A prescrição na Ação Civil Pública trabalhista – Parte II

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22 de Fevereiro de 2020

Retomemos o assunto do artigo anterior, exatamente a partir do ponto em que paramos.
No texto precedente, realizamos, muito brevemente, uma exposição dos principais argumentos doutrinários favoráveis à tese da imprescritibilidade dos direitos difusos e coletivos. Colacionamos também julgados que acataram tal diretiva.

Lembremos, contudo, que o momento é de debater a recentíssima decisão do TST, por meio da SDI-1, que, em embargos de divergência, entendeu que se aplica às ações coletivas o prazo prescricional de 05 (cinco) anos, previsto no art. 21, da Lei n.º 4.717/65 (Lei da Ação Popular) (E-ED-RR-2302-73.2014.5.17.0014, cujo julgamento encontra-se suspenso).

Embora meu entendimento seja oposto à tese adotada pelo TST nesse julgado apto a formar precedente obrigatório (quando concluído o julgamento), é necessário asseverar que tal “decisium” não chega a surpreender. Como veremos, o TST seguiu a jurisprudência do STJ e do próprio STF em matéria de prescrição de direitos metaindividuais.

Iniciemos pela Suprema Corte, cujo Tema 666, com repercussão geral reconhecida, afasta expressamente a textualidade do art. 37, § 5º, CR, passando a aplicar a prescrição às pretensões civis de ressarcimento ao erário:

Tema 666, STF: CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ILÍCITO CIVIL. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento. Trecho dos debates finais, que formaram o acórdão – voto do ministro Luís Roberto Barroso, que definiu o alcance da tese: (…) Já está esclarecido que isso não vale para improbidade. Alguém poderia tentar encaixar improbidade dentro de ilícito civil. Então já fica esclarecido que improbidade não está em jogo aqui (g.n.). Trecho do acórdão dos Embargos de Declaração: … o embargante alega ser necessária a fixação do termo inicial do prazo prescricional da pretensão de ressarcimento ao erário decorrente de ilícito civil. (…) O que cabia ao STF definir era a prescritibilidade ou não das pretensões de ressarcimento ao erário decorrentes de ilícitos civis. Firmado o entendimento de que tal pretensão é prescritível, as controvérsias atinentes ao transcurso do prazo prescricional, inclusive a seu termo inicial, são adstritas à seara infraconstitucional.

Com o entendimento externado pelo STF, perde força o argumento de parte da doutrina no sentido de que o art. 21 da Lei n.º 4.717/65 não teria sido recepcionado pela Constituição da República, justamente em razão do art. 37, § 5º.

Cumpre ressalvar que esse entendimento (de prescritibilidade das pretensões de ressarcimento ao erário), não se aplica às pretensões de idêntica natureza que se fundem na prática de ato de improbidade administrativa. Vale transcrever a explicação constante de acórdão do STJ:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE SUPOSTO DANO AO ERÁRIO. PREJUDICIAL DE MÉRITO DA PRESCRIÇÃO. ALEGAÇÃO DO AUTOR DA AÇÃO DE QUE A PRETENSÃO É IMPRESCRITÍVEL. CONTUDO, O JULGADO RECORRIDO, PARA CONDENAR OS RÉUS, NÃO SE ALICERÇOU EM QUALQUER ITEM CATALOGADO NA LEI 8.429/1992, DEVENDO SER APLICADA A DIRETRIZ DA CORTE SUPREMA DO RE 669.069/MG, REL. MIN. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJE 30.6.2016, EM QUE É PRESCRITÍVEL A AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS À FAZENDA PÚBLICA DECORRENTE DE ILÍCITO CIVIL. DETERMINAÇÃO DE RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM, A FIM DE QUE SEJA ANALISADA A PREJUDICIAL DE MÉRITO DA PRESCRIÇÃO, UMA VEZ QUE A PRETENSÃO É REPUTADA PRESCRITÍVEL. AGRAVO INTERNO DO AUTOR DA AÇÃO DESPROVIDO. 1. A Corte de origem afastou a alegação de prescrição suscitada pela parte acionada, sob a perspectiva de que são imprescritíveis as ações que visam ressarcimento de dano ao erário (art. 37, paragrafo único, CF/88) (fls. 772). 2. Sobre o tema, a Suprema Corte dispõe de dois temas julgados em Repercussão Geral: (a) prescritibilidade das ações de ressarcimento por danos causados ao Erário, ainda que o prejuízo não decorra de ato de improbidade administrativa; (b) prescritibilidade das ações de ressarcimento por ato de improbidade administrativa. 3. Acerca do primeiro tópico, o excelso Supremo Tribunal entendeu, no RE 669.069/MG, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe 30.6.2016, que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 4. Por sua vez, quanto ao segundo tópico, a Corte Suprema declarou a imprescritibilidade das pretensões de ressarcimento, quando fundadas em ato de improbidade administrativa. Isso ficou definido no RE 852.475/SP, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe 22.3.2019, em que são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. (AgInt no REsp 1774756 / CE AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2018/0275051-2, relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1ª Turma, Julgamento em: 03.12.2019).

Perfilhando a linha da prescritibilidade das pretensões oriundas de direitos difusos e coletivos, o STJ fixou o entendimento, em recurso especial repetitivo, que se aplica o prazo prescricional de 05 (cinco) anos para o ajuizamento da execução individual de sentença proferida em Ação Civil Pública (TEMA 515):

PRAZO PRESCRICIONAL PARA O AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA  […] 1.- Para os efeitos do art. 543-C do Código de Processo Civil, foi fixada a seguinte tese: “No âmbito do Direito Privado, é de cinco anos o prazo prescricional para ajuizamento da execução individual em pedido de cumprimento de sentença proferida em Ação Civil Pública”. […] (REsp 1273643 PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/02/2013, DJe 04/04/2013)

E mais: a mesma Corte estabeleceu que o termo inicial para o ajuizamento da medida judicial individual de cumprimento da sentença coletiva é o trânsito em julgado (TEMA: 877, em recurso especial repetitivo):

TERMO INICIAL DA FLUÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO INDIVIDUAL EXECUTIVA PARA CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ORIGINÁRIA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA […] 6. O art. 94 do Código de Defesa do Consumidor disciplina a hipótese de divulgação da notícia da propositura da ação coletiva, para que eventuais interessados possam intervir no processo ou acompanhar seu trâmite, nada estabelecendo, porém, quanto à divulgação do resultado do julgamento. Logo, a invocação do dispositivo em tela não tem pertinência com a definição do início do prazo prescricional para o ajuizamento da execução singular. 7. Note-se, ainda, que o art. 96 do CDC – cujo teor original era “Transitada em julgado a sentença condenatória, será publicado edital, observado o disposto no art. 93” – foi objeto de veto pela Presidência da República, o que torna infrutífero o esforço de interpretação analógica realizado pela Corte estadual, ante a impossibilidade de o Poder Judiciário, qual legislador ordinário, derrubar o veto presidencial ou, eventualmente, corrigir erro formal porventura existente na norma. sentença, sem romper a harmonia entre os Poderes. 9. Fincada a inaplicabilidade do CDC à hipótese, deve-se firmar a tese repetitiva no sentido de que o prazo prescricional para a execução individual é contado do trânsito em julgado da sentença coletiva, sendo desnecessária a providência de que trata o art. 94 da Lei n. 8.078/90. 10. Embora não tenha sido o tema repetitivo definido no REsp 1.273.643/PR, essa foi a premissa do julgamento do caso concreto naquele feito. 11. Em outros julgados do STJ, encontram-se, também, pronunciamentos na direção de que o termo a quo da prescrição para que se possa aforar execução individual de sentença coletiva é o trânsito em julgado, sem qualquer ressalva à necessidade de efetivar medida análoga à do art. 94 do CDC […] 14. […] Acórdão submetido ao regime estatuído pelo art. 543-C do CPC e Resolução STJ 8/2008. (REsp 1388000 PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 12/04/2016.

E não faltam julgados do STJ aplicando o prazo prescricional do art. 21, da Lei n.º 4.717/85 à generalidade dos direitos difusos e coletivos:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO. In casu, o Ministério Público estadual ajuizou ação civil pública para anular o ato que prorrogou, por mais 20 anos, contrato de concessão de exploração de estação rodoviária municipal, porquanto não precedido de licitação. O Tribunal a quo manteve a sentença em reexame necessário, mas, quanto à prescrição para propositura da ação, considerou que, sendo relação de trato sucessivo, não havia prescrição nem decadência do direito enquanto não findo o contrato. Explica o Min. Relator ser cediço que a Lei n. 7.347/1985 é silente quanto à prescrição para a propositura da ação civil pública e, em razão dessa lacuna, aplica-se por analogia a prescrição quinquenal prevista na Lei da Ação Popular. Citou, ainda, que a MP n. 2.180-35/20001, que introduziu o art. 1º-C na Lei n.9.494/1997 (que alterou a Lei n. 7.347/1985), estabeleceu prazo prescricional de cinco anos para ações de indenização por danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e privado prestadores de serviços públicos. Com essas considerações, a Turma deu provimento ao recurso para acolher a prescrição quinquenal para propositura da ação civil pública, ficando prejudicada a apreciação dos demais questionamentos. Precedentes citados: REsp 1.084.916-RJ, DJe 29/6/2004, e REsp 911.961-SP, DJe 15/12/2008.REsp 1.089.206-RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 23/6/2009.

Mais uma vez me despeço do leitor sem qualquer conclusão, pois esse texto é intermediário e teve por objetivo realizar uma coleta jurisprudencial acerca do tema nos Tribunais de cúpula. Novamente, até breve!

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22 de Fevereiro de 2020