual, o qual dispõe que quando “a lei penal militar se refere a ‘brasileiro’ ou ‘nacional’, compreende as pessoas enumeradas como brasileiros na Constituição do Brasil”.

Nota-se que a definição remete à análise constitucional do sujeito ativo em potencial, o que traz algumas peculiaridades.

Nacional, como se deve interpretar, serão os brasileiros natos ou naturalizados, nos termos do que dispõe a Constituição Federal, especialmente em seu art. 12.

Brasileiro nato é aquele com nacionalidade originária ou primária. “Existem dois critérios principais para aquisição da nacionalidade originária: a) o critério territorial (jus solis), critério segundo o qual não importa a nacionalidade dos pais, mas o local onde a pessoa nasceu; b) critério sanguíneo (jus sanguinis), segundo o qual não importa onde a pessoa nasceu, mas quem são seus ascendentes. Nesse segundo critério, a nacionalidade é transmitida pelo sangue dos seus ascendentes (filho de italiano, por exemplo, será igualmente italiano). Faz parte da soberania dos países escolher o critério de aquisição da nacionalidade originária. Podem, portanto, adotar o jus solis ou o jus sanguinis ou utilizar as duas hipóteses, com combinações (…)” (MARTIN, 2020, p. 971).

O Brasil adotou as duas possibilidades, como se extrai das alíneas do inciso I do art. 12 da CF:

Art. 12. São brasileiros:

I – natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.

Os brasileiros natos nestas três hipóteses, podem figurar como sujeito ativo de crimes como o de traição.

Mas há ainda os brasileiros naturalizados, ou que possuem a nacionalidade secundária ou adquirida, compreendida como aquela “adquirida por um ato posterior de vontade, máxime a naturalização. As hipóteses de nacionalidade secundária (ou adquirida) estão previstas na Constituição Federal (art. 12, II, CF) e também na lei infraconstitucional. No caso brasileiro, trata-se da Lei da Migração (Lei n. 13.445/2017)” (MARTIN, 2020, p. 971). Na Constituição Federal as alíneas do inciso II do art. 12 trazem a naturalização:

II – naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

A hipótese da alínea “a”, de naturalização ordinária, deve ser encarada sob o prisma de três situações.

Primeira, os estrangeiros que não são de países de Língua Portuguesa. Para esses deve-se seguir para a naturalização o disposto no art. 65 da Lei de Migração (Lei n. 13.445/2017):

Art. 65. Será concedida a naturalização ordinária àquele que preencher as seguintes condições:

I – ter capacidade civil, segundo a lei brasileira;

II – ter residência em território nacional, pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos;

III – comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e

IV – não possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei.

Frise-se que a “simples satisfação dos requisitos não assegura a nacionalização do estrangeiro, uma vez que a concessão da nacionalidade é ato discricionário do Poder Executivo (…)” (MORAES, 2019, p. 250).

Segunda, para os estrangeiros oriundos de países de Língua Portuguesa. Para esses, bebe-se da matriz constitucional pura, ou seja, exigindo-se apenas residência por um ano ininterrupto no Brasil e idoneidade moral, além, claro, do pressuposto da capacidade civil, já que a naturalização decorre de ato de vontade, uma vez não mais existir a naturalização tácita. Igualmente, há certa discricionariedade na concessão da naturalização (MORAES, 2019, p. 250).

Finalmente, há a condição dos portugueses. Estes podem requerer a naturalização, à luz do que se exige para estrangeiros oriundos de países de Língua Portuguesa, mas, também, pode se dar a equiparação a brasileiro, conforme o § 1º do art. 12, que dispõe que aos “portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição”.

Entende-se, com exceção do cidadão português equiparado a brasileiro, que, a rigor, não é brasileiro, essas pessoas naturalizadas podem figurar como sujeito ativo de crimes como o de traição.

Há que se avaliar, ainda, a naturalização extraordinária ou quinzenária, à luz da alínea “b” do inciso II do art. 12 da CF. Para essa naturalização, como se pode extrair, exigem-se a residência na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos, a ausência de condenação penal e o requerimento da nacionalidade brasileira.

Naturalmente, esses naturalizados serão brasileiros e poderão figurar como sujeito ativo dessa espécie de crime.

Agora, há que se consignar existirem duas outras formas de naturalização, ligadas apenas à Lei de Migração. São a naturalização especial, do art. 68, e a naturalização provisória, do art. 70, ambos da Lei de Migração.

A naturalização especial poderá ser concedida ao estrangeiro que se encontre em uma das seguintes situações:

I – seja cônjuge ou companheiro, há mais de 5 (cinco) anos, de integrante do Serviço Exterior Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior; ou

II – seja ou tenha sido empregado em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil por mais de 10 (dez) anos ininterruptos”.

Já a naturalização provisória “poderá ser concedida ao migrante criança ou adolescente que tenha fixado residência em território nacional antes de completar 10 (dez) anos de idade e deverá ser requerida por intermédio de seu representante legal”.

Entende-se, sob censura de melhor interpretação, que nenhum desses dois casos possibilita o naturalizado figurar como sujeito ativo de crimes como o de traição.

A iniciar pela mais simples fundamentação, a naturalização provisória diz respeito a menor de 18 anos, portanto, penalmente inimputável. Nem mesmo o ato infracional correlato entende-se possível, pois a hipótese é de naturalização legal e não constitucional, o que foge ao disposto no art. 26 do CPM, argumento que também explica a repulsa ao naturalizado especial a praticar o delito de traição.

Melhor esclarecendo, resgate-se que o art. 26 do CPM, em interpretação autêntica contextual, dispõe que para a lei penal militar, “brasileiro” ou “nacional” se refere às pessoa enumeradas como brasileiros na Constituição do Brasil, não se podendo admitir, em nossa compreensão, os brasileiros naturalizados por previsão exclusivamente infraconstitucional.

Mas, verdade, é polêmica a visão sustentada, não havendo, felizmente pela longa jornada de paz do Brasil, casos concretos para se avaliar o comportamento da jurisprudência.

Finalmente, entende-se que se enquadram no conceito de nacional aqueles que possuem mais de uma nacionalidade, caso dos polipátridas.

Embora esteja se tratando de delito praticado em tempo de guerra, remota possibilidade na tradição e imposição constitucional pacífica da República Federativa do Brasil, vale apena apostar nesses crimes, que geralmente são explorados na “batalha” dos concursos – esta sim, presente no dia-a-dia –, por exemplo, para o Ministério Público Militar.

Referências:

MARTINS, Flávio. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2020.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2019.

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