Jurisprudência 10 – Contrato de Representação Comercial e a Exclusividade na Zona de Atuação

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7 de Dezembro de 2017

Informativo n. 0601
Publicação: 10 de maio de 2017

PROCESSO REsp 1.634.077-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 9/3/2017, DJe 21/3/2017.
RAMO DO DIREITO DIREITO EMPRESARIAL
TEMA Contrato de representação comercial. Zona de Atuação. Exclusividade. Omissão contratual. Possibilidade de comprovação.

 

DESTAQUE
É possível presumir a existência de exclusividade em zona de atuação de representante comercial quando: (i) não houver previsão expressa em sentido contrário; e (ii) houver demonstração por outros meios da existência da exclusividade.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia em definir acerca da existência de zona exclusiva em contrato de representação comercial quando não há cláusula expressa no instrumento firmado entre as partes. Inicialmente, destaque-se que a representação comercial constitui um negócio jurídico com natureza de colaboração empresarial por aproximação, destinada a auxiliar a circulação e distribuição de produtos e serviços nos mercados consumidores. Está disciplinada por meio da Lei n. 4.886/65 que, em seu art. 27, aponta quais são os elementos obrigatórios de um contrato de representação comercial autônoma. Para a resolução desta controvérsia, importa mencionar apenas que, entre as cláusulas obrigatórias, estão a indicação da zona ou zonas em que será exercida a representação (alínea “d”) e o exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado (alínea “i”). Sobre esse ponto, apesar de tais cláusulas serem obrigatórias, não há a necessidade de utilização de forma específica para sua celebração (como a escrita), tampouco há qualquer consequência jurídica para a omissão dessas cláusulas. Nesse caminho, percebe-se que a doutrina se manifesta a favor da presunção de exclusividade quando houver omissão no instrumento firmado entre representante e representado. As dificuldades de interpretação quanto à presunção de exclusividade do representante exsurgem da aparente antinomia existente entre o caput e o parágrafo único do art. 31 da Lei n. 4.886/65, após alteração legislativa ocorrida em 1992. Segundo doutrina, “na reforma da Lei n. 4.866, de dezembro de 1965, conduzida afinal pela Lei n. 8.420, de maio de 1992, se tentou inverter a equação, com a presunção de exclusividade em favor do representante comercial. A redação final do projeto de lei, entretanto, truncou a proposta contida no anteprojeto, que tinha aquele sentido. O resultado foi precário, como se vê da atual redação do art. 31 e seu parágrafo único”.  Dessa forma, haverá exclusividade quando houver expressa previsão em contrato escrito ou nas hipóteses em que, mesmo havendo instrumento escrito, o contrato for omisso quanto à atribuição de zona de atuação exclusiva. Com isso, a presunção de exclusividade deve ocorrer em razão do conteúdo do caput do art. 31 da Lei n. 4.886/65, o qual garante ao representante as comissões de vendas realizadas em sua zona de atuação quando o contrato for omisso quanto à exclusividade territorial. Assim, mesmo com a omissão de dispositivo acerca da exclusividade em zona de atuação, o representante é protegido pela legislação de regência do contrato em comento, o que está em consonância com o propósito da lei em estabelecer mecanismos de proteção ao representante frente ao representado.

 
Vamos analisar as regras!
A representação comercial constitui um negócio jurídico com natureza de colaboração empresarial por aproximação, é destinada a auxiliar a circulação e distribuição de produtos e serviços nos mercados consumidores e está disciplinada por meio da Lei n. 4.886/1965. Trata-se, portanto, de contrato típico, em que os direitos e obrigações das partes estão dispostos em lei.
Não há dúvida de que as normas do contrato de representação comercial têm como ponto de partida o representante, que normalmente é um microempreendedor, uma microempresa ou mesmo uma empresa de pequeno porte que explora atividade de maneira individual ou por meio de pessoa jurídica, colocada diante da representada, que quase sempre é uma empresa de médio ou grande porte que acaba por impor as regras contratuais.
O STJ compreende que o representante comercial pode ser encarado como um sujeito hipossuficiente e, por isso, as cláusulas contratuais podem ser analisadas. Se caracterizada a hipossuficiência, será nula. Por isso, o REsp 579.324/SC determinou que “a competência estabelecida pelo art. 39 da Lei n. 4.886, com a redação da Lei 8.420/93, é de natureza relativa, permitindo que as partes ajustem o foro de eleição, o qual deve prevalecer a não ser nos casos em que caracterizada a hipossuficiência”. Nessa linha, há o voto da decisão de Cesar Asfor Rocha, que compreendeu que a cláusula de eleição do foro é válida tendo em vista que tanto a representada como a representante possuem porte razoável. [1]
Em outra decisão, o STJ (REsp 533.230/RS) compreendeu que o contrato de representação comercial é um contrato de adesão, devendo prevalecer as regras legais quanto ao foro competente para a demanda que é o do representante, desde que ele seja considerado hipossuficiente, pois, caso contrário, contrariaria o princípio da ampla defesa. [2]
Rubens Edmundo Requião afirma que, na relação contratual de representação comercial, o representante é reconhecidamente mais fraco do ponto de vista jurídico e econômico, sem possibilidade de reagir à pressão do primeiro, exercida vitoriosamente na totalidade dos casos. [3]
Por isso, a autonomia privada é encarada como a liberdade assistida[4], pois, segundo Pietro Perlingieri, a autonomia não é um valor em si mesmo, uma vez que o poder de autonomia, nas mais variadas manifestações, é “submetido aos juízos de licitude e de valor, através dos quais se determina a compatibilidade entre o ato e a atividade de um lado, e o ordenamento globalmente considerado de outro”. [5]
Logo, a autonomia privada assenta exatamente na liberdade contratual, no poder dos contratantes de disciplinar os seus interesses mediante o acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. Diante dessa característica subjetiva dos sujeitos contratantes é que surge a legislação para coibir os abusos existentes pelos contratantes mais fortes, norma essa de natureza cogente (imperativa) como balizadora do princípio da autonomia privada dos contratantes.
Caso ocorra um desequilíbrio material das regras contratuais (houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias), dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.[6]
Não se pode esquecer que o contrato de representação também está vinculado aos mesmos conceitos e princípios norteadores dos contratos de uma forma geral, como a boa-fé objetiva e a função social do contrato.
A construção da legislação acerca do contrato de representação comercial teve como padrão de análise a realidade econômica desproporcional dos contratantes, decorrente da onda crescente industrial que ocorreu na década de 60, incluindo a imposição da clausula del credere, imposição unilateral de hipóteses de rompimento do vínculo contratual, entre outras cláusulas abusivas.
A questão da exclusividade tem como corolário o direito do representante à comissão sobre o negócio diretamente realizado pelo representado ou por sua ordem[7]. Percebe-se que a doutrina manifesta-se a favor da presunção de exclusividade quando houver omissão no instrumento firmado entre representante e representado.
A Lei n. 4.886/1965 prevê, em seu artigo 31, que “prevendo o contrato de representação a exclusividade de zona ou zonas, ou quando este for omisso, fará jus o representante à comissão pelos negócios aí realizados, ainda que diretamente pelo representado ou por intermédio de terceiros” e complementa no parágrafo único que “a exclusividade de representação não se presume na ausência de ajustes expressos”.
Haverá exclusividade quando houver expressa previsão em contrato escrito ou nas hipóteses em que, mesmo havendo instrumento escrito, o contrato for omisso quanto à atribuição de zona de atuação exclusiva. Ressalte-se, por fim, que doutrina e jurisprudência afastam a presunção de exclusividade em contratos firmados verbalmente sob a égide da Lei n. 4.866/1965.
Fabio Ulhoa Coelho com precisão esclarece que, na “representação comercial, a exclusividade de zona é implícita no contrato. Assim, para que o representante possa comercializar na zona do representante, direta ou indiretamente, o contrato deve trazer essa permissão expressa. A cláusula de exclusividade de representação, contudo, não é implícita. Para que o representante seja impedido de trabalhar para concorrentes do representado, a proibição deve ser expressa no contrato”. [8]
Também ficou assentado na jurisprudência deste Tribunal que “o ajuste de exclusividade numa praça, só a esta se aplica, pouco importando que a representação tenha se estendido a outra praça, salvo aditamento expresso a respeito – no caso, inexistente”.[9] Retomando a possibilidade de presunção de exclusividade, ela deve ocorrer em razão do conteúdo do caput do art. 31 da Lei n. 4.886/1965, o qual garante ao representante as comissões de vendas realizadas em sua zona de atuação quando o contrato for omisso quanto à exclusividade territorial.

COMERCIAL. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO. EXCLUSIVIDADE. A exclusividade de representação não se presume (Lei n. 4.886/1965, art. 31, parágrafo único); o ajuste de exclusividade numa praça, só a esta se aplica, pouco importando que a representação tenha se estendido a outra praça, salvo aditamento expresso a respeito – no caso, inexistente. Recurso especial conhecido e provido em parte.[10]

Por outro lado, o art. 711 do Código Civil determina que, se não houver ajuste contratual a respeito da exclusividade de zona ou de representação, o representado não poderá constituir, ao mesmo tempo, mais de um representante numa mesma área (zona territorial). Da mesma forma, representante não poderá assumir a representação de negócio do mesmo gênero, à conta de outra empresa.
Assim, fica claro que é possível presumir a existência de exclusividade em zona de atuação de representante comercial quando: (i) não houver previsão expressa em sentido contrário; e (ii) houver demonstração por outros meios da existência da exclusividade.
Como a situação poderia ser cobrada em concurso público, observando a questão da zona de exclusividade nos contratos de representação comercial:
Antônio de Souza ME celebrou com a empresa Fios XT Elétricos um contrato de representação comercial sem, contudo, dispor acerca da exclusividade de forma expressa. Assim, segundo a jurisprudência do STJ, assinale a alternativa correta.

a) É possível presumir a existência de exclusividade em zona de atuação de representante comercial quando: (i) não houver previsão expressa em sentido contrário; e (ii) houver demonstração por outros meios da existência da exclusividade.

b) A exclusividade não se presume, devendo ser expressa em contrato de forma clara e inequívoca.

c) A cláusula de exclusividade não é obrigatória nos contratos de representação comercial, sendo o contrato considerado nulo se não existir a previsão da cláusula de

d) Não haverá exclusividade quando houver expressa previsão em contrato escrito ou nas hipóteses em que, mesmo havendo instrumento escrito, o contrato for omisso quanto à atribuição de zona de atuação exclusiva.

Gabarito: letra A.
Justificativa:
REsp 1.634.077-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 9/3/2017, DJe 21/3/2017.


Referências:
BRASIL. Código Civil. “Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.
BRASIL. STJ. REsp 1.634.077-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 9/3/2017, DJe 21/3/2017.
BRASIL. STJ. REsp 229.761/ES, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, Rel. p/ Acórdão Ministro Ari Pargendler, Terceira Turma, julgado em 05/12/2000, DJ 09/04/2001, p. 354.
BRASIL. STJ. REsp 533.230/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2003, DJ 03/11/2003.
BRASIL. STJ. REsp 579.324/SC, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Rel. p/ Acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 15/02/2005, DJ 07/08/2006, p. 227.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Direito de empresa. Contratos e recuperação de empresas. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. Trad. Maria Cristina de Cicco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
REQUIÃO, Rubens Do representante comercial. 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005.
REQUIÃO, Rubens Edmundo. Nova regulamentação da representação comercial autônoma. O contrato de agencia e de distribuição no Código Civil de 2002. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato: as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coimbra: Almedina, 1999.


[1]              BRASIL. STJ. REsp 579.324/SC, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Rel. p/ Acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 15/02/2005, DJ 07/08/2006, p. 227.
[2]              BRASIL. STJ. REsp 533.230/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2003, DJ 03/11/2003, p. 323.
[3]              REQUIÃO, Rubens Edmundo. Nova regulamentação da representação comercial autônoma. O contrato de agencia e de distribuição no Código Civil de 2002. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 33-70.
[4]              O liberalismo econômico, que fez dos contratos o reino da liberdade, não tardou a mudar-lhes a face. A liberdade transporta em si o germe da autodestruição e o seu desenvolvimento tende a limitar-se e, até, a aniquilar-se. O Rüthers (apud RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato: as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coimbra: Almedina, 1999, p.  503) dispõe que “a liberdade contratual tem, pois, que ser protegida contra a liberdade contratual, ou dito de outro modo: a autonomia privada não está à disposição da autonomia privada”.
[5]              PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. Trad. Maria Cristina de Cicco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 77.
[6]              BRASIL. Código Civil. “Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.
[7]              REQUIÃO, Rubens Do representante comercial. 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 177.
[8]              COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Direito de empresa. Contratos e recuperação de empresas. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 117.
[9]              BRASIL, STJ. REsp 229.761/ES, Terceira Turma, julgado em 05/12/2000, DJ 09/04/2001, p. 354.
[10]            BRASIL. STJ. REsp 229.761/ES, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, Rel. p/ Acórdão Ministro Ari Pargendler, Terceira Turma, julgado em 05/12/2000, DJ 09/04/2001, p. 354.


Leonardo Aquino –  Direito Empresarial – Advogado
Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Autor na área jurídica, colunista e articulistas em diversas revistas nacionais e internacionais. Autor dos Livros: (1) Curso de Direito Empresarial: Teoria geral e direito societário; (2) Legislação aplicável à Engenharia; (3) Propriedade Industrial. Conferencista. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Empresarial. Colaborador na Rádio Justiça. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/DF. Presidente da Comissão Nacional de Direito Empresarial da ABA. Professor do Uniceub, do Unieuro e da Escola Superior de Advocacia ESA/DF. Advogado.



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