A afirmação do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, de que a virada jurisprudencial permitindo a prisão a partir de uma decisão de segundo grau “libertou” os advogados, não foi bem recebida por criminalistas ouvidos pela ConJur. Principalmente por ter sido dita por um ex-advogado. Para eles, a decisão do STF contraria direitos e garantias fundamentais e afeta o direito de defesa.
Em evento na quarta-feira (29/6) que debateu a experiência italiana no combate à corrupção e as perspectivas da operação “lava jato”, o ministro do Supremo afirmou que a mudança na jurisprudencial vai fazer o advogado pensar a defesa em termos de teses jurídicas em vez de interpor recursos “procrastinatórios” para manter seus clientes fora da cadeia. “A Constituição é garantista, mas não pode ser suicida. Um sistema penal desmoralizado não é bom para a sociedade nem aos advogados. Fizemos um bem para a advocacia”, disse o ministro na ocasião.
Na opinião de Alberto Zacharias Toron, os advogados sempre estiveram comprometidos com a elaboração de teses de defesa sólidas para enfrentar o processo, com ou sem o direito de ser preso somente após o trânsito em julgado da condenação, como manda a Constituição e o artigo 283 do Código do Processo Penal. “Deus nos acuda dessa ‘libertação’ da advocacia que tem amesquinhado a garantia do Habeas Corpus. Querem libertar a advocacia, mas prender os cidadãos.”
O criminalista Guilherme Batochio diz lamentar que as declarações sejam de um ex-advogado e de um ministro a quem a Constituição impõe a guarda dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Para ele, a posição do ministro faz tábula rasa do devido processo legal. Na opinião de Luís Alexandre Rassi, a afirmação do ministro é “absurda” porque liberdade é ter a possibilidade de escolha, “de alegar como prova uma coisa ou outra”. Para ele, não é o STF ou o Superior Tribunal de Justiça que limita o que o advogado pode ou deve fazer.
O advogado Rodrigo Mudrovitsch diz “respeitar” e “admirar” a capacidade do ministro Barroso de propor ideias novas e procurar soluções institucionais para os gargalos do Poder Judiciário. Diz que, especialmente no âmbito da jurisdição constitucional, grandes avanços para o exercício da advocacia decorrem de propostas defendidas pelo ministro. “No âmbito do Direito Penal, contudo, não concordo com o pensamento de que a revisão do âmbito de proteção de um direito fundamental é positiva para o exercício da advocacia.”
Na opinião de Mudrovitsch, o STF ainda precisa definir melhor a abrangência da decisão tomada no julgamento do HC 126.292 porque “os reflexos não estão claros ainda”. “A advocacia, obviamente, sempre irá se adaptar às novidades, mas a preocupação maior deve ser com a situação daqueles que serão mais diretamente atingidos.”
Para o advogado Joaquim Pedro Medeiros Rodrigues, o ministro Barroso, ao fazer a afirmação, “parece ter se esquecido que o advogado é o porta-voz do cidadão”. “Generalizar que os advogados utilizam expedientes ‘procrastinatórios’ não soa adequado, especialmente vindo de um magistrado forjado na advocacia.”
“Processualismo de nulidades”
Participaram também do evento o diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro, Joaquim Falcão, e o juiz Orlando Faccini Neto, que atua como juiz instrutor convocado no gabinete do ministro Felix Fischer, do STJ. Falcão disse que a sociedade não “aguenta mais” o “processualismo de nulidades”. Neto falou que os criminalistas ganham muito por sustentações orais no STF e defendeu que deve haver um limite para o valor dos honorários advocatícios. Os advogados discordam.
Segundo Toron, o juiz se engana quando afirma que o valor cobrado para uma sustentação oral de 20 minutos paga os salários dos ministros do STF em um mês. Em primeiro lugar, diz, porque a sustentação oral é de 15 minutos, e não 20. Em segundo lugar, porque a “fantasia” do juiz não corresponde à realidade.
Toron afirma que a regra é o advogado cobrar honorários pela defesa como um todo, incluída a sustentação oral. E que, para alguns advogados de Brasília, possa ocorrer a contratação apenas para a defesa oral e entrega de memoriais, mas isso é a exceção. Quanto ao ganho dos advogados, diz que, embora alguns possam ser muito bem remunerados, essa não é a realidade da grande maioria, que vive com dificuldades, segundo ele. “Tomar o que acontece com a minoria dos profissionais pelo todo é um grave erro.”
Na opinião de Rassi, ao comentar a fala de Falcão, o processo existe para garantir uma instrução “limpa”. “Não sei onde podemos chegar com a ausência de freios e contrapesos no processo”. A respeito da proposta de Neto, da necessidade de limitar o valor dos honorários advocatícios, é dizer que todo advogado criminal é “bandido” e “inescrupuloso”.
Fonte: Conjur
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