O que é reafirmação da DER?

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22 de junho6 min. de leitura

Olá, queridos alunos e alunas do Gran!

Que tal aprendermos, hoje, sobre um tópico que já foi alvo de bastante controvérsia no Direito Previdenciário? Pois bem, escolhi o tema da “reafirmação da DER”. Você conhece o significado dessa expressão?

Eu vou te explicar.

Antes de tudo, a expressão “DER” é a abreviação de “data de entrada do requerimento”, sendo uma das siglas adotadas pelo INSS em seu sistema de processamento de pedidos administrativos de concessão de benefícios previdenciários.

Logo, “reafirmação da DER” é a reafirmação de uma data, a qual, no caso, é a data que valerá como sendo o dia do requerimento de concessão do benefício previdenciário. A data de entrada de requerimento administrativo é importante, especialmente, para demarcar o pagamento das prestações previdenciárias atrasadas, bem como para revelar, em no caso da reafirmação da DER, qual o regramento normativo aplicável.

Sabemos que, pelo princípio tempus regit actum, a lei aplicável é aquela que está vigendo na data do implemento dos requisitos para o benefício. Todavia, no caso da reafirmação da DER, o implemento dos requisitos para benefício ocorrer, justamente, no momento em que ela é reafirmada. Desse modo, pode ocorrer que, nesse momento, uma nova lei já esteja valendo para definir quais os critérios definidores para a concessão de determinado benefício da previdência social.

Aliás, em relação a essa última constatação, cabe lembrar que o tópico da reafirmação da DER possui relação com a questão do direito ao melhor benefício. Ademais, a reafirmação da DER é circunstância que deve ser aferida pelo servidor do INSS responsável pelo atendimento do segurado, tratando-se de obrigação da autarquia previdenciária. Isso consta expressamente do art. 690, da IN 77/15, senão vejamos:

Art. 690. Se durante a análise do requerimento for verificado que na DER o segurado não satisfazia os requisitos para o reconhecimento do direito, mas que os implementou em momento posterior, deverá o servidor informar ao interessado sobre a possibilidade de reafirmação da DER, exigindo-se para sua efetivação a expressa concordância por escrito.

 

Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se a todas as situações que resultem em benefício mais vantajoso ao interessado.

Também passou a constar do Regulamento da Previdência Social, após as alterações feitas no Decreto 3048/99, pelo Decreto 10410/20:

Art. 176-D. Se, na data de entrada do requerimento do benefício, o segurado não satisfizer os requisitos para o reconhecimento do direito, mas implementá-los em momento posterior, antes da decisão do INSS, o requerimento poderá ser reafirmado para a data em que satisfizer os requisitos, que será fixada como início do benefício, exigindo-se, para tanto, a concordância formal do interessado, admitida a sua manifestação de vontade por meio eletrônico.”

 

Art. 176-E. Caberá ao INSS conceder o benefício mais vantajoso ao requerente ou benefício diverso do requerido, desde que os elementos constantes do processo administrativo assegurem o reconhecimento desse direito.

 

Assim, a reafirmação da DER traduz hipótese na qual o requerente não tinha ainda o cumprimento dos requisitos no momento da entrada do requerimento, mas os preencheu ao longo do processo administrativo previdenciário, desde que antes da decisão final.

Nessa hipótese, a data de início do benefício coincidirá com a data de reafirmação da DER, desde que haja a concordância expressa e formal do segurado.

Isso pode ocorrer também em relação às hipóteses que estudamos relacionadas ao direito ao melhor benefício, uma vez que ao longo do processo administrativo o requerente pode preencher os requisitos para outro benefício mais vantajoso e, em tal caso, o servidor do INSS é obrigado a cientificar o segurado sobre o direito de opção.

Se optar pelo benefício, cujos requisitos somente foram cumpridos ao longo do processo administrativo, haverá a reafirmação da DER para a data em que aqueles foram satisfeitos, contando-se a partir dessa reafirmação a data de início do benefício a ser deferido.

No âmbito judicial, também se discutia a questão da reafirmação da DER, ou seja, se seria possível considerar o preenchimento dos requisitos para o benefício ao longo do processo judicial, ou entre o indeferimento do pedido administrativo e o ajuizamento da ação. A questão foi debatida no TEMA 995, do STJ, que assim fixou a questão controvertida:

Possibilidade de se considerar o tempo de contribuição posterior ao ajuizamento da ação, reafirmando-se a data de entrada do requerimento-DER- para o momento de implementação dos requisitos necessários à concessão de benefício previdenciário:

(i) aplicação do artigo 493 do CPC/2015 (artigo 462 do CPC/1973); (ii) delimitação do momento processual oportuno para se requerer a reafirmação da DER, bem assim para apresentar provas ou requerer a sua produção.

Em síntese, delimitando a questão objeto do TEMA 995, do STJ, foi questionado o seguinte em relação à “reafirmação da DER” na esfera judicial: a) o segurado pode usar o tempo de contribuição POSTERIOR ao ajuizamento da ação para ter o pedido de benefício julgado procedente?; b) o segurado, parte autora, precisa NECESSARIAMENTE apresentar TODOS OS REQUISITOS do benefício até a data do ajuizamento da ação?; c) caso seja possível considerar o cumprimento dos requisitos do benefício mesmo após o ajuizamento da ação, ATÉ QUANDO QUE ISSO PODE SER FEITO, isto é, até que fase processual?

 

Bem, o julgamento foi por unanimidade no STJ, dando ganho de causa aos segurados. Nos motivos determinantes da decisão, o Min. Relator, Min. Mauro Campbell Marques, assinalou, em resumo, que:

  • o tema central do repetitivo é a aplicação do art. 493, do CPC;
  • é DEVER DO JULGADOR aplicar o art. 493, do CPC
  • o juiz deve estar atento às CAUSAS SUPERVENIENTES observadas ao longo do processo;
  • o FATO SUPERVENIENTE deve conter um LIAME com a CAUSA DE PEDIR;
  • a “reafirmação da DER” é um fenômeno típico do Dir. Previdenciário e também do Dir. Processual Civil Previdenciário;
  • ocorre “quando se reconhece o benefício por fato superveniente ao requerimento, fixando-se a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos requisitos legais”.
  • possui relação com DOIS PRINCÍPIOS: o Princípio da ECONOMIA PROCESSUAL; o Princípio da INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS;
  • possui, assim, o OBJETIVO de dar EFETIVIDADE AO PROCESSO, que significa REALIZAR O DIREITO MATERIAL em tempo RAZOÁVEL, sendo que isso decorre da noção neoconstitucionalista e neoprocessualista de dar MÁXIMA EFETIVIDADE e MÁXIMA PROTEÇÃO aos DIREITOS FUNDAMENTAIS;
  • para COMPATIBILIZAR esse dever com o PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO ou PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA, deve-se fazer uma ponderação de interesses, prevalecendo a MÁXIMA EFETIVIDADE dos DIREITOS FUNDAMENTAIS, na medida em que o Direito Previdenciário é um direito humano e fundamental;
  • além disso, o INSS é o GUARDIÃO dos dados cadastrais previdenciários do trabalhador e não deve postergar a análise de todos esses elementos.
  • CONCLUSÃO: não é razoável fazer com que a parte ajuize NOVA DEMANDA.

 

Vejamos a ementa do referido julgado:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO DA DER (DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

 

  1. O comando do artigo 493 do CPC/2015 autoriza a compreensão de que a autoridade judicial deve resolver a lide conforme o estado em que ela se encontra. Consiste em um dever do julgador considerar o fato superveniente que interfira na relação jurídica e que contenha um liame com a causa de pedir.

 

  1. O fato superveniente a ser considerado pelo julgador deve guardar pertinência com a causa de pedir e pedido constantes na petição inicial, não servindo de fundamento para alterar os limites da demanda fixados após a estabilização da relação jurídico-processual.

 

  1. A reafirmação da DER (data de entrada do requerimento administrativo), objeto do presente recurso, é um fenômeno típico do direito previdenciário e também do direito processual civil previdenciário. Ocorre quando se reconhece o benefício por fato superveniente ao requerimento, fixando-se a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos requisitos legais do benefício previdenciário.

 

  1. Tese representativa da controvérsia fixada nos seguintes termos:

 

É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.

 

  1. No tocante aos honorários de advogado sucumbenciais, descabe sua fixação, quando o INSS reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo.

 

  1. Recurso especial conhecido e provido, para anular o acórdão proferido em embargos de declaração, determinando ao Tribunal a quo um novo julgamento do recurso, admitindo-se a reafirmação da DER.

 

Julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos.

 

(REsp 1727063/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2019, DJe 02/12/2019)

 

Também foi mencionada no julgamento do TEMA 995, do STJ, a TEORIA DO ACERTAMENTO, de modo que, nas palavras do Min. Relator, a “teoria do acertamento conduz a jurisdição de proteção social, permite a investigação do direito social pretendido em sua real extensão, para a efetiva tutela do direito fundamental previdenciário a que faz jus o jurisdicionado”.

Sendo assim, tomando por base a Teoria do Acertamento, a REAFIRMAÇÃO DA DER não implica ALTERAÇÃO da CAUSA DE PEDIR. Não altera a causa de pedir. Não altera fatos nucleares do pedido. Não ameaça a estabilidade do processo. MAS, DEVE HAVER UMA RELAÇÃO ENTRE O FATO SUPERVENIENTE E A CAUSA DE PEDIR. Essa relação entre o fato superveniente e a causa de pedir é extraída do contexto alargado do RISCO SOCIAL no qual o segurado está inserido.

Portanto, a exigência processual da correlação entre o pedido e o julgamento do juiz, NÃO IMPEDE, contudo, que se conceda BENEFÍCIO DIVERSO do pedido pelo autor. Pois, o que se visa é a PROTEÇÃO DO SEGURADO EM FACE DO RISCO SOCIAL. Por isso, não há julgamento ULTRA ou EXTRA PETITA nesses casos, não se violando o princípio da congruência, de modo que o juiz deve perquirir a VERDADE REAL no processo previdenciário.

Vamos para o fechamento do tema, para fixarmos o aprendizado:

  1. trata-se, a “reafirmação da DER”, de um instituto que possui aplicabilidade no processo administrativo previdenciário e, também, no processo judicial previdenciário;
  2. tem previsão legal, mas sua aplicabilidade no processo judicial decorre de precedente vinculante do STJ;
  3. reafirmação da DER é um direito do segurado do RGPS;
  4. no ÂMBITO ADMINISTRATIVO está previsto expressamente no art. 690, da IN 77/15, bem como no art. 176-D, do Decreto 3.048/99;
  5. já no ÂMBITO JUDICIAL foi reconhecido como possível no julgamento do TEMA 995, do STJ;
  6. permite que o segurado demonstre que cumpriu os requisitos para o benefício mesmo após o requerimento administrativo (ou após o ajuizamento da ação), caso eles não tenham sido devidamente cumpridos até a data da apresentação do pedido administrativo.
  7. no momento em que os requisitos são cumpridos, fala-se, então, em “reafirmação da DER”.

 

 

Espero ter ajudado com as lições de hoje, caríssimos guerreiros e guerreiras do Gran Cursos Online.

Fraternal abraço,

 

 

Frederico Martins.

Juiz Federal

Professor de Dir. Previdenciário do Gran Cursos

@prof.fredericomartins

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